terça-feira, 31 de dezembro de 2019

Seja disposto e contente assim como uma criança e sua espada luminosa a passar no meio da música no bar. Discreta criança. Seja disposta e consciente dos olhares a se abrir no meio e no final da música. Esses olhares carregam para longe, muito longe, tudo o que os instrumentos da música foram capazes de emitir. Seja amável porque amores sempre o serão. Sonhe com aquele homem que ainda está por vir tirar você de chegar acompanhada, sair sozinha e voltar só. Esse homem é você, homem. Amoroso e demandante genital. Mais amoroso passeando pela tarde e preparando com suas próprias mãos uma massa, sempre com sorriso no rosto pra você no meio da crise. Seja humilde e deixe que sua imagem e sua música circulem por qualquer lugar desconhecido. A música é a única verdade. Acima de tudo seja crente.

segunda-feira, 30 de dezembro de 2019

Uma dose pra começar o dia
Uma dose de unhas vermelhas
Uma dose de cabelos lavados
Uma dose de subir ladeira
Uma dose de dirigir o carro
Uma dose de proteína no prato
Uma dose de abraços
Uma dose de um insípido diálogo
Uma dose do corpo gélido encasacado
Uma dose de sorriso no rosto
Uma dose de tentativas de contato
Uma dose de algum elogio
Uma dose de ausência
Uma dose de sol
Uma dose do sereno
Uma dose de afastamento
Uma dose de encontro do objeto esquecido
Uma dose de caminhada
Uma dose de um cigarro apagado
Uma dose da química para o cérebro
Uma dose da quentura do cão
Uma dose de música
Uma dose de qualquer coisa que me dê uma dose pra viver uma dose

quarta-feira, 25 de dezembro de 2019

Pesquisa de uma coisa

Estou carente de atualizações. Sei que algumas pessoas apontam Michael Foucault como obsoleto. Algo a respeito das prisões e sua relação com o racismo. Eu entendo. Mas também entendo o que aprendi com meus livros e professoras. É panóptica. É aprisionadora. É anormal. Sim, é racista acima de tudo isso. Sim, é machista acima de tudo isso. Quando o panoptismo é praticado de maneira que se possa alterar as imagens ( por exemplo, os filtros, montagens, sorrisos e poses e cenas montadas na rede social), coloca a câmera mais em si do que no outro. Lá, na rede, você é observado, você é mercadoria (,de si mesmo inclusive) [ver artigo de Tiburi] , e observador de imagens falsas, montadas. Há imagens que já se assentam no imaginário coletivo da rede, assim, uma selfie (o que é montado) repercute mais do que uma manchete de jornal (o que é fato). Essa exposição acelerada - pois se trata de registrar o instante, então é a qualquer instante - pode provocar uma perturbação entre o que é fato (a vida fora da rede/manchete de jornal) e o que é montagem (produzido pela rede a cada instante), de modo que as construções imaginárias também podem sofrer o aceleramento, tendo que adaptar-se a cada instante. Antes, as telenovelas mexiam diretamente no imaginário. Vou mais pra trás: os contos de fadas. Diz-se: estou vivendo um conto de fadas. O imaginário se adapta a essa mídia, que antes era apenas um conto de fadas.
O que eu proponho é uma investigação sobre os efeitos dessa aceleração do processo imaginário e suas relações com os sofrimentos psíquicos de quem se expõe a este ambiente (,redes sociais).
O sofrimento psíquico está relacionado com o saber fazer com o Real [Lacan], saber simbolizar com o que não se pode dar conta. Então, até que ponto a aceleração do processo imaginário (Lacan) em detrimento do Real, possibilita o sujeito a saber fazer com o Real?

