terça-feira, 4 de novembro de 2025

Contando com gentilezas

 A loucura é tanta que tá dando enjôo. O nirvana tem efeitos colaterais. Pressão baixa, escutei uma vez. Tremores sutis. Porque a coisa louca de usar a voz. É quem quer que eu cante, a brisa me soprou e neste exato momento soprou de novo, pra me trazer ao meu próprio corpo muito louco. 

As janelas estão todas fechadas mas já há uma porta de casa aberta. Sem tremer, sem chorar. Tremendo um pouco, sem trepidar. 

Contando com algumas gentilezas dos homens.

domingo, 5 de outubro de 2025

Corpos na meca brasileira

Duas mulheres negras reconhecem-se no vendaval da meca brasileira. O som ambiente é muito alto aos ouvidos delas. 

É tão bonito e reconfortante para uma delas. Intuitivamente parece reconfortar as duas mulheres apenas por serem elas ali naquele momento. Por recados dados por seus corpos, comunicam-se, nem precisam falar para transmitir mensagens uma a outra. Uma coisa inexplicável, porém constatável, sensivelmente constatável.

Em encontros como esse é que a vida parece mostrar suas qualidades na atualidade. Sim, porque, para haver esse reconhecimento entre duas mulheres negras, foi preciso atravessar anos de escravidão e muita dor, continuamente encarando o racismo, o machismo e o classismo ao mesmo tempo. 

Essa dor da história também está presente no encontro de mulheres negras quando uma delas não reconhece a outra como mulher negra. 

Andam por aí falando de parditude, mas talvez seja tanta dor da história presente na vida dessa mulher que, diante de qualquer indício de branquitue, ela reaja, mesmo que seja contra outra mulher negra. Podemos citar as relações estabelecidas na meca brasileira, onde a maioria das funcionárias são negras e as clientes brancas - quando um cliente negra se apresenta diante da funcionária negra, esta última reage com recados dados através do seu corpo, com a sua cara fechada, com seu aparente mal humor em servir a uma outra mulher negra. Isso é muito ruim pois, ao invés de ser um encontro entre mulheres capazes de se cuidarem e reconhecerem-se em suas qualidades, provoca um afastamento entre elas se ambas não conseguem entender de onde vieram. 

Em ambos os encontros falam de um lugar de reconhecerem-se na dor, mas um causa conforto e o outro escancara o mal-estar. 


"Não confunda a reação do oprimido com a violência do opressor." (Malcom X.)


segunda-feira, 29 de setembro de 2025

A ilusão protege e desprotege a mente civilizada

 Escutei o miado de um gato filhote durante a madrugada. Fui acordada por esse som e, por um importante momento do meu sono sagrado, com meus olhos abertos já sentada na cama, por um pensamento convicto de que era o meu gato que veio ao meu encontro. O gato que eu venho desejando encontrar havia me encontrado finalmente nesta incrível madrugada de sono arrombado por miados. 

Agora uma ave soa seu canto tão agudo e prolongado quanto um miado. Mas é dia. Nem coruja eu escuto aqui de noite. 

Deitei e me dediquei mais uma vez a volta do caminho, tentei me despedir do estado de vigília. O som insistia e novamente me pus sentada na cama. O cachorro nem se abalou. Comecei então a duvidar da existência do gato que era meu. 

De onde estaria partindo aquele som? O dia não apontava, a escuridão abriu as suas mil portas. Insano seria eu me levantar e sair procurando. Os miados eram reais. De bicho filhote. A certeza apontava para a existência de um gatinho miando e fazendo a sua súplica. De fome. Chamando por sua mamãezinha que saiu para caçar. 

A ilusão protege e desprotege a mente civilizada. Dessa vez protegeu, um pensamento de sossegar o imaginário e voltar a dedicação ao sono sagrado assim que os miados pararam. 





segunda-feira, 15 de setembro de 2025

O problema dos outros e salvar o mundo

 Não posso, de não poder, não ter poder mesmo. O cão farejou e enquanto isso eu senti um cheiro de ferida. Já sentiu cheiro de ferida aberta? Eu tenho que prestar muita atenção ao que o cão fareja pois ele pode comer o que não deve. As ruas cheias de punhados de ração, de ossos assados ou cozidos de galinhas ou de bois, restos de comidas diversas que depositam nas ruas do centro para os famintos humanos e animais. Passarinhos comem, cães de rua comem, moradores de rua comem. 

