quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

Queria me achar,
tamanha é a dor que sinto neste momento.
É isso que eu sinto neste momento,
muita dor
Se o mundo pudesse amenizar,
eu gostaria
mas é o mundo o causador disso tudo
Sou eu no mundo
Um erro fatal
Que cambaleando aprendeu a andar
para cumprir o que chamam de acertos
Mulher, da frustração da mãe
O que eu não quero ser.
Mas ela nunca amou!
Não sabe o que é amar!
Não me ensinou
Não me acarinhou
Não me auxiliou a construir
Auto estima
Lhe faltou coragem para isso
E assim, eis que está
Lixo
Nocivo
Mortífero

domingo, 16 de dezembro de 2012

Resgate popular

a mudança pode vir de diversas formas. Os que ouvem Magary Lord estão a salvo do pagode da Bahia. Essa coisa de mudança tem a ver com o meu dia hoje, mas não tanto da forma divertida quanto está presente nesta música. 

MUDANÇA - Magary Lord



Hoje é dia de mudança
Embala, simbora amor
Hoje é dia de mudança
Embala, simbora amor
Pega a geladeira, o fogão enferrujado, a minha foto 3x4 e o copo que é de vidro
Embala, embala amor
Tome cuidado com o espelho da porta do guarda-roupa
Não esqueça da coleira do cachorro que eu deixei na sala
Pega a geladeira, o fogão enferrujado, a minha foto 3x4 e o copo que é de vidro
Embala, embala amor
Tome cuidado com o espelho da porta do guarda-roupa
Não esqueça da coleira do cachorro que eu deixei na sala
Ventilador, pode fazer calor na nova casa
Ferro de passar, liquidificador, faz vitamina
Mudança pra lá (eei), mudança pra cá (eei)
Um copo d'agua
Mas tá calor, tá calor, tá calor
Carrega pra la (eei), carrega pra cá (eei)
Um copo dágua
O meu fusca cabe tudo (4x)

quinta-feira, 13 de dezembro de 2012

TRAVESSIA (Milton Nascimento)

Quando você foi embora
Fez-se noite em meu viver
Forte eu sou mas não tem jeito,
Hoje eu tenho que chorar
Minha casa não é minha,
E nem é meu este lugar
Estou só e não resisto,
Muito tenho prá falar

Solto a voz nas estradas,
Já não quero parar
Meu caminho é de pedra,
Como posso sonhar
Sonho feito de brisa,
Vento vem terminar
Vou fechar o meu pranto,
Vou querer me matar

Vou seguindo pela vida
Me esquecendo de você
Eu não quero mais a morte,
Tenho muito que viver
Vou querer amar de novo
E se não der não vou sofrer
Já não sonho, hoje faço
Com meu braço o meu viver

terça-feira, 11 de dezembro de 2012

E por falar em mudança
Vou inventar uma canção
Em meio aos meus pesares e ais
Dentro da bagunça da casa
Da cama vazia
A noite lá se vai
Vou ficar sem o meu cigarro pronto
Sem o barato tagarelante
Sem a sua barba irritante
a fazer cócegas até eu gritar
E pedir pra você parar
Te bater, e morder
Talvez você também lembre do tempo
em que fui flor
E de chegar tão perto
Virei espinho
Incapaz de viver sob o mesmo teto.

sábado, 8 de dezembro de 2012

E o amor?

