sexta-feira, 30 de maio de 2025

 São tantas pelo chão que se fossem moedas ninguém passaria fome. Tampinhas de ferro pintadas por todas as portas dos bares do centro, as amassadas brilham e chamam meus olhos.

sexta-feira, 16 de maio de 2025

Bombom tartaruga

 Dessa vez, uma parte das as cinco dezenas de reais que recebeu foi suficiente para comprar o pagamento e trabalhar. Com todo amor, guardado no bolso para entregar no dia e hora certa. Assim foi feito, mas uma pergunta surgiu.


Por que o pagamento se dá novamente com chocolate? E mais uma pergunta, para complementar: o que significa para você esse bombom de chocolate? Dizer que me ama não é suficiente no momento em que a transferência está evidentemente estabelecida. Diga mais. Faça um novo registro da sua história e se convença de que o chocolate lhe faz mal, mal ao seu corpo tão pequeno.


O novo pacote se abriu no meio da manhã durante as passadas no asfalto para matar a fome, dessa vez sem dúvidas, ou quase. Antes, a validade foi conferida e, como é digno do pensamento desvirtuar a percepção, leu-se o mês dez ao contrário, quase acreditando na desconfiança imperiosa. A leitura foi repetida trazendo a segurança de abrir o pacote. Uma tartaruga moldada no chocolate correu para a boca primeiro a pata quebrada, depois o resto, consistente.

quinta-feira, 15 de maio de 2025

É possível prever o não dito pelo dito

 É possível prever o não dito pelo dito. É um trabalho analítico. Há uma lógica no discurso, principalmente via negativa.  A pessoa nega para conseguir falar sobre o que revela o seu inconsciente. Isso é Freud, em  A Negativa. O inconsciente não registra as negativas. Portanto, se eu escuto: "eu não quero me viciar em nada", logicamente eu estou bem perto do vício porque falei dele, ele surgiu no discurso. É um caso em que foi possível prever o movimento de um sujeito que em seguida confessa o vício em jogos. Também foi possível prever, pela via do discurso, uma desorganização do sujeito quando a repetição é detectada. Situações de abuso infantil também, possível prever, ver, e intervir. Parece mentira, é incrível e acontece. É assustador, um surf numa onda gigante quando o que se previu aconteceu. Era para eu dizer: tende duvidar. Mas eu disse: tente não obedecer. Um equívoco dentre acertos. É preciso enxergar a estruturação psíquica para lidar em cada caso. 

sábado, 10 de maio de 2025

 Quando o sol brilha menos na minha cidade de sol, meu corpo parece responder. Quando o dia chega sem o brilho, meu corpo demora. E se o dia passa enuviado, recolho meu corpo desanimado. O sol me traz a rua, seca minhas roupas, acorda meu sono e me traz vontade de viver. Muitos dias de chuva na minha cidade de sol e mar, mexem com meu corpo. 

Posso buscar encontrar saídas sem que nada esteja relacionado com o sol brilhante. A relação edípica quando não se resolve, vive pairando, faça chuva ou sol. Hoje eu até consigo colocar em palavras o meu sensível, também é possível endereçar essas palavras, mas ainda me persegue a sensação de que é melhor não dizer por se tratar do que é apenas sensível para mim. É muito notório quando um adulto foi uma criança bem amparada, quando a  suas dores e seus choros foram dedicados a devida atenção. Mas o desamparo e ataques quando vividos na infância deixam sequelas que nem anos e anos de análise parecem trazer alívio. O alívio pode vir com a morte de um dos lados do triângulo, troncho, tremido, temido. É triste ter que abandonar para se salvar. É difícil falar de uma dor quando o outro diz que todo mundo sente dor, menosprezando suas declarações. 

Quando a dificuldade de viver se alastra por tantos anos, parece melhor não viver. Um dor indizível mesmo que seja atendido o pedido de falar sobre ela. Não adianta. Quando doi, é preciso parar, afastar, proteger os berros e as lágrimas, esconder, fingir, mentir. Enxergar as incapacidades se possível. Uma história de solidão, de insubmissão, de revolução, é sofrida. Se o amor não é bem entendido é porque foi corrompido por gritos, abusos, por uma responsabilidade pesada quando o corpo infantil mal se aguenta. 

Dizer te amo não é o mesmo que escutar. Existem palavras da boca para fora. Existem marcas de dentro, bem no fundo. Cicatrizes invisíveis, mesmo deixando a vida levar, ela carrega sem saber se diz, se cala, se chora, se grita, se escreve, se espera o sol brilhar mais uma vez.

terça-feira, 6 de maio de 2025

Que me toca

 Eu falo com música porque música é uma fala, portanto conecta, une, envolve. Pessoa por pessoa fala música. Está no corpo em vibrações, ondas invisíveis pelos ouvidos, elas dizem, por isso eu falo. Falo a língua , meu Outro, música encarnada, que me toca sem nem eu tocar. Apenas mergulho e subo em um barco sem remos, dando todo o meu corpo para falar essa língua que me guia.