O cheiro de ferida se confirmou numa simples e breve farejada. Também é possível sentir quando há olhares direcionados a você. Levantei minha cabeça que ainda mirava o que o cão farejava, mas nem ele mesmo parecia ter encontrado algo, apenas buscava. Parecia uma cena de filme de ciborgues, o gato deitado em posição de relaxamento virou a sua cabeça em minha direção e o cheiro de ferida ganhou nome. Sua cabeça aberta, um olho seu nem existia, virou pra me mirar. Ele estava dentro de um estabelecimento comercial, talvez nem soubesse dele lá... Parecia pleno tomando o seu banho de sol que surgiu enquanto o dia chuvoso estiava.

Sua cabeça aberta e o cheiro da ferida poderiam ter me comovido e, comovida, eu mudaria todo o meu dia pra tentar devolver a saúde daquele bicho, gastaria rios de dinheiro com a sua recuperação. Mas algo me protegeu dessa comoção. Não se se pela plenitude do seu olhar, não sei se por já ter trabalhado uma manhã inteira escutando as angústias humanas, ou pela química ingerida todos os dias para me ajudar a dar conta do que sinto, ou por talvez eu ter encontrado o entendimento de que na estrada dessa vida eu posso pouco e preciso sentir que meu poder é limitado. 

O gato não miava, não arfava, não gemia. Ele apenas sentiu a minha aproximação e virou a cabeça quebrada pra me olhar. Parecia resignado com seu cérebro à mostra. Nem mosquitos o rodeava. Eu passo por ali todos os dias e não o conhecia mas poderia ser um dos gatos que eu vejo todos os dias e todos os dias todos olham pra mim. Procurei um pouco da minha piedade, um minuto antes um preto velho se arrastava pela rua e pediu meu cão pra ele caso eu desejasse me desfazer. Respondi que não. 

Se eu não tivesse o cão, pegaria aquele gato acidentado? E se o gato não deixasse eu prestar a minha piedade? O meu poder se encerra diante do poder do outro. Assim, ninguém tem muito poder nessa estrada, onde o Real é quem pode mais e o que me cabe é dar conta dele sem potencializar tanto a minha sensibilidade. Uma sensação desagradável barrar a sensibilidade, mas possível.

sexta-feira, 29 de agosto de 2025

O perdão e a mentira

O perdão é uma coisa inventada e na minha cabeça inventar o perdão é praticamente improvável. Assim, a insegurança afetiva que uma pessoa me provoca, será lembrada sempre. Nessa atualização da insegurança há sofrimento. Talvez as pessoas perdoem para inventarem de esquecer de sofrer e talvez a capacidade de inventar delas seja muito superior a minha. A minha capacidade de inventar inventa outras coisas. 

Infelizmente a insegurança afetiva está presente em qualquer relação humana, mas é principalmente na infância que a sua presença deixa marcas, mesmo que o perdão tenha sido inventado, o pequeno corpo registrará e não esquecerá. Assim, ao se tornarem adultos, evitarão situações ou pessoas que lhe remetam à insegurança afetiva. Ou então viverão na insegurança, talvez o único ambiente que lhe foi oferecido e portanto, ao não experimentar outro lugar, vive a repetir desse mesmo lugar. 

Sustentar uma mentira dá muito trabalho, há que se repetir até acreditar e é passível de esquecer até a mentira que mentiu. Pelas inseguranças já vividas, eu duvido das pessoas. Todas as pessoas. Acreditar mesmo, ultimamente, somente no meu cão e nos resultados obtidos no meu trabalho. O cão não usa a palavra, assim não mente. O meu trabalho depende do outro para acontecer - posso até dizer que acredito nesse humano que busca uma análise, afinal, é na força do desejo de viver que há busca. 