Eu? Eu nem sei o que dizer. Estou pensando que a vida é louca e na pouca probabilidade exsitente de você assaltar os meus escritos. Eu sei o que me dizer. Talvez este seja um dos últimos cigarros na nossa cama dividida. Em breve tudo será só seu. Não tenho outra opção. A não ser que você desista, que deixe de me temer, ou que acredite em mim. Mas acreditar é algo muito pessoal. Tem quem acredite até em quem nunca viu! A maioria das pessoas, aliás. Não eu. Persisto na crença naqueles que eu amo. Mas isso também é coisa muito delicada. Isso passa muito longe do romantismo. Acreditar em alguém é acreditar no que eu vejo, e por isso é complicado também. É no que eu vejo em você e não no que você pensa que é. Na verdade, não importa quem você pensa que é. O que importa é que você se pareça com o que eu desejo ver em você. E o que eu tenho visto é um homem cheio de potenciais. Eu vejo um homem cumprindo suas metas e revertendo-as em dinheiro todos os dias, um homem que curou o seu analfabetismo digital e me deu aulas diárias de geografia e história mundial, um homem diante do qual eu fui eu, sem ficar pensando muito sobre mim, sem vergonha da minha fragilidade e dos meus sofrimentos, sem vergonha para a minha loucura, procurando limites para o meu desespero. Você, com certeza, sabe muito sobre mim. E, com certeza, sabe que eu sei muito de você. Talvez o meu jeito sem vergonha tenha ofendido a sua respeitosa pessoa. Para mim não há um homem mais respeitoso do que você. Seus exercícios paternos são memoráveis, sou testemunha disso. A única coisa que eu não consigo enxergar é a mim tomando o lugar da sua doença, até porque é dificil acreditar uma pessoa ser a doença de outra pessoa. Como se dá isso? Parece até história de super heróis! É como se eu fosse de kriptonita, a te enfraquecer. Será isso? E o amor? O que é o amor senão um trabalho árduo. Você pode estar cansado, mas todo dia é dia de trabalho. O meu jeito ditador foi herança do meu avô, ele me acordou assim durante alguns meses que morei na casa dele. A insensatez herdei de meu pai, com a seus modos rudes, seu temperamento impulsivo e exibicionista. Aprendi a fazer revoluções começando por mim mesma, nesse dezembro completando os seus nove anos de início. Encontro-me tão doida agora que nem o choro vem. Os incômodos consequentes da má formação da minha ossatura bulco-maxilar são precisos ao me informar da minha alteração emocional. Tudo parece um sonho ruim e a qualquer hora eu posso acordar. Assim, eu posso viver um dia após o outro. Mas, na verdade, não dá.

domingo, 28 de outubro de 2012

Sensatez

Essa paixão doendo meus pensamentos
Desejo sem alento
Buscando calma e sensatez

Esse amor de cão
Urgindo dos meus ovários
Fazendo cólicas no meu coração

Ainda não chorei

Chorei

Meu bem mal me quer
Tem medo
É só a sua pele encostar na minha
Eu te desejo
Será que combina?
Só mais um beijo...
Sou obrigada a partir

domingo, 21 de outubro de 2012

Sou já



Ele queria meus cabelos jogados
Ao som do reggae
Pulando
Eu lhe dei meu olhar
Ele queria calmaria
Voz branda
Um bom dia
Eu desistia
Infringia
Gritaria
Palavrões era o que eu dizia
Seu querer
Amor perfeito
Não bastaria
Minha cabeça
É desse jeito
Às vezes onda
Maré alta
Às vezes leve
Murmúrios
Rio

domingo, 7 de outubro de 2012

terça-feira, 11 de setembro de 2012

CARTA AO PAI

Meu pai,

neste exato momento, em pleno dia dos pais, penso que estamos passeando pelos mesmos pensamentos, embora saiba que ultimamente pouco conversamos e tenho sido breve nas viisitas. Enfim, esse tempo esta carta irá esquecer. Mas o que esta carta não irá esquecer é o seguinte:

Estamos atravessando a morte, de uma forma quase cronometrada, e eu vou dizer-lhe por quê. Amanhã você irá internar-se e o seu coração permanecerá sob a responsabilidade de alguns homens. Você está com medo? Imagine eu. Estou com tanto medo da morte de meu pai quando estou com medo de morrer. Vou fazer a minha primeira viagem de avião, e o meu coração também permanecerá sob a responsabilidade de alguns homens. Cirurgia comum. Mais banal que isso só uma viagem de avião!

