terça-feira, 11 de setembro de 2012

CARTA AO PAI

Meu pai,

neste exato momento, em pleno dia dos pais, penso que estamos passeando pelos mesmos pensamentos, embora saiba que ultimamente pouco conversamos e tenho sido breve nas viisitas. Enfim, esse tempo esta carta irá esquecer. Mas o que esta carta não irá esquecer é o seguinte:

Estamos atravessando a morte, de uma forma quase cronometrada, e eu vou dizer-lhe por quê. Amanhã você irá internar-se e o seu coração permanecerá sob a responsabilidade de alguns homens. Você está com medo? Imagine eu. Estou com tanto medo da morte de meu pai quando estou com medo de morrer. Vou fazer a minha primeira viagem de avião, e o meu coração também permanecerá sob a responsabilidade de alguns homens. Cirurgia comum. Mais banal que isso só uma viagem de avião!

Mas você já viajou de avião. Foi à São Paulo! Gosto daquela foto na qual você aparece com um cigarro na boca e malas arreadas, vestido socialmente, fazendo pose para os paulistas. Você é um profissional brilhante - de office boy à gerente setorial de um banco francês e brasileiro. Toda criança gosta de visitar o trabalho do pai, e eu gostava do ambiente acinzentado do trabalho do meu. Eu ouvia dizer que o nosso plano de assistência médica era o melhor e estudei numa das mais conceituadas instituições de ensino da cidade. Já superei aquela sua falta na festa do dia dos pais. Com as pressões de perder esse trabalho tão amado, as crises do coração. Assíduo, bem relacionado, seus amigos de longas datas foram seus colegas de trabalho.

A sua parte ruim é pública, todos sabem. Comentários assim soam como acusações e por isso não prosseguirei com a parte ruim. Só não posso deixar de registrar o domingo quando uma das minhas irmãs não queria emprestar o seu cobiçado quadro negro, você interviu, permitindo que eu riscasse todo o chão da casa.

Que consigamos depois de atravessarmos esse fantasma, poder rever os nossos. Seremos muito mais felizes e com certeza enxergaremos esse sentimento em lugares ou coisas que talvez ninguém enxergará. Espero que o momento de febre para você e desespero para mim finalize-se da forma que as mãos dos outros homens, juntamente com as nossas mãos (pois pertencemos ao mesmo mundo), estejam no comum desejo de viver. Somente no desejo, não no objeto desse desejo. Isso é psicanálise. E o desejo na psicanálise é pulsão. No tempo desta carta você já saberá o que é um psicanalista, pois serei uma, se o avião voar e aterrissar, se o seu coração parar e depois voltar a pulsar - quando a morte conseguirmos atravessar. Talvez eu tenha chegado ao final da minha análise e você já iniciado a sua.

Feliz dia dos pais, meu pai.