Agora um moleque de rua sem absolutamente nada a perder. Vai gingando, moleque. Sim, parece menina mas é menino, veja bem. Ginga com os ombros e chuta todos os baldes de lixo da prefeitura que pelo seu caminho passa. Enfezado, menino anda na orla de Salvador, sim, na capital da resistência ele já nem sabe mais como fazer pra resistir, perdeu toda a esperança de criança. Ensinaram a ter fé mas também a perdeu. Perdeu porque perdeu o sentido da fé. Fé é pra quem move montanhas. O menino da rua nem montanha vê. Vê morro! Ele fuma desde cedo. Às vezes bebe também. Já o encontrei jogado na rua bêbado, rindo de não sei o quê. Ao menos rindo. Até te ofereci um suco mas a mão foi na garrafinha de cachaça mesmo. Maconha ele gosta, mas sozinho muitas vezes a fome não consegue matar. É livre do tráfico e nunca cheirou nada. Nem loló. Nem cola. Nem crack. Nem cocaína. Te tanto se cortar, pensou em esquentar o pó e meter pra dentro. Mesmo sem nada a perder, o menino está vivo. Por isso não vai. Se acovarda o menino. Não tem cachorro, e não vê a mãe. Nenhum parente. É um caso perdido esse moleque. Ele nada tem a perder. Em dia de festa na rua ele dança. Sozinho. Canta bem alto. Mas isso não é só em dia de festa. É só em dia de festa dentro do moleque. Chora escondido. Canta mais do que chora. Canta qualquer coisa que lhe vier à cabeça. Dança. Sozinho. Aquele outro menino pedinte na sinaleira é outro moleque. É ele, mas é outro, não vê? Parou de pedir. Já não tem mais nada a perder.
E se eu escrever até morrer
Vou descansar de viver
E seu eu cantar até morrer
Vou parar de chorar

domingo, 22 de dezembro de 2019

Jorro

LEXOTAN E JORRO DE AMOR.
A MELHOR VIROU PIOR.
LEXOTAN E PAZ NO AMOR.
O RUMO DAS COISAS
A VOLTA QUE O MUNDO DÁ
VEJS SE PÉTALAS DR FLOR VERMELHAS CAEM DO CEUMN OVER OVER

domingo, 15 de dezembro de 2019

Só atendeu porque era ela, né, Babá? Que coisa linda. Vai pro centro, a festa está lá com rosário no pelourinho. O dia está iluminado e ela já se banhou na paciência.

Iansã é a rainha dos raios. E, se ela colocou fogo, tem que chamar a fogueira. Uma pena não poder chamar a minha fogueira com o filho de Xangô que ela me trouxe... Serei água, como Iemanjá quer. A sereia sempre cantará em meio a raios e trovões. Boa quarta-feira de Iansã pra você.  Não consigo mais te seduzir. Vou cantar outros cantos.
Estão todos atrás da tela
Muito longe eles se põem
A conversar
Desabafar
Escutar
Gritar
Xingar
Silenciarem
Por trás das telas estão blindados de mim
Daquilo que lhes faço de tanto mal
Aquilo ora chamado
jorro
Jorro de amor
Uma cronicidade suicida
Assassina
É daqui pra frente
Com telas e sem telas
Aonde está a coragem
Por entretelas
O amor se apaga
O encontro surge
Novo encontro
Há de surgir
O sol está aí pra isso
O mar e o pó da terra
Que da sua morte
No meu corpo moribundo
Da tristeza de tanto jorro derramado

sexta-feira, 13 de dezembro de 2019

Na mania está uma pessoa de baixíssima autoestima. Uma mania reversa. No período fora da mania é uma artista. Ou será que na mania é uma artista?
Você cuida do resto
Depois de me esvaziar
Cuide do resto
Há muito espalhado sobre as rochas
São como manchas de óleo
Não sai
Está tudo pela praia toda
O rato foi dissecado no meio do asfalto
Restou a cabeça com os olhos pretos brilhantes jaboticabas à luz do sol

quinta-feira, 12 de dezembro de 2019

Não encoste
Não encoste
Siga e só
Não encoste
Faça suas contas
Arrume suas malas
Não encoste

Mudarei.
Mudarei como quem não pode escutar mais os nãos de desperdício do estados de paixão.
Mudarei feito o início de uma árvore em chão fértil.
Mudarei de caminhão.
Na estrada curta da vida.