Mas você já viajou de avião. Foi à São Paulo! Gosto daquela foto na qual você aparece com um cigarro na boca e malas arreadas, vestido socialmente, fazendo pose para os paulistas. Você é um profissional brilhante - de office boy à gerente setorial de um banco francês e brasileiro. Toda criança gosta de visitar o trabalho do pai, e eu gostava do ambiente acinzentado do trabalho do meu. Eu ouvia dizer que o nosso plano de assistência médica era o melhor e estudei numa das mais conceituadas instituições de ensino da cidade. Já superei aquela sua falta na festa do dia dos pais. Com as pressões de perder esse trabalho tão amado, as crises do coração. Assíduo, bem relacionado, seus amigos de longas datas foram seus colegas de trabalho.

A sua parte ruim é pública, todos sabem. Comentários assim soam como acusações e por isso não prosseguirei com a parte ruim. Só não posso deixar de registrar o domingo quando uma das minhas irmãs não queria emprestar o seu cobiçado quadro negro, você interviu, permitindo que eu riscasse todo o chão da casa.

Que consigamos depois de atravessarmos esse fantasma, poder rever os nossos. Seremos muito mais felizes e com certeza enxergaremos esse sentimento em lugares ou coisas que talvez ninguém enxergará. Espero que o momento de febre para você e desespero para mim finalize-se da forma que as mãos dos outros homens, juntamente com as nossas mãos (pois pertencemos ao mesmo mundo), estejam no comum desejo de viver. Somente no desejo, não no objeto desse desejo. Isso é psicanálise. E o desejo na psicanálise é pulsão. No tempo desta carta você já saberá o que é um psicanalista, pois serei uma, se o avião voar e aterrissar, se o seu coração parar e depois voltar a pulsar - quando a morte conseguirmos atravessar. Talvez eu tenha chegado ao final da minha análise e você já iniciado a sua.

Feliz dia dos pais, meu pai.

quarta-feira, 1 de agosto de 2012

Tempo passado

Eu vejo
Chego perto
Com olhos de luneta
Você cresceu
Virou homem
Casou
Teve filhos
Você amadureceu
E a sua fé?
Penso que cegou
Atravessada pela lança da morte
Ainda faz sua orações
Mantra a chamar pela calma
Quando me vê
Muita luz
Outras "portas da rua"
Nua sempre estarei
Enquanto você viver

quinta-feira, 12 de julho de 2012

Historinha - Segunda VIA

Minha identidade está num manicômio
Em Salvador
O meu plano de saúde também
Quando irei buscar?
Não sei
Penso que decidirei retirar a segunda via
Certamente
Agora faço uso da minha habilitação para dirigir
Ele disse: "você está dirigindo muito..."
Bem
Eu gosto dele
Conversar, trepar, estudar
Pronto
Vou retirar a segunda via
Caminho é um
Só nosso.

domingo, 1 de julho de 2012

Grades

Foi uma noite bastante agitada. Ouvi movimentos e conversas pela casa, despertando do meu sono que mal tinha se iniciado. Homem branco, de barba feita, palavras pausadamente claras – um ladrão havia entrado pelo basculante do banheiro.

Mas como?

O apartamento é no terceiro andar do prédio! Ele amarrou um barbante na tampa de garrafa de refrigerante, lançou pela pequena janela e, fime nesta "corda", subiu num rapel. Do banheiro, partiu para o primeiro quarto onde estava o casal que assistia à televisão, e os rendeu. A voz de assalto foi branda para que não houvesse reações desesperadas ou gritarias. Então iniciou-se a negociação.

Eu acordei e não foi fácil entender os acontecimentos. Assim comecei a ouvir as explicações:

- Isso é um assalto, esse rapaz vai levar tudo.

- Sim, eu levarei tudo.

Engrenada pelo tom calmo da voz do assaltante, subjetivei:

- Não, ele não vai levar tudo. Olhem só, o observem. Ele precisa de amor, de carinho...
Estava posta a cena, o casal, eu e o ladrão dialogando na cama do casal. A mulher com cara de interrogação depois da minha fala, o homem certo de que o ladrão iria levar tudo, já disposto a separar os pertences, e o ladrão calmo, de olhar brando e fala segura reafirmando o seu objetivo que, de alguma forma, tranquilamente se cumpria.

