sábado, 14 de junho de 2025

 Se gato não é pra caçar rato e cachorro pra espantar ladrão, eu não sei não. Acabei de jogar pro universo porque quero um gato pra evitar ratos. Parece uma intenção de fazer um gato de escravo. Ele pode chegar e nem querer caçar, mas ele pode chegar. Diariamente gatos visitam o meu quintal. Gato todo preto, gato todo branco, gato tigrado e caolho. Mas a vizinha teima em dizer que os ratos moram no meu quintal. Já cuidei, eles continuam vindo. Agora mesmo tem um dentro do meu quarto. Ontem morreu um maior que esse bem debaixo do meu nariz, envenenado. Eu sei de onde vêm, eu ando na rua e é dela. Já imagino ratos embaratados e quero ir embora pra outro lugar. Como vou sair em defesa da minha tese de onde vêm os ratos se me ensinaram a ficar calada? La voisine já me pediu dinheiro emprestado, já me pediu pra receber suas correspondências, eu lhe peço a frente da sua garagem sem carro e deixo meu cachorro latir o quanto ele quiser. Estou diariamente dessensibilizando e aceitando. Não sou comida de rato. Quem sabe ele veio morrer em paz aqui como o outro que me mostrou olhinhos piedosos em seus últimos segundos de silêncio absoluto até parar de piscar para sempre. Eu achava tão bonita a página do livro da Branca de Neve rodeada de bichos na floresta ensinando um caminho pra ela se salvar ... É assim que se aprende a mentira, pelos livros de história. Mentir parece fácil como contar uma história, mas a defesa é de uma verdade sem muita história. É preciso encontrar provas. É cansativo sair em defesa sobre a origem dos ratos. 

quinta-feira, 12 de junho de 2025

 quando você sente que existe? quão difícil sentir-se nesse mundo é para você? quão prazeroso o é fazer sentir-se tecendo o que poderia ser miragem, delírio, até encontrar a trama do Outro. 

Aranhas moram em suas teias por muitos e muitos dias.

domingo, 8 de junho de 2025

 Preconceito pélvico, donos do corpo. 

Preconceito linguístico, donos da palavra.

 Preconceito racial, ditam a estética.

sexta-feira, 30 de maio de 2025

 São tantas pelo chão que se fossem moedas ninguém passaria fome. Tampinhas de ferro pintadas por todas as portas dos bares do centro, as amassadas brilham e chamam meus olhos.

sexta-feira, 16 de maio de 2025

Bombom tartaruga

 Dessa vez, uma parte das as cinco dezenas de reais que recebeu foi suficiente para comprar o pagamento e trabalhar. Com todo amor, guardado no bolso para entregar no dia e hora certa. Assim foi feito, mas uma pergunta surgiu.


Por que o pagamento se dá novamente com chocolate? E mais uma pergunta, para complementar: o que significa para você esse bombom de chocolate? Dizer que me ama não é suficiente no momento em que a transferência está evidentemente estabelecida. Diga mais. Faça um novo registro da sua história e se convença de que o chocolate lhe faz mal, mal ao seu corpo tão pequeno.


O novo pacote se abriu no meio da manhã durante as passadas no asfalto para matar a fome, dessa vez sem dúvidas, ou quase. Antes, a validade foi conferida e, como é digno do pensamento desvirtuar a percepção, leu-se o mês dez ao contrário, quase acreditando na desconfiança imperiosa. A leitura foi repetida trazendo a segurança de abrir o pacote. Uma tartaruga moldada no chocolate correu para a boca primeiro a pata quebrada, depois o resto, consistente.

quinta-feira, 15 de maio de 2025

É possível prever o não dito pelo dito

 É possível prever o não dito pelo dito. É um trabalho analítico. Há uma lógica no discurso, principalmente via negativa.  A pessoa nega para conseguir falar sobre o que revela o seu inconsciente. Isso é Freud, em  A Negativa. O inconsciente não registra as negativas. Portanto, se eu escuto: "eu não quero me viciar em nada", logicamente eu estou bem perto do vício porque falei dele, ele surgiu no discurso. É um caso em que foi possível prever o movimento de um sujeito que em seguida confessa o vício em jogos. Também foi possível prever, pela via do discurso, uma desorganização do sujeito quando a repetição é detectada. Situações de abuso infantil também, possível prever, ver, e intervir. Parece mentira, é incrível e acontece. É assustador, um surf numa onda gigante quando o que se previu aconteceu. Era para eu dizer: tende duvidar. Mas eu disse: tente não obedecer. Um equívoco dentre acertos. É preciso enxergar a estruturação psíquica para lidar em cada caso. 

sábado, 10 de maio de 2025

 Quando o sol brilha menos na minha cidade de sol, meu corpo parece responder. Quando o dia chega sem o brilho, meu corpo demora. E se o dia passa enuviado, recolho meu corpo desanimado. O sol me traz a rua, seca minhas roupas, acorda meu sono e me traz vontade de viver. Muitos dias de chuva na minha cidade de sol e mar, mexem com meu corpo. 