O que o leitor pensa, nessa hora solitária da escrita para quem escreve e para quem lê, não tenho como saber a não ser do lugar de quem escreve. Já desde a palavra solitária, a mentira. A palavra mente. Eu sobrevivendo com as garras nas bordas, tento me fazer dela, tornando públicas e inafiançáveis essas palavras para a distensão. 

Um bebê ao qual não são dedicadas palavras quando ele chora, pode ter a sua segurança afetada. Uma criança que constantemente assiste a brigas entre seu pai e sua mãe, terá sua segurança afetada em algum nível da sua subjetividade. 

As palavras mentem mas elas são afetos, bons ou maus, seus efeitos são singulares. 

As palavras mentem ao ponto de inventar o perdão, por isso entendo que o perdão é algo insustentável. Mentira pura. Joguinho de palavras. 



sábado, 23 de agosto de 2025

 Eu vi o rio vermelho hoje em uma breve passagem pisei na areia, senti o cheiro da praia, molhei meus pés, minha nuca e minha testa e provei do mar. Banhei meu cão no sal das águas. Agradeci a minha mãe pelas graças que alcancei. 

A maré vazia e o som das ondas quebrando as pedras. Explosões em série de espumas brancas. Poças transparentes e vestígios das mudas das pinaúnas. 

A prainha toda vazia e fresca. Meu cão arrefecendo seu corpo antigo na beira da praia do rio vermelho, lugar das nossas vadiagens. 

quarta-feira, 20 de agosto de 2025

Há pessoas que criticam Lacan por usar o Nome-do-Pai mas eu quero acreditar que elas desconhecem a teoria lacaniana, eu freudiana. Lacan me esclareceu muita coisa quando apresenta a instância do simbólico e a aquisição dos significantes. É preciso que algo se faça presente na ausência da função materna para que a criança adquira sua capacidade de nomear as coisas, as coisas da vida. O pai, encarnado, propriamente dito, pode existir na vida de um sujeito. Mas não é uma regra geral. Há muitas pessoas nascidas no Brasil sem o nome do pai na certidão do seu nascimento, muitas vivem e viveram a ausência do seu genitor no desenvolvimento de sua vida. Nesse casos, o que realiza e interferência na relação mãe -filho pode ser o trabalho, ou outra pessoa, ou até uma instituição. Portanto, mãe é aquela pessoa que faz a função materna, a função paterna não precisa ser chamada de pai, pois é aquela pessoa ou aquilo que faz a função paterna. A mãe deve ser sempre uma pessoa, quem faz a função paterna não necessariamente, o importante é a entrada na linguagem, na possibilidade de nomear a ausência através dos significantes, portanto a entrada no simbólico. Daí advém a estrutura psíquica. 

A presença ou ausência do pai, pessoa física, genitor, pode deixar marcas na vida de qualquer pessoa, mas de maneira singular. Um pai presente mas agressivo, um pai ausente, por negligência, são apenas exemplos que podem afetar a subjetividade da criança comprometendo a sua entrada na linguagem. 

Também vale ressaltar sobre as crianças em famílias homoafetivas, a segunda mãe ou o segundo pai é quem vai fazer a função, compondo a relação triangular.


Isso é Freud e Lacan, não fui eu quem disse, através deles eu vou à clínica psicanalisar com muito chão já galgado. Ha pessoas que são reconhecidas como psicanalistas mas entendem o pai como um ser encarnado em um homem. Um entendimento desse reduz a confiabilidade no trabalho dessas pessoas, revelando tendenciosidade conservadora em relação à função paterna. 




 Estar em grupo pode ser reconfortante, mas perigoso na mesma proporção. O grupo é capaz de te exaltar e capaz de te linchar. Se a sua posição é de uma pessoa desalienada, será atacada, em voz alta, na sua frente, ou em silêncio, até que te olhem de longe demonstrando a autoria do ataque. Para uma psicanalista o caminho é feito às margens, pois o grupo acolhe enquanto o seu discurso ou sua escuta lhe serve, te expulsa quando o ser psicanalista incomoda a performance quadrada dos alienados. 


