sexta-feira, 29 de agosto de 2025

O perdão e a mentira

O perdão é uma coisa inventada e na minha cabeça inventar o perdão é praticamente improvável. Assim, a insegurança afetiva que uma pessoa me provoca, será lembrada sempre. Nessa atualização da insegurança há sofrimento. Talvez as pessoas perdoem para inventarem de esquecer de sofrer e talvez a capacidade de inventar delas seja muito superior a minha. A minha capacidade de inventar inventa outras coisas. 

Infelizmente a insegurança afetiva está presente em qualquer relação humana, mas é principalmente na infância que a sua presença deixa marcas, mesmo que o perdão tenha sido inventado, o pequeno corpo registrará e não esquecerá. Assim, ao se tornarem adultos, evitarão situações ou pessoas que lhe remetam à insegurança afetiva. Ou então viverão na insegurança, talvez o único ambiente que lhe foi oferecido e portanto, ao não experimentar outro lugar, vive a repetir desse mesmo lugar. 

Sustentar uma mentira dá muito trabalho, há que se repetir até acreditar e é passível de esquecer até a mentira que mentiu. Pelas inseguranças já vividas, eu duvido das pessoas. Todas as pessoas. Acreditar mesmo, ultimamente, somente no meu cão e nos resultados obtidos no meu trabalho. O cão não usa a palavra, assim não mente. O meu trabalho depende do outro para acontecer - posso até dizer que acredito nesse humano que busca uma análise, afinal, é na força do desejo de viver que há busca. 

O que o leitor pensa, nessa hora solitária da escrita para quem escreve e para quem lê, não tenho como saber a não ser do lugar de quem escreve. Já desde a palavra solitária, a mentira. A palavra mente. Eu sobrevivendo com as garras nas bordas, tento me fazer dela, tornando públicas e inafiançáveis essas palavras para a distensão. 

Um bebê ao qual não são dedicadas palavras quando ele chora, pode ter a sua segurança afetada. Uma criança que constantemente assiste a brigas entre seu pai e sua mãe, terá sua segurança afetada em algum nível da sua subjetividade. 

As palavras mentem mas elas são afetos, bons ou maus, seus efeitos são singulares. 

As palavras mentem ao ponto de inventar o perdão, por isso entendo que o perdão é algo insustentável. Mentira pura. Joguinho de palavras. 



sábado, 23 de agosto de 2025

 Eu vi o rio vermelho hoje em uma breve passagem pisei na areia, senti o cheiro da praia, molhei meus pés, minha nuca e minha testa e provei do mar. Banhei meu cão no sal das águas. Agradeci a minha mãe pelas graças que alcancei. 

A maré vazia e o som das ondas quebrando as pedras. Explosões em série de espumas brancas. Poças transparentes e vestígios das mudas das pinaúnas. 

A prainha toda vazia e fresca. Meu cão arrefecendo seu corpo antigo na beira da praia do rio vermelho, lugar das nossas vadiagens. 

quarta-feira, 20 de agosto de 2025

Há pessoas que criticam Lacan por usar o Nome-do-Pai mas eu quero acreditar que elas desconhecem a teoria lacaniana, eu freudiana. Lacan me esclareceu muita coisa quando apresenta a instância do simbólico e a aquisição dos significantes. É preciso que algo se faça presente na ausência da função materna para que a criança adquira sua capacidade de nomear as coisas, as coisas da vida. O pai, encarnado, propriamente dito, pode existir na vida de um sujeito. Mas não é uma regra geral. Há muitas pessoas nascidas no Brasil sem o nome do pai na certidão do seu nascimento, muitas vivem e viveram a ausência do seu genitor no desenvolvimento de sua vida. Nesse casos, o que realiza e interferência na relação mãe -filho pode ser o trabalho, ou outra pessoa, ou até uma instituição. Portanto, mãe é aquela pessoa que faz a função materna, a função paterna não precisa ser chamada de pai, pois é aquela pessoa ou aquilo que faz a função paterna. A mãe deve ser sempre uma pessoa, quem faz a função paterna não necessariamente, o importante é a entrada na linguagem, na possibilidade de nomear a ausência através dos significantes, portanto a entrada no simbólico. Daí advém a estrutura psíquica. 