Posso buscar encontrar saídas sem que nada esteja relacionado com o sol brilhante. A relação edípica quando não se resolve, vive pairando, faça chuva ou sol. Hoje eu até consigo colocar em palavras o meu sensível, também é possível endereçar essas palavras, mas ainda me persegue a sensação de que é melhor não dizer por se tratar do que é apenas sensível para mim. É muito notório quando um adulto foi uma criança bem amparada, quando a  suas dores e seus choros foram dedicados a devida atenção. Mas o desamparo e ataques quando vividos na infância deixam sequelas que nem anos e anos de análise parecem trazer alívio. O alívio pode vir com a morte de um dos lados do triângulo, troncho, tremido, temido. É triste ter que abandonar para se salvar. É difícil falar de uma dor quando o outro diz que todo mundo sente dor, menosprezando suas declarações. 

Quando a dificuldade de viver se alastra por tantos anos, parece melhor não viver. Um dor indizível mesmo que seja atendido o pedido de falar sobre ela. Não adianta. Quando doi, é preciso parar, afastar, proteger os berros e as lágrimas, esconder, fingir, mentir. Enxergar as incapacidades se possível. Uma história de solidão, de insubmissão, de revolução, é sofrida. Se o amor não é bem entendido é porque foi corrompido por gritos, abusos, por uma responsabilidade pesada quando o corpo infantil mal se aguenta. 

Dizer te amo não é o mesmo que escutar. Existem palavras da boca para fora. Existem marcas de dentro, bem no fundo. Cicatrizes invisíveis, mesmo deixando a vida levar, ela carrega sem saber se diz, se cala, se chora, se grita, se escreve, se espera o sol brilhar mais uma vez.

terça-feira, 6 de maio de 2025

Que me toca

 Eu falo com música porque música é uma fala, portanto conecta, une, envolve. Pessoa por pessoa fala música. Está no corpo em vibrações, ondas invisíveis pelos ouvidos, elas dizem, por isso eu falo. Falo a língua , meu Outro, música encarnada, que me toca sem nem eu tocar. Apenas mergulho e subo em um barco sem remos, dando todo o meu corpo para falar essa língua que me guia.

quarta-feira, 30 de abril de 2025

A história do bombom envenenado

 O primeiro dinheiro que recebeu gastou tudo em doces mas lembrou de guardar um bombom para ela. Dias e dias cujos dias nem saberia contar, foram passando, o bombom guardado esperando o dia do próximo encontro chegar. Afinal, teria que pagar para se encontrar e fazer o seu próprio trabalho por via dela. Gesto genuíno, puramente de amor, se realizou.


O bombom foi parar em minhas mãos e eu quis registrar, mas não. É um pagamento e se fez. Justamente no dia depois do outro que foi resolvido a redução da ingestão de doces. A vontade ultrapassa a resolução. A lógica é do inconsciente. Como pensar em quem sabe um doce e ele se materializar nas mãos pequeninas de quem o oferece às minhas mãos.


O corpo banhado de histórias trágicas barra as mãos rasgando a embalagem rosa choque. Pode estar envenenado o bombom. Ele duvida do amor encarnado na transferência que quer envenenar. A boca tira um muito pouco da cobertura e espera passar a saliva pela garganta. Nenhum sinal de mal. Nenhum sinal de morte. E os dentes mordem. A língua adocicada pelo veneno do amor.

segunda-feira, 28 de abril de 2025

Quem já cantou se olhando no espelho? Abriu bem a boca, fez as sílabas melódicas com bastante afinco, de cabelo solto e despida nesse reflexo? Quem já teve que olhar pro espelho quando o avião arremessa e de vez em quando durante a viagem para suportar a travessia?

Pela ampliação do espelho, o conforto e, por isso, eu vejo, cada vez mais as pessoas ganhando dinheiro por ficaram falando pra uma câmera, conversando sozinho, sobre o que sai somente da sua boca, se  foi pago pra falar com ninguém. Há uma psicose ordinária, dizem os psicanalistas de hoje, uma estruturação com a imagem do corpo que pode falhar na operação de simbolização, de entrar na palavra e metaforizar e desarranja o empenho da comunicação.

Usar o espelho para ampliar é mais do que se colocar em frente ao espelho. A amplitude mostra que há mais espaço pra viver e tem pessoas nesses espaços, de maneira espaçadas, mas presentes - , é perceber o outro.

Fazer contato com o outro. Isso tem surgido ao analisar as capacidades de fazer contato das pessoas. Ouvi dizer que Freud disse que é a pior das angústias a relação entre seres humanos.