Um dia um homem na praia me disse que eu fosse me arrastando mas que eu continuasse. Ser sozinha é uma arte e quase ninguém consegue, apesar de todos estarem sozinhos, mantém alguém do lado pra não se enxergar tão só. Ou vai pro lado de alguém. Sozinho mesmo não existe pois o mundo pra girar e a comida chegar no prato precisa de muita gente. Mas existe o sozinho no meio de todo mundo e isso todo mundo é. Mesmo os que não se sintam sozinhos enquanto sozinhos, sintam-se bem acompanhados. 

O choro ninguém vê, nem a tristeza por tanta constatação da imundície das humanidades quando se juntam pra atacar. Se se persiste em busca de valer o seu direito de apenas ser, dentro da lei, você pode ser considerado problemático, exagerado, cri-cri, até doente mental. 

 Se você não tem testemunha ao jardinar no seu jardim, só você e o jardim saberão do trabalho realizado. Você, o jardim e suas ferramentas. E as formigas que se incomodaram com o agito e arrancos na mata. O cachorro poderá até saber, ficou no topo da escada te olhando o tempo todo. 

Quando você descobre que o jardim de sua jardinagem é todo dia invadido por uma praga que destroi a vida de alguma planta. Uma luta todo dia para manter a jardinagem. Uma luta sem fim. 

O homem criou e deixou-se criar em redes artificiais onde se perpetua o racismo. Racismo algorítimico, uma novidade desses tempos. E o que fazer para não ser objeto reforçador desse algorítimo? Resistir? Viver a vida inteira resistindo  ou deixar de participar desse lugar de interação que limita a sua existência? Qual a saída senão voltar a nos comunicarmos como antes, sem o conhecimento da branquitude? Como continuar fazendo parte de uma rede da branquitude? Não há rede com a branquitude, as tramas desentrelaçam. 


 Ele nem foi lá nos tantos que disse enxergar: Luiz melodia, Tonho matéria , luis Miranda. Nem eu fui, só depois. Porque a coisa da análise é captada no só depois. Três em uma pessoa só, como é que pode, tantos artistas na repartição? Artista só é possível na repartição do trabalhista, é o que me parece. 

sábado, 14 de junho de 2025

 Se gato não é pra caçar rato e cachorro pra espantar ladrão, eu não sei não. Acabei de jogar pro universo porque quero um gato pra evitar ratos. Parece uma intenção de fazer um gato de escravo. Ele pode chegar e nem querer caçar, mas ele pode chegar. Diariamente gatos visitam o meu quintal. Gato todo preto, gato todo branco, gato tigrado e caolho. Mas a vizinha teima em dizer que os ratos moram no meu quintal. Já cuidei, eles continuam vindo. Agora mesmo tem um dentro do meu quarto. Ontem morreu um maior que esse bem debaixo do meu nariz, envenenado. Eu sei de onde vêm, eu ando na rua e é dela. Já imagino ratos embaratados e quero ir embora pra outro lugar. Como vou sair em defesa da minha tese de onde vêm os ratos se me ensinaram a ficar calada? La voisine já me pediu dinheiro emprestado, já me pediu pra receber suas correspondências, eu lhe peço a frente da sua garagem sem carro e deixo meu cachorro latir o quanto ele quiser. Estou diariamente dessensibilizando e aceitando. Não sou comida de rato. Quem sabe ele veio morrer em paz aqui como o outro que me mostrou olhinhos piedosos em seus últimos segundos de silêncio absoluto até parar de piscar para sempre. Eu achava tão bonita a página do livro da Branca de Neve rodeada de bichos na floresta ensinando um caminho pra ela se salvar ... É assim que se aprende a mentira, pelos livros de história. Mentir parece fácil como contar uma história, mas a defesa é de uma verdade sem muita história. É preciso encontrar provas. É cansativo sair em defesa sobre a origem dos ratos. 

quinta-feira, 12 de junho de 2025

 quando você sente que existe? quão difícil sentir-se nesse mundo é para você? quão prazeroso o é fazer sentir-se tecendo o que poderia ser miragem, delírio, até encontrar a trama do Outro. 

Aranhas moram em suas teias por muitos e muitos dias.

domingo, 8 de junho de 2025

 Preconceito pélvico, donos do corpo. 

Preconceito linguístico, donos da palavra.