As relações estão falidas.
O corpo emudece melhor do que uma máquina funcionando.
Derrama sal o dia todo tentando mudar.

segunda-feira, 9 de dezembro de 2019

Eu indo embora

Agora você se foi
Por que se foi em mim?
A culpa é toda minha
Os desvaneios são parte Da confusão
Do encontro testemunhado pela rainha dos raios
E o desfecho do desencanto organizado pela dona das águas doces
Agora acabou-se
Na multidão
Um beijo na testa
Por que se foi em mim?
Na solidão
O adeus com razão
E com todo respeito

terça-feira, 3 de dezembro de 2019

Faça silêncio
Fique surdo ao meu grito
Socorro
Estou morrendo
Fique surdo
Vou dizer que me falta ar
Que falto ao trabalho
Que tenho febre todo dia
Vou gritar de dor
Eu te peço que fique surdo
Me falta alegria
E coragem
Me falta algum toque de mão em minha pele
Acabou a velocidade
Desista de esperar por melhoras
Dê meia volta e vá
Diga aos demais que acabou o tempo
Pra ficarem aonde estão
Em silêncio
Desista de mim pra que eu vá
Em paz

domingo, 1 de dezembro de 2019

Estava tudo tão bem
Por quê? Não está bem hoje

Nem hoje nem nunca estará
Viver é viver mentindo que está tudo bem
Eu sou uma atriz
Seria muito mais fácil viver mentindo
Mas atuar requer um estudo
Uma encarnação
É impossível viver

terça-feira, 26 de novembro de 2019

A liga qual é?
Vou buscar entender porque estou insistindo nessa ânsia.
Deve ser porque estou mesmo doente.
A doença baixa a estima e o corpo fica assujeitado.
Em um pouco de faísca ele faz um fogareu. Inadequado fogareu.
Então trabalha em conter as chamas mas sem controle de onde elas surgem. Quando vê, está queimando a si e aos corpos todos em volta.
Os outros enxergam muita luz. O farol fogareu.
Alguns outros sentem o calor. Se aquecem o suficiente e, para não arderem, distanciam-se na velocidade média que for.
O corpo fogareu agonizante pede que o socorram
O calor e a luz ensurdeceram os ouvidos dos outros. Aquela agonia de chão quente sem sandálias na areia do deserto.
Um dia essa caixa ficará vazia de minhas palavras.  Até daquelas que o fogo apagou.

segunda-feira, 18 de novembro de 2019

A transformação enquanto se dá o movimento dela, desmantela e esfarela o sujeito. A economia estática tem força capaz de abrir feridas de tanto trabalho para manter colada a trinca a se abrir. Trinca na redoma é o lugar do sujeito nessa hora. Ele é impelido a rachar, rasgar, ferir, berrar, chorar, cantar, correr. Doi nascer todo dia e é triste morrer todo dia.

domingo, 17 de novembro de 2019

Voz na fila

É o Exu dela que é muito forte e tem que cuidar. Ela tá suspensa? Por que ela está suspensa? Que foi o Babalorixá ou mãe de santo que suspendeu ela? Se lá em casa estivesse tudo mais arrumadinho eu faria uma festa de macumba lá. Deixe eu arrumar. Duvido Rosa não aparecer. Mas Xangô não se derruba assim fácil. Eu quero comprar meu vestido vermelho de Oyá pra festa de final de ano. Um vestido assim. Até agora estou querendo saber porque ela foi suspensa.  Mas deixe tudo se arrumar lá em casa. Porque há um deus acima de tudo. Ele tudo vê. Que sorte a sua ter uma nora dessas. Eu perdi uma filha pra o câncer de mama. Ela nunca reclamou de nada. Deixou a filha com 6 anos. 2018. Aqui o fiz pra ela: amor e saudade. É um pedaço de mim que se foi.

sexta-feira, 15 de novembro de 2019

Nação

Competição
Enfrentamento
Combate
Mentira
Verdade
Posse
Choro
Assassinato
Abuso
Golpe
Sequestro
Invasão
Roubo
Lesão
Machismo
Homofobia
Maledicência
Transfobia
Catástrofe
Violação
Resistência
Advertência
Negligência
Pobreza