Decidi chamar a polícia e, imediatamente sou advertida:

- Onde já se viu chamar polícia pra ladrão que esteve dentro de nossa casa?

Aí eu sugiro:

- Precisamos colocar grades, grades em todas as janelas...

Essa era a decisão mais coerente, mais acertada.


Hoje pela manhã acordei e deparei com a minha aliança de casamento fora do meu dedo, emaranhada entre o cobertor e eu.


terça-feira, 19 de junho de 2012

Jorge e Luiz

Eu, na confusão com pensamentos, em palavras escutadas, ditas, interpretadas. Paralisada. Sintomática.

Só assisti à chamada na tv dizendo que investimento no ensino primário determina riqueza de cidade após 100 anos, conforme pesquisadores da USP, uma homenagem à Luiz Gonzaga, flashes de um documentário sobre Jorge Amado e às propagandas sobre o remake de "Gabriela" - o bastante para tramar meus conteúdos flutuantes.

Além das imagens televisivas, vi Luiz Gonzaga uma única vez, no carnaval, em cima do trio elétrico, sentado, sem chapéu, bem velhinho. Alguém me disse: "olhe Luiz Gonzaga ali!" Eu, debruçada na janela em plena Carlos Gomes. Meu marido disse que a sua lembrança foi de um show no Parque de Exposições, acompanhando seus pais. Lembrança e tanto! Na verdade, a imagem que vi de Luiz Gonzaga veio só decorar os meus registros musicais - é como se a sua música já nascesse com a gente que é nordestino. Alguém foi ninado, sacodido e alegrado pelo baião. Um homem que saiu da rigidez do exército, conheceu parceiros de sucesso, adotou filhos e plantou artistas.

Jorge Amado nunca vi ao vivo. Todas as vezes que apareceu na televisão, capturava a minha atenção. Até porque, que casa maravilhosa era aquela? Que mulher sorridente sempre ao seu lado! E os cachorros que não desgrudavam... os peguentos pugs! Li um único livro - Mar Morto. Belíssimo, atraente. Senti-me parte do livro. Vi poesia. Li Salvador. Penso que deve ter me bastado. A música de Caetano, Gerônimo e Dorival já me contaram algumas outras de suas histórias...

Então, flutuando eu me trouxe aqui, numa escrita fisicamente necessária a qual não sei bem ao certo a finalidade. Pensei em meus investimentos, no meu trabalho. Nesse momento já não tenho dúvidas sobre se há vida após a morte. Tampouco medo da vida, tampouco medo da morte.

Depois de 100 anos muita coisa há...

sábado, 9 de junho de 2012

Namorados

O meu amor é
Soteropolitano e,
no dia em que casamos,
Geminiano

O meu amor é de onda
De correntezas
O meu amor é de beleza
Doce da minha lágrima
e é a minha vez de voar

O meu amor é mar
São lençóis
Arrecifes
Meu amor é maluquice
É brando, é cigano
Um Miró, um Moisés
Michelangelo

Um cigarro
É um tapa

O meu amor é meu

O meu amor sou eu
Caminhando em você

sábado, 19 de maio de 2012

Não dizer


O não dizer cabe

na sua dança

no seu charme

no meu sexo

no seu sexo

O não dizer cabe

no meu choro

na minha solidão

O não dizer

cabe no bem querer

no mal me quer

na insensatez dos seus olhos

de vidro

por isso

um grito também

no não dito

uma tontura também

do maldito

Que eu não digo

terça-feira, 15 de maio de 2012

Cabeça partida

Minha alma de criança ferida
Já não cabe mais em mim
Não tenho responsabilidades
Por essa criança de cabeça partida

É tanta pirraça
Parando na porta da desgraça
Tanta birra, cara enfezada
Bico na boca
Mamadeira nas mãos
Vazia