 Preconceito racial, ditam a estética.

sexta-feira, 30 de maio de 2025

 São tantas pelo chão que se fossem moedas ninguém passaria fome. Tampinhas de ferro pintadas por todas as portas dos bares do centro, as amassadas brilham e chamam meus olhos.

sexta-feira, 16 de maio de 2025

Bombom tartaruga

 Dessa vez, uma parte das as cinco dezenas de reais que recebeu foi suficiente para comprar o pagamento e trabalhar. Com todo amor, guardado no bolso para entregar no dia e hora certa. Assim foi feito, mas uma pergunta surgiu.


Por que o pagamento se dá novamente com chocolate? E mais uma pergunta, para complementar: o que significa para você esse bombom de chocolate? Dizer que me ama não é suficiente no momento em que a transferência está evidentemente estabelecida. Diga mais. Faça um novo registro da sua história e se convença de que o chocolate lhe faz mal, mal ao seu corpo tão pequeno.


O novo pacote se abriu no meio da manhã durante as passadas no asfalto para matar a fome, dessa vez sem dúvidas, ou quase. Antes, a validade foi conferida e, como é digno do pensamento desvirtuar a percepção, leu-se o mês dez ao contrário, quase acreditando na desconfiança imperiosa. A leitura foi repetida trazendo a segurança de abrir o pacote. Uma tartaruga moldada no chocolate correu para a boca primeiro a pata quebrada, depois o resto, consistente.

quinta-feira, 15 de maio de 2025

É possível prever o não dito pelo dito

 É possível prever o não dito pelo dito. É um trabalho analítico. Há uma lógica no discurso, principalmente via negativa.  A pessoa nega para conseguir falar sobre o que revela o seu inconsciente. Isso é Freud, em  A Negativa. O inconsciente não registra as negativas. Portanto, se eu escuto: "eu não quero me viciar em nada", logicamente eu estou bem perto do vício porque falei dele, ele surgiu no discurso. É um caso em que foi possível prever o movimento de um sujeito que em seguida confessa o vício em jogos. Também foi possível prever, pela via do discurso, uma desorganização do sujeito quando a repetição é detectada. Situações de abuso infantil também, possível prever, ver, e intervir. Parece mentira, é incrível e acontece. É assustador, um surf numa onda gigante quando o que se previu aconteceu. Era para eu dizer: tende duvidar. Mas eu disse: tente não obedecer. Um equívoco dentre acertos. É preciso enxergar a estruturação psíquica para lidar em cada caso. 

sábado, 10 de maio de 2025

 Quando o sol brilha menos na minha cidade de sol, meu corpo parece responder. Quando o dia chega sem o brilho, meu corpo demora. E se o dia passa enuviado, recolho meu corpo desanimado. O sol me traz a rua, seca minhas roupas, acorda meu sono e me traz vontade de viver. Muitos dias de chuva na minha cidade de sol e mar, mexem com meu corpo. 

Posso buscar encontrar saídas sem que nada esteja relacionado com o sol brilhante. A relação edípica quando não se resolve, vive pairando, faça chuva ou sol. Hoje eu até consigo colocar em palavras o meu sensível, também é possível endereçar essas palavras, mas ainda me persegue a sensação de que é melhor não dizer por se tratar do que é apenas sensível para mim. É muito notório quando um adulto foi uma criança bem amparada, quando a  suas dores e seus choros foram dedicados a devida atenção. Mas o desamparo e ataques quando vividos na infância deixam sequelas que nem anos e anos de análise parecem trazer alívio. O alívio pode vir com a morte de um dos lados do triângulo, troncho, tremido, temido. É triste ter que abandonar para se salvar. É difícil falar de uma dor quando o outro diz que todo mundo sente dor, menosprezando suas declarações. 

Quando a dificuldade de viver se alastra por tantos anos, parece melhor não viver. Um dor indizível mesmo que seja atendido o pedido de falar sobre ela. Não adianta. Quando doi, é preciso parar, afastar, proteger os berros e as lágrimas, esconder, fingir, mentir. Enxergar as incapacidades se possível. Uma história de solidão, de insubmissão, de revolução, é sofrida. Se o amor não é bem entendido é porque foi corrompido por gritos, abusos, por uma responsabilidade pesada quando o corpo infantil mal se aguenta. 

