domingo, 30 de março de 2025

Cortes

Um corte pode ser à unha ou à navalha
A pele cortada à facada sofre mais do que o vidro cortante entrando superficialmente na planta do pé 
Na palma da mão um talho da madeira quis perfurar mas deixou tantas pontas que foi salvo por quem soube retirar 
Um por um
Cada um
Espinho de mandacaru que passou o dia inteiro enfiado também foi extraído da nádega dolorida

Um corte com choro contido
Esquenta a cara toda sem o cortado ver o corte
Pois ele apenas sente
Segue mancando de dor
Retalhado
No ardor dos nervos atingidos

Um corte pela palavra é bem mais quisto 
O corpo mexe todo sem rabiscos 



Uma música e a mesma música por muitos minutos

Tanta música até entrar no corpo

fazer chorar

pela melodia entorpecente mais do que pela poesia

por que acontece assim?

Suga a concentração, ameniza a febre, preenche a solidão


quarta-feira, 29 de janeiro de 2025

 Não quero nem ouvir falar desse morto que de vez em quando aparece pra me perturbar. Quem quiser que acredite haver uma suprema genialidade. Posso ver o morto em seu legado, nomes de praças, prédios, teatro, passaram a ter o nome do morto que chorava em vida por não ter um tostão pra pagar as suas contas de luz elétrica. Foi tanta canalhice em vida mas na morte há quem nunca saiba do que foi capaz. Hoje mesmo pedi: "me deixe, morto!" na vida que o pensamento teima em lhe dar. Abusos sem limite, não tinha hora pra dormir, poucas horas pra acordar, se exibia com seu texto repetido sobre a inconstância só pra justificar o quão escorregadio, mentiroso, preconceituoso era o morto. Pedia meu cérebro e eu quase dei de tão louca pois em vida me privava do meu sono ao me chamar a qualquer hora pedindo socorro, um remédio, uma solução pra acabar com seu sofrimento. A sua morte não só lhe aliviou como a mim também. Eu já sentia sem saber explicar que sua vida seria breve. Agora é silenciar a vida do morto em mim. 

segunda-feira, 6 de janeiro de 2025

 Falam de uma consciência plena hoje em dia, mas as coisas vão-se renomeando enquanto se explicam o que já foi explicado. Pode ser um estado meditativo, nesse lugar onde o tempo é de paz pois está-se pronto para a guerra. Onde não se tem que fazer nada e não há nada a fazer portanto há tempo muito tempo. Dizem encontrar isso em um minuto de meditação mas eu quero ver é viver isso todo dia, assim consciente. Quer ver quem aguenta. Aguenta segurar metas, planos, sonhos, fantasmas da sua própria tão imprópria vida dada à sorte de escapar mais um dia da morte sem soltar o medo. Esse mesmo se perde nesse estado de si. Uma retirada de excessos da vida, o tempo só de aprender as conversas dos passarinhos.