Porre para dormir
Sem hora para acordar

A criança está ferida
Sonhando
Passa ao longe de realizar

A criança partida
Fora de minha alma
Tende a desejar

Mamãe, eu quero!
Mamãe eu, quero...

terça-feira, 1 de maio de 2012

Ao lado do relógio parado
Há o relógio à pilha funcionando
Ao lado do relógio do mundo
Há o relógio do meu braço pulsando

Assim, acordo todos os dias
Quando é dia
Espreguiço e levanto, andando
Faço o círculo do meu dia
Às vezes obrigada a ficar de pé
Ou sentada, conforme comando
Sem espreitar a caça
Mas o próprio ser humano
Aguardando a volta do final
Dos trinta dias
Do meu relógio pulsando
Para enfim encher um carrinho de mercado
Retornar à casa e, por mais trinta
Sentir que estou me alimentando
E pagando
Vestindo
Por vezes rindo
Dormindo, acordando
Levantando, espreguiçando...

Decido ser velho, como dizem que é o mundo
No seu relógio que não funciona
Agora estou pensando.

quarta-feira, 25 de abril de 2012

Minha cabeça anda erguida
E assim eu vejo o céu da janela
De frente para uma rota de aviões
Em sentido destro
Porque a rosa-dos-ventos não cabe em mim
O norte de alguém tem sentido?
O sul já foi escrito?
Quem nasceu no leste?
Ou se opôs no oeste?
Enfrento o tédio procurando desejos
Encaro o medo do que já conheço
Penso até em fazer justiça
Muito longe de chegar as minhas mãos
Não quero este, nem aquele
Muito menos ele
Me agarro a ela
Então na cabeça rolam pedras para uma poesia
A doença toma meu corpo e tenho pouca paciência
Deitada, percebo a bipolaridade
Do meus estômago, do intestino
Da minha saliva
Quero murchar as folhas de uma rezadeira
Afastar esse mal-estar
Quero jesus cristo crucificado por minha dor
Deus dizendo que vai passar
Quero maria me enchendo de graça
E, no bar satanás, minhas mágoas afogar
Porque em mim a rosa-dos-ventos não cabe
E meus pensamentos de nada valem

terça-feira, 17 de abril de 2012

Ele ri
Eu grito, castigo
Lamento, agito
Umas cócegas
Umas músicas
Letras tortas
Eu louca

Ele me ouve
Na decisão
De um beijo
Despedida
Eu até cambalhoto

Ele nem aí
Então eu choro

Ele mira meus olhos
Segura meu queixo
Cheira me cangote,
meus cabelos
e me aconselha a prosseguir

quarta-feira, 28 de março de 2012

Eu não consigo ficar em silêncio

Nem quando preciso

meu corpo fala

Minha mente às vezes até grita

E eu choro

também fico doente

Demente

Minha falta fala por mim

Durmo, então meu sonho mexe,

briga, angustia, trabalha

Coisas que a boca não sabe dizer

Desperto porque, de repente, uma mosca me acorda

Continuo a dizer

Como é difícil calar

Como é difícil amar

Talvez tenha preguiça de viver


Palpitação

Música, poesia

Cinema

Ausento-me com a minha zoada

Calada teimo em dizer

Até a agonia passar

A palavra certa encontrar

o som da minha voz com o exercício da minha língua

Ecoar

E o meu peito parar de doer

domingo, 11 de março de 2012

Quarto de Aldiná

Às vezes eu visito o quarto escuro de Aldiná. Faço o percurso até o bairro da Saúde, chego à porta do casarão e crio coragem para subir as escadas. É só uma visita, embora o lugar tenha aparência sombria. Um casarão antigo, escadarias de madeira, piso bambeando. O assoalho está velho e tenho a impressão de que, a qualquer momento, o chão irá desmoronar a cada passo meu. Os móveis todos fora dos seus lugares convencionais, espanto-me com a geladeira na sala.