Nação

quarta-feira, 13 de novembro de 2019

Estou escondida desse lado da cidade
Pro mar eu não corro
Fico descendo e subindo ladeira
Piso na areia e deixo a água me dar boas vindas
Andei catando uns búzios pra escutar o som e matar alguma saudade

Vivo escondida nessa curva na cidade
Me proíbo de passar pela encruzilhada
Se alguém me vir ou gritar meu nome
Azar ou sorte hei de decidir
A reza é pra ser invisível e poder descer e subir

Estou escondida na metade do morro desmatado e concretado
Metade do dia eu canto a outra eu choro
Toda a vida é fazendo ficção de construção De ruas mal acabadas
No esconderijo tudo é bem depressa
Quase parando

Vivo escondida no bater das ondas na areia
Debaixo da sombra do chapéu de palha abrigo meu corpo refém
Ansiando um silêncio que não vem

sexta-feira, 8 de novembro de 2019

A voz que ecoa nos meus ouvidos fala que não há sentimento. Desde ontem. Ainda que eu sinta a potência da audição diminuir quando os nervos estão agitados, a voz está e não quer calar. Ela mata minhas intenções sentimentais. Também ecoa a voz que pergunta o que pode ser feito se não há sentimento. A contribuição ao trabalho parece uma solução sensata. Há missões na terra. Uma história repetida. Histórias da terra. Há um corpo jovem ainda. O tempo do homem. Dentro dos padrões o corpo responde muito bem às impressões sendo apenas um corpo. Há uma inteligência apontada constantemente, mas que parece nunca apontar pra caminho algum.

domingo, 3 de novembro de 2019

Vem, vem noite
Vem de dia e apaga a visão
Leva ela pra realizar desejos
Segura o nascituro nos braços
Interpreta o choro dele
Está inseguro com o clarão às cegas
Vem noite
Acaba logo com o dia
Acalma essa agonia passando pelo corpo estático
Sem rumo
No meio desses fósforos ajuntados sedentos por uma faísca de fogo
Vem, vem noite
Traga alguma solução
Me trague
Me engula
Dê um sumiço em mim

sexta-feira, 1 de novembro de 2019

Os gênios só me apresentaram
O vazio
O pedra de genialidade
Calça apenas um pé de cada vez e some a cada passo dado
Os gênios perdem as suas genialidades
A caminhada
A estrada é vacuosa ambígua derrapante
O horizonte nem linha tem
Os gênios me entorpeceram
A inundação
A ingenuidade de uma busca insana
Os gênios adoeceram o meu discernimento
A escassez
A porosidade do conhecimento suga e expele
Os gênios serão gênios
Rastrearão genialidades
Derrubarão os muros
Das idiotas cidades
Como vou me matar?
Sem dor
Ninguém quer ir sentindo dor até morrer
Se eu tapar o escapamento e ligar o carro
Morrerei sem dor
Se eu me pendurar numa corda no pescoço
Pode ser que eu não morra
Ou pensarei em desistir
Se eu me jogar nas paralelas do pneus na água das ruas
Matarei além de mim
Se à beira de um precipício uma pedrinha embaixo do meu pé rolar
E eu escorregar
Vou gritar
Querer voltar
Prapararei um veneno letal
Mas a medicina poderá me trazer de volta
Me culpar por ocupar tanta gente