Dizer te amo não é o mesmo que escutar. Existem palavras da boca para fora. Existem marcas de dentro, bem no fundo. Cicatrizes invisíveis, mesmo deixando a vida levar, ela carrega sem saber se diz, se cala, se chora, se grita, se escreve, se espera o sol brilhar mais uma vez.

terça-feira, 6 de maio de 2025

Que me toca

 Eu falo com música porque música é uma fala, portanto conecta, une, envolve. Pessoa por pessoa fala música. Está no corpo em vibrações, ondas invisíveis pelos ouvidos, elas dizem, por isso eu falo. Falo a língua , meu Outro, música encarnada, que me toca sem nem eu tocar. Apenas mergulho e subo em um barco sem remos, dando todo o meu corpo para falar essa língua que me guia.

quarta-feira, 30 de abril de 2025

A história do bombom envenenado

 O primeiro dinheiro que recebeu gastou tudo em doces mas lembrou de guardar um bombom para ela. Dias e dias cujos dias nem saberia contar, foram passando, o bombom guardado esperando o dia do próximo encontro chegar. Afinal, teria que pagar para se encontrar e fazer o seu próprio trabalho por via dela. Gesto genuíno, puramente de amor, se realizou.


O bombom foi parar em minhas mãos e eu quis registrar, mas não. É um pagamento e se fez. Justamente no dia depois do outro que foi resolvido a redução da ingestão de doces. A vontade ultrapassa a resolução. A lógica é do inconsciente. Como pensar em quem sabe um doce e ele se materializar nas mãos pequeninas de quem o oferece às minhas mãos.


O corpo banhado de histórias trágicas barra as mãos rasgando a embalagem rosa choque. Pode estar envenenado o bombom. Ele duvida do amor encarnado na transferência que quer envenenar. A boca tira um muito pouco da cobertura e espera passar a saliva pela garganta. Nenhum sinal de mal. Nenhum sinal de morte. E os dentes mordem. A língua adocicada pelo veneno do amor.

segunda-feira, 28 de abril de 2025

Quem já cantou se olhando no espelho? Abriu bem a boca, fez as sílabas melódicas com bastante afinco, de cabelo solto e despida nesse reflexo? Quem já teve que olhar pro espelho quando o avião arremessa e de vez em quando durante a viagem para suportar a travessia?

Pela ampliação do espelho, o conforto e, por isso, eu vejo, cada vez mais as pessoas ganhando dinheiro por ficaram falando pra uma câmera, conversando sozinho, sobre o que sai somente da sua boca, se  foi pago pra falar com ninguém. Há uma psicose ordinária, dizem os psicanalistas de hoje, uma estruturação com a imagem do corpo que pode falhar na operação de simbolização, de entrar na palavra e metaforizar e desarranja o empenho da comunicação.

Usar o espelho para ampliar é mais do que se colocar em frente ao espelho. A amplitude mostra que há mais espaço pra viver e tem pessoas nesses espaços, de maneira espaçadas, mas presentes - , é perceber o outro.

Fazer contato com o outro. Isso tem surgido ao analisar as capacidades de fazer contato das pessoas. Ouvi dizer que Freud disse que é a pior das angústias a relação entre seres humanos.

Se as crianças estão expostas passivamente às telas ou fazendo-as de espelho que mira enquanto canta no espelho, só e despida, há um tempo lógico que não passa, mas o dinheiro de hoje pode pagar.