E, como vai Aldiná? Ela mora nessa casa e não veio me receber? Alguém faz sinal com os olhos e direcionando a cabeça aponta o quarto onde ela está. Vou em passos muito lentos, ouvindo o ranger da madeira, até à porta do quarto de Aldiná. Ninguém sabe por que, mas às vezes ela entra no seu aposento e de lá demora a sair. Como nunca a vi nesse estado de enclausuramento, curiosamente aproximo os meus ouvidos e bato na porta, aguardando uma permissão para entrar. Alguém avisa de lá da sala que eu posso prosseguir. Abro vagarosamente e não enxergo prontamente qualquer cena. As vistas procuram a incidência de luz e alguma coisa que ela possa formatar. Assim vejo ao fundo uma cama encostada na parede e Aldiná sentada com os lençóis sobre suas pernas. Sem expressão, sem emoção. Sem choro, sem queixas, nem agressão. Nem um sorriso para a visita. Cabelos crespos despenteados. Eu ouço novamente: é assim, ela fica assim e logo resolve sair do quarto.

Meus encontros com Aldiná foram todos na casa de meus avós paternos no bairro das Sete Portas. Ela sorria timidamente para mim e depois ia cuidar da limpeza da cozinha. Quando não estava em total silêncio, resmungava em tom baixo e consigo mesma palavras que ninguém ouvia. Não opinava, não gargalhava, não cantava, não dançava. Usava a torneira da pia de tal forma que a água saía como um fio e assim o tempo para a lavagem das louças era lento. Quando ia embora ao final da tarde, levava o lixo num saco. Minha avó a ocupava, eu penso, porque ela nunca se afastou de lá. Aliás, isso só ocorreu quando por impossibilidade devido ao Alzheimer, minha avó deixou a sua própria casa para morar com um dos filhos e meu avô foi junto. Depois encontrei Aldiná numa festa de família no sítio, arrumada com seu cabelo "joãozinho". Sorriu ao me ver. Desde então, as notícias são raras, vindas dos seus. Dizem que lembra de mim, e continua entrando e saindo do seu quarto e já não mora mais no bairro da Saúde.

Tela de Bel Borba

quinta-feira, 8 de março de 2012

Ondas de amor

Em meio a um dia deprimido, desejante de morte, naquela penumbra triste do entardecer, vou buscá-la nas escadarias, subindo com sua mala pesada  além de uma bolsa atravessada no tronco, degrau por degrau, sem reclamar e com bastante esforço. Sem perceber a minha presença no topo do primeiro lanço, quando decidi fazer-me invisível por alguns instantes para observar a cena, ela levanta as vistas e, ao focar-me, pede ajuda.

Quando chegamos, descansamos sentadas no sofá. Ela levanta, dá meia volta para não sei onde e nem o que, e estende os braços para o meu abraço dizendo: "Você é a melhor mãe do mundo". Eu não entendo. Só sei que não devo chorar nesse exato momento, porque o dia, como já disse, foi deprimido e desejante de morte, e eu não devo transmitir qualquer pedaço dele para ela, tão cheia de vida e disposição. Pergunto "por quê?", ainda no abraço. Então, con segurança, certeza e rapidez, vem a resposta: "Porque você é minha mãe."

Assim, de graça, com graça. Nesse dia paralítico, mesmo nesse dia no qual ela não sabe da metade das minhas angústias, eu sou a melhor mãe do mundo. Contenho a água ainda nos canais lacrimais como tenho "treinado" bastante durante as últimas semanas, desfarçando, engolindo o choro, antes que outra pessoa tenha a chance de perceber sequer o brilho umedecido do meu olhar.

Ela, definitivamente, não é meu objeto, quiçá objeto de consolo. Por isso escondo a emoção. Retribuo com carinho, em um abraço mais prolongado, recebendo a minha verdadeira injeção de ânimo. Levanto e recordo que devo preparar o almoço do dia seguinte. Vou cortando os temperos, alterando a ordem da minha receita. Costela de porco assada com batatas. Verifico que não tem o primordial feijão para acompanhar. Então, mais temperos picados, uma pequena feijoada, com aquela abóbora quase a estragar na geladeira. Em duas horas, tudo pronto. Ela resolve experimentar. Sirvo uma pequena porção do feijão e ela faz a sua última refeição antes de deitar-se.