E se eu já estou morta?
Como faço pra viver?
Todo dia um pedido de vida?
Palavras vazias sem condições de diálogo
Movimento covarde
Corpo defunto

terça-feira, 29 de outubro de 2019

Se você pensa que tá dentro do carro
E vai bem
Que tá dentro de casa
E ninguém passará pela portaria
E tudo bem
O seu cão vive junto com você
E tudo bem
A janela da sala pode ficar aberta o dia todo
Melhor ainda
Sem grades
Só há cerca
Elétrica
Bem aqui

segunda-feira, 28 de outubro de 2019

A Convidada

Eu vou lhe mostrar o sorriso
E você deve acreditar que todos os dentes à mostra
Irradiam felicidade
Acreditará tanto que o seu sorriso surgirá diante de mim
Ou distante de mim
O importante é o seu sorriso surgir
A máscara que expõe meus dentes alinhados diante de você
Protege a minha tristeza
Afinal, a coisa é o seu oposto
Meus lábios elásticos para gerar o sorriso podem te convencer
Camuflam a minha hediondez
Te convidam pra dançar a coreografia do elastecimento e dos dentes expostos
Você quer ser a nossa convidada?

domingo, 27 de outubro de 2019

Ficar e esperar
Movimentar ou definhar
Lambuzar de óleo
Ver a morte do mar
Continuar sentado e trabalhar
Pra derramar mais óleo
Muito mais óleo
Cada vez mais óleo
Uma inundação de óleo

A liberdade é uma prisão.

Camgirl - ato frustrado

A relação
entretelas
Buraco no meio
Quente e duvidoso
Frio e duvidoso

Vazio pixelado
De novo

Camgirl - rumo ao ato

Meu deus, ave Maria!
Quando a gente se pegar...
Meu deus, ave Maria!
Todas as marianas!
Tire os panos
Todos os panos
Ave Maria!
Se dia, feche as cortinas
Mas deixe a janela aberta
Se noite, me mostrarei a sua luz
Bem de perto
Pele com pele
Meus deus...
Ave Maria!
Salvem nossos corpos em luxúria
Todos os santos
Pela cabeça
Façam proveito dos nossos ais

sexta-feira, 25 de outubro de 2019

Camgirl

Me coma
Me coma
Me coma
Me coma

Ela grita do outro lado

Deserto

Em coma
Em coma
Em coma
Em coma

Ela canta desse lado

Ecoa

Puta poeta de poeira poesia

terça-feira, 22 de outubro de 2019

 Discurse o que desejar, mas mantenha a distância do meu corpo caminhante pela cidade atravessadora de suas dores em mim. Na minha ancestralidade presente. Em mim. Na cara daquele preto e daquelas pretas, tão familiares na roda que chamei pra sambar. É bom sambar com consciência da roda girando. Sambar com espelho inquebrável, porque a roda movimenta   a ignorância e traz alguma boa sorte. Que bonito esse movimento de complementaridade que está acontecendo. Movimento de pretos, trans e jovens. Movimento de música e amor com vontade de muito trabalho.

Voltei pra escutar a voz da preta. Tornei-me submissa, de modo a permanecer viva. Ela sempre me salva. Ela. A música. Sem som nada de mundo. Sem som do silêncio nada de relacionamento. Vamos juntar três vozes de mulheres pretas do recôncavo baiano. Submeto-me às três vozes. A minha espelhada nas vozes delas. Uma promessa de vida é o que há. Como duvidar dos orixás? Para quê duvidar da ancestralidade transgeracionada no corpo inconsciente? Tamanha consciência! Que assim seja.

Contei pro preto sobre as três vozes. Submeto-me a esse preto. Sedenta de sua pele eu fico. Sofro. Sinto saudades do que foi e teria sido. Suspeito do racismo. A branca que tocava nele procurou saber quem é a preta. Pouca coisa me interessa nessa cidade.

Na portaa preta mandou me chamar. Cadê ela? Preta Luiza com um turbante na cabeça. Olhos nos olhos com vestes coloridas, estendo-lhe a minha mão. Pouca força preta velha imprime na minha mão direita. Um toque macio e delicado. Deve ser pra saber se eu lavo panos e limpo o chão.
[
Os dias e noites na beira do mar na companhia das ondas morrendo na areia é uma invasão sonora em meu corpo implodível.