Se as crianças estão expostas passivamente às telas ou fazendo-as de espelho que mira enquanto canta no espelho, só e despida, há um tempo lógico que não passa, mas o dinheiro de hoje pode pagar.

segunda-feira, 21 de abril de 2025

A inquietude é vida quando ela atiça a criação. O mal-estar também é vida, acredite se quiser. Posso até acreditar mas não me conformo, vivo iludida, buscando um dia a paz de repente se assentar. A escrita já não faz mais efeito se não for para informar uma experiência depois de ler tantos livros e artigos e mostrar que sei para aprovação de quem lê, mesmo sem saber de nada. Estou cansada nesta etapa e receosa sobre as palavras já não mais me salvarem. Estou com muita saudade da praia, do som das ondas, do chão santo de um palco de teatro. Se a reza não tem lugar, como andar rezando? Se eu disser que hoje não caminho pelas pedras, será que é possível acreditar na minha palavra amanhã? Aguardo o esquecimento para apoiar as angústias dos traumas da vida. Aguardo o sol na minha cara impedindo que meus olhos fechem porque nasceu o dia. O dia passando com o cão, com o trabalho, com a higiene, com o urubu no meio do caminho abrindo suas asas pousado no chão da calçada querendo dizer algo que eu entendo como um comando para eu me afastar. Nesse andar para lá e para cá decidindo cada afastamento e cada aproximação desgasta a vida que duvida enquanto cambaleia. A sensação é de não ter forças para aguentar os raios dos próximos dias, mas os exames dizem que vou bem, sem tumores, com o sangue bom, lúcida e só. Por mais que o vento sopre, balance as folhas na sassanha, por mais que cantar desapavore e eu durma, a vida é incurável. Por mais que a boca enlargueça em um sorriso, os dentes mentem, escuros e quebradiços. As queixas engolidas por serem apenas queixas, emperram pedidos de companhia, pois cada um tem a sua vida e, se não se aproximam diariamente, talvez temam a explosão do raciocínio que se acha lógico ou a precariedade da capacidade de se relacionar. 

domingo, 30 de março de 2025

Cortes

Um corte pode ser à unha ou à navalha
A pele cortada à facada sofre mais do que o vidro cortante entrando superficialmente na planta do pé 
Na palma da mão um talho da madeira quis perfurar mas deixou tantas pontas que foi salvo por quem soube retirar 
Um por um
Cada um
Espinho de mandacaru que passou o dia inteiro enfiado também foi extraído da nádega dolorida

Um corte com choro contido
Esquenta a cara toda sem o cortado ver o corte
Pois ele apenas sente
Segue mancando de dor
Retalhado
No ardor dos nervos atingidos

Um corte pela palavra é bem mais quisto 
O corpo mexe todo sem rabiscos 



Uma música e a mesma música por muitos minutos

Tanta música até entrar no corpo

fazer chorar

pela melodia entorpecente mais do que pela poesia

por que acontece assim?

Suga a concentração, ameniza a febre, preenche a solidão


quarta-feira, 29 de janeiro de 2025

 Não quero nem ouvir falar desse morto que de vez em quando aparece pra me perturbar. Quem quiser que acredite haver uma suprema genialidade. Posso ver o morto em seu legado, nomes de praças, prédios, teatro, passaram a ter o nome do morto que chorava em vida por não ter um tostão pra pagar as suas contas de luz elétrica. Foi tanta canalhice em vida mas na morte há quem nunca saiba do que foi capaz. Hoje mesmo pedi: "me deixe, morto!" na vida que o pensamento teima em lhe dar. Abusos sem limite, não tinha hora pra dormir, poucas horas pra acordar, se exibia com seu texto repetido sobre a inconstância só pra justificar o quão escorregadio, mentiroso, preconceituoso era o morto. Pedia meu cérebro e eu quase dei de tão louca pois em vida me privava do meu sono ao me chamar a qualquer hora pedindo socorro, um remédio, uma solução pra acabar com seu sofrimento. A sua morte não só lhe aliviou como a mim também. Eu já sentia sem saber explicar que sua vida seria breve. Agora é silenciar a vida do morto em mim. 

segunda-feira, 6 de janeiro de 2025

 Falam de uma consciência plena hoje em dia, mas as coisas vão-se renomeando enquanto se explicam o que já foi explicado. Pode ser um estado meditativo, nesse lugar onde o tempo é de paz pois está-se pronto para a guerra. Onde não se tem que fazer nada e não há nada a fazer portanto há tempo muito tempo. Dizem encontrar isso em um minuto de meditação mas eu quero ver é viver isso todo dia, assim consciente. Quer ver quem aguenta. Aguenta segurar metas, planos, sonhos, fantasmas da sua própria tão imprópria vida dada à sorte de escapar mais um dia da morte sem soltar o medo. Esse mesmo se perde nesse estado de si. Uma retirada de excessos da vida, o tempo só de aprender as conversas dos passarinhos.