segunda-feira, 21 de abril de 2025

A inquietude é vida quando ela atiça a criação. O mal-estar também é vida, acredite se quiser. Posso até acreditar mas não me conformo, vivo iludida, buscando um dia a paz de repente se assentar. A escrita já não faz mais efeito se não for para informar uma experiência depois de ler tantos livros e artigos e mostrar que sei para aprovação de quem lê, mesmo sem saber de nada. Estou cansada nesta etapa e receosa sobre as palavras já não mais me salvarem. Estou com muita saudade da praia, do som das ondas, do chão santo de um palco de teatro. Se a reza não tem lugar, como andar rezando? Se eu disser que hoje não caminho pelas pedras, será que é possível acreditar na minha palavra amanhã? Aguardo o esquecimento para apoiar as angústias dos traumas da vida. Aguardo o sol na minha cara impedindo que meus olhos fechem porque nasceu o dia. O dia passando com o cão, com o trabalho, com a higiene, com o urubu no meio do caminho abrindo suas asas pousado no chão da calçada querendo dizer algo que eu entendo como um comando para eu me afastar. Nesse andar para lá e para cá decidindo cada afastamento e cada aproximação desgasta a vida que duvida enquanto cambaleia. A sensação é de não ter forças para aguentar os raios dos próximos dias, mas os exames dizem que vou bem, sem tumores, com o sangue bom, lúcida e só. Por mais que o vento sopre, balance as folhas na sassanha, por mais que cantar desapavore e eu durma, a vida é incurável. Por mais que a boca enlargueça em um sorriso, os dentes mentem, escuros e quebradiços. As queixas engolidas por serem apenas queixas, emperram pedidos de companhia, pois cada um tem a sua vida e, se não se aproximam diariamente, talvez temam a explosão do raciocínio que se acha lógico ou a precariedade da capacidade de se relacionar. 

domingo, 30 de março de 2025

Cortes

Um corte pode ser à unha ou à navalha
A pele cortada à facada sofre mais do que o vidro cortante entrando superficialmente na planta do pé 
Na palma da mão um talho da madeira quis perfurar mas deixou tantas pontas que foi salvo por quem soube retirar 
Um por um
Cada um
Espinho de mandacaru que passou o dia inteiro enfiado também foi extraído da nádega dolorida

Um corte com choro contido
Esquenta a cara toda sem o cortado ver o corte
Pois ele apenas sente
Segue mancando de dor
Retalhado
No ardor dos nervos atingidos

Um corte pela palavra é bem mais quisto 
O corpo mexe todo sem rabiscos 



Uma música e a mesma música por muitos minutos

Tanta música até entrar no corpo

fazer chorar

pela melodia entorpecente mais do que pela poesia

por que acontece assim?

Suga a concentração, ameniza a febre, preenche a solidão


quarta-feira, 29 de janeiro de 2025

 Não quero nem ouvir falar desse morto que de vez em quando aparece pra me perturbar. Quem quiser que acredite haver uma suprema genialidade. Posso ver o morto em seu legado, nomes de praças, prédios, teatro, passaram a ter o nome do morto que chorava em vida por não ter um tostão pra pagar as suas contas de luz elétrica. Foi tanta canalhice em vida mas na morte há quem nunca saiba do que foi capaz. Hoje mesmo pedi: "me deixe, morto!" na vida que o pensamento teima em lhe dar. Abusos sem limite, não tinha hora pra dormir, poucas horas pra acordar, se exibia com seu texto repetido sobre a inconstância só pra justificar o quão escorregadio, mentiroso, preconceituoso era o morto. Pedia meu cérebro e eu quase dei de tão louca pois em vida me privava do meu sono ao me chamar a qualquer hora pedindo socorro, um remédio, uma solução pra acabar com seu sofrimento. A sua morte não só lhe aliviou como a mim também. Eu já sentia sem saber explicar que sua vida seria breve. Agora é silenciar a vida do morto em mim. 

segunda-feira, 6 de janeiro de 2025

 Falam de uma consciência plena hoje em dia, mas as coisas vão-se renomeando enquanto se explicam o que já foi explicado. Pode ser um estado meditativo, nesse lugar onde o tempo é de paz pois está-se pronto para a guerra. Onde não se tem que fazer nada e não há nada a fazer portanto há tempo muito tempo. Dizem encontrar isso em um minuto de meditação mas eu quero ver é viver isso todo dia, assim consciente. Quer ver quem aguenta. Aguenta segurar metas, planos, sonhos, fantasmas da sua própria tão imprópria vida dada à sorte de escapar mais um dia da morte sem soltar o medo. Esse mesmo se perde nesse estado de si. Uma retirada de excessos da vida, o tempo só de aprender as conversas dos passarinhos.