A presença ou ausência do pai, pessoa física, genitor, pode deixar marcas na vida de qualquer pessoa, mas de maneira singular. Um pai presente mas agressivo, um pai ausente, por negligência, são apenas exemplos que podem afetar a subjetividade da criança comprometendo a sua entrada na linguagem. 

Também vale ressaltar sobre as crianças em famílias homoafetivas, a segunda mãe ou o segundo pai é quem vai fazer a função, compondo a relação triangular.


Isso é Freud e Lacan, não fui eu quem disse, através deles eu vou à clínica psicanalisar com muito chão já galgado. Ha pessoas que são reconhecidas como psicanalistas mas entendem o pai como um ser encarnado em um homem. Um entendimento desse reduz a confiabilidade no trabalho dessas pessoas, revelando tendenciosidade conservadora em relação à função paterna. 




 Estar em grupo pode ser reconfortante, mas perigoso na mesma proporção. O grupo é capaz de te exaltar e capaz de te linchar. Se a sua posição é de uma pessoa desalienada, será atacada, em voz alta, na sua frente, ou em silêncio, até que te olhem de longe demonstrando a autoria do ataque. Para uma psicanalista o caminho é feito às margens, pois o grupo acolhe enquanto o seu discurso ou sua escuta lhe serve, te expulsa quando o ser psicanalista incomoda a performance quadrada dos alienados. 


Um dia um homem na praia me disse que eu fosse me arrastando mas que eu continuasse. Ser sozinha é uma arte e quase ninguém consegue, apesar de todos estarem sozinhos, mantém alguém do lado pra não se enxergar tão só. Ou vai pro lado de alguém. Sozinho mesmo não existe pois o mundo pra girar e a comida chegar no prato precisa de muita gente. Mas existe o sozinho no meio de todo mundo e isso todo mundo é. Mesmo os que não se sintam sozinhos enquanto sozinhos, sintam-se bem acompanhados. 

O choro ninguém vê, nem a tristeza por tanta constatação da imundície das humanidades quando se juntam pra atacar. Se se persiste em busca de valer o seu direito de apenas ser, dentro da lei, você pode ser considerado problemático, exagerado, cri-cri, até doente mental. 

 Se você não tem testemunha ao jardinar no seu jardim, só você e o jardim saberão do trabalho realizado. Você, o jardim e suas ferramentas. E as formigas que se incomodaram com o agito e arrancos na mata. O cachorro poderá até saber, ficou no topo da escada te olhando o tempo todo. 

Quando você descobre que o jardim de sua jardinagem é todo dia invadido por uma praga que destroi a vida de alguma planta. Uma luta todo dia para manter a jardinagem. Uma luta sem fim. 

O homem criou e deixou-se criar em redes artificiais onde se perpetua o racismo. Racismo algorítimico, uma novidade desses tempos. E o que fazer para não ser objeto reforçador desse algorítimo? Resistir? Viver a vida inteira resistindo  ou deixar de participar desse lugar de interação que limita a sua existência? Qual a saída senão voltar a nos comunicarmos como antes, sem o conhecimento da branquitude? Como continuar fazendo parte de uma rede da branquitude? Não há rede com a branquitude, as tramas desentrelaçam. 


 Ele nem foi lá nos tantos que disse enxergar: Luiz melodia, Tonho matéria , luis Miranda. Nem eu fui, só depois. Porque a coisa da análise é captada no só depois. Três em uma pessoa só, como é que pode, tantos artistas na repartição? Artista só é possível na repartição do trabalhista, é o que me parece.