Eu, como uma alga dentro do seu mar, atingida por suas ondas de amor, percebo os meus movimentos nesse dia, sem querer prejudicá-la com a minha paralisia, sem saber amanhã como será.

domingo, 4 de março de 2012

Livros

Eu pensei que você fosse um livro aberto
aliás, eu pensei que todos fossem livros abertos
Assim eu pensei e assim para mim pintaram
E me pouparam
E me podaram

Você é um livro aberto, como eu
Como as palavras que em ti leio e enxergo
que sem minhas palavras sobre mim,
que sem o folhear que faço sobre ti
Eu cego

Com você eu aprendi
Não há livro aberto
Só são livros
Discretos, herméticos
Donos de verdades solitárias e falantes
Livros na estante, enfileirados
Com o meu nome e o nome sobre mim assinados
Trechos memorizados

Há os que nunca veem e jamais verão meus olhos
Há os que já viram e não foram capazes de me entreter
Os que se foram, obsoletos ou rejeitados
Superficiais e inconsistentes

E, por fim, o meu único
Aberto quando o toco
ou quando a memória traz seus trechos...

O meu livro sagrado
que dorme e acorda todos os dias ao meu lado.

sábado, 3 de março de 2012

Simbólico

O meu saber repele a minha pele. Eu descamo, despelo. Tento fazer poesia para explicar a minha pele que muda os meus sentidos.

A minha gengiva também resolveu despelar, mas em pedaços tão grandes que mais parecia a minha língua saindo do lugar. Sabe pedaços de peito de frango, pedações pequenos, sem cozinhar? Assim eu, sentindo a pele solta sobre os meus dentes, meti os dedos dentro da boca e puxei a pele do lugar.

No pedaço de carne ainda podia ver os orifícios marcados pela ausência do dente. Apresentei o pedaço de carne a minha mãe e perguntei: "o que você pensa ser isso?" Ela respondeu, para a minha surpresa, com uma sabedoria ainda não sabida por mim: "isso é coisa de índio". Nossa! Eu achei que ela enxergaria somente o pedaço pequeno de peito de frango crú!

Coisa de índio na minha cabeça. Coisa natural. Passagem necessária, marcada. Minha pele animal. Bebê ganhando dentes ainda sem saber por quê.

Coisa de índio é ritual. Assim, aperto um fumo pra ficar legal, ando sem roupas pela casa, contemplo o sol, a lua, o mar.

Faço explicações claras, tenho vontade de chorar, por vezes me rasgar. Trocar a pele toda. Mas só posso fazer isso com a minha língua, com o que sai da minha boca a salivar.

sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

Abrindo 2012 - Poesia e Música

CRUZADA
Composição: Tavinho Moura/Marcio Borges


Não sei andar sozinho
Por essas ruas
Sei do perigo
Que nos rodeia
Pelos caminhos
Não há sinal de sol
Mas tudo me acalma
No seu olhar
Não quero ter mais
Sangue morto nas veias
Quero o abrigo
Do seu abraço
Que me incendeia
Não há sinal de cais
Mas tudo me acalma
No teu olhar
Você parece comigo
Nenhum senhor te acompanha
Você também se dá um beijo
Dá abrigo
Flor nas janelas da casa
Olho no seu inimigo
Você também se dá um beijo
Dá abrigo
Se dá um riso
Dá um tiro
Não quero ter mais
Sangue morto nas veias
Quero o abrigo
Do seu abraço
Que me incendeia
Não há sinal de paz
Mas tudo me acalma
No seu olhar
Você parece comigo
Nenhum senhor te acompanha
Você também se dá um beijo
Dá abrigo
Flor nas janelas da casa
Olho no seu inimigo
Você também se dá um beijo
Dá abrigo
Se dá um riso
Dá um tiro
Você também
Se dá um beijo
Dá abrigo