 Ouvi dizer que a preta Luiza sai todo dia de Itaparica e atravessa o mar sem saber nadar. Ela vende coisas. Todos os dias também as moças lavam panelas enormes nesse lugar aonde vai Luiza. Uma outra moça teima em catar siri quando fazer isso esta proibido nesse mesmo lugar de beira de mar aonde Luiza chega todo os dias de Itaparica. Ela cata siri desde criança. As moças lavam panelas desde o debute. Todas sabem a hora que o vento revira tudo no mar desse lugar.

A terceira voz chegou ontem das mãos da atriz. E não é só voz que chega. O corpo vem dançado e batucado. Eu no meio das pretas. Bem preta eu sou assistindo e me acolhendo nelas. Lindas. Maravilhosas. Quando a palavra vem pra dizer deve ser bem-dita.

Podemos adaptar a história. Preta Luiza saía de Salvador e atravessava o rio Paraguaçu - um dia ela ia, outro dia ela voltava. Soube que pra onde ela ia, festejavam a morte. A boa morte. Essa morte que é vida.

Estou na orla beira de rio. Passei a noite em claro porque os morcegos no sótão conversaram a noite inteira. Uma escrita Atensional com algum propósito é movimento? Quando me espelhei nas pretas senti um aconchego. Elas parecem comigo. Parecem meus primos também. Vamos montar uma banda e serestar na esquina. Atabaque chora, chora também o amor em mim.

Na beira do mar do rio vermelho as duas pretas se cruzaram em sentidos opostos. Uma carregava sacolas plásticas cheias nas duas mãos. A outra segurava a guia do cão - este caminhava ao seu lado sobre a balaustrada.
- Bom dia.
A preta, sorridente, disse a outra. Ao mesmo tempo a outra dizia:
- Linda.
Elas olharam-se nos olhos. Os passos continuaram firmes em seus sentidos e nunca olharam pra trás. Um preta ficou em dúvida sobre ter escutado "linda", a preta tinha a fala de Luanda, então... Há que se receber um elogio e ter um bom dia.

Estava chovendo muito no dia do enterro da preta velha. Passagem. Uma tristeza demais com saudade demais. A preta velha morreu cega. Nunca saía do terreiro. Como tem que ser. Duas pretas foram antes visitar e cantaram pra ela já cega. Foram tantos abraços em silêncio por estarem ali. Pela última vez.


quarta-feira, 9 de outubro de 2019

Me deixe passar a minha crise
O inconsciente traz à tona
Amigo morto a facadas pelas costas
Mais que amigos
Mestres em si mesmos
Um destino que se cumpre devidamente
Um luto
Provavelmente
Na contratransferência
Compara a moça com a mãe
Me deixe passar a minha crise
Ameaça retirar a moça de vez da sua vida
Há uma amizade
Há um abuso
Ninguém sabe a hora do silêncio
Todo mundo age unilateralmente
Surgiu um palavrão
Me deixe passar a minha crise
Caiu a ligação

terça-feira, 8 de outubro de 2019

Depósito

As vezes eu penso
Psicopata
Escritora de textos de pensamentos
Pensamentos em texto
E música
Alguma música
Entre linhas
Penso
No que é normal de pensamento
Em interrogações
Pra quê eu faço isso

A mulher que cheirava cabeças

No bairro de Pau da Lima morava a mulher. Todo dia, logo cedo, ia trabalhar. No local onde trabalhava havia muitos caminhões de coleta de lixo da cidade, portanto, o mal cheiro típico atravessava as narinas durante suas horas de trabalho. Ela chegava cedo no trabalho.Todo dia dava um rolê nos setores da empresa. A empresa atuava no ramo da construção civil e de locação de caminhões de lixo ao serviço público. Naquele setor, onde tudo estava no lugar e nunca saía do lugar, a mulher passeava pela manhã. Duas mulherzinhas e um homenzinho trabalhavam juntos na sala onde tudo permanecia no mesmo lugar. As torres gêmeas foram atingidas! A sala muitas vezes era invadida por gritos e uma performance agressiva de um homenzarrão branco e careca. Tudo no mesmo lugar ficava.O seu passeio causava um feitiço sinestésico. Coisa muito simples. Cachorros e gatos adoram. Um cheiro no cume da cabeça. As narinas dela inspiravam fundo no cume das cabeças enquanto os corpos dessas cabeças permaneciam sentados na sala onde tudo nunca saía do lugar.

segunda-feira, 23 de setembro de 2019

Pra frente é que se anda
Mas a saudade nunca anda pra frente
A saudade parece que fica lá
Sempre lá
Atrás
Impedida de andar pra frente
Ela caminha junto com a gente
Mas está sempre
Lá atrás

domingo, 22 de setembro de 2019

O pingo de sangue na pele
O pingo de sangue no chão
De onde vêm pingos de sangue?
Goteja sangue entre as minhas pernas
A doença do sangue proibido de gotejar
Se alastra
Por dentro
Em silêncio
Por dentro

quinta-feira, 12 de setembro de 2019

Quando passa eu nunca sinto
Aí eu paro um certo dia e percebo
Passou
O que passou sempre tende a voltar
E volta
Sugerindo voltar a ser o que foi antes
Em seus mínimos detalhes
É bom lembrar dos maus detalhes
E tapar os ouvidos pra sugestões
O que passou
Passou
Quero o novo de novo
O único que parece ser o último

terça-feira, 10 de setembro de 2019

Aqui você acha que está acompanhado
Mas você está sozinha
Você acha que está protegido quando está dentro de casa
Mas você está sozinha
Aqui você pensa que seus amigos sustentam o seu teatro
Mas você está sozinha
Você lê as últimas notícias
Parece estar mais conectado com a natureza com tanto conhecimento sobre ela
Mas você está sozinha
Você acende seu cigarro e discute muitos temas
Você conhece muitas pessoas diferentes
Mas você está sozinha
Você pensa que tudo pode chegar até a sua porta em até 60 minutos
Você paga pelo tempo e pelas coisas
Mas você está sozinha
Aqui você se ilude com imagens e números
Você passa algumas horas trabalhando aqui quando poderia passar apenas uma
Você pode acessar outros lugares diferentes daqui
Mas você está sozinha



Amanhã nem posso passar essa noite sem dormir. Tem a banca, o vizinho, o cão. Sem a paz e tranquilidade do sono um pouco eu não consigo. A paz eu incapacito. A tranquilidade é o seu antônimo. Calor e frio. Calor e frio. Eu consigo um corpo febril no início da noite. Consigo alimentado. O sono alimenta.

domingo, 8 de setembro de 2019

A navegar com marinheiros para estar perto de um só marinheiro. O mar estava calmo mas lá adiante é avistada uma tempestade pela marinheira. Meu deus! Ela exclama. Veem-se navios enormes quase virados pelas ondas gigantes.
O navio está perto de um porto familiar e decide atracar. Um marinheiro fala à marinheira que pode ficar ali naquele porto pois ele irá atravessar a tempestade e retornará para buscá-la e seguir a viagem com segurança. A marinheira sabe que tempestades são inevitáveis. Sabe que sobre o mar, há medidas de segurança mas é inexistente a segurança propriamente dita. O marinheiro vê o semblante assustado dela diante das ondas gigantes e lhe conforta, abrindo mão da tripulante. Então, já no porto, ela busca cuidar da saúde. Junto à família, olha pro relógio e entende que está atrasada para uma consulta médica psiquiátrica, pois o atendimento é por ordem de chegada e o tempo aportada será curto. O carro antigo já não lhe pertence mais e ela pede a um ente para dirigir até o especialista.

sexta-feira, 30 de agosto de 2019

Vou jogar no ventilador
Minha conta é de Iemanjá
Mas você tem que me dizer que Oxum é o orixá de frente
Porque simplesmente Oxum serve a Xangô
Assim
Na minha cara
Oxum era esposa de Xangô
Eles se apaixonaram
Eu vou parar de passear pelo terreiro
Para que me avisou do seu resguardo de quarenta e cinco dias?

"Parece até q é motivo de se viver!!!"

terça-feira, 27 de agosto de 2019

A angústia é retirada como se retira um cisto canceroso
Também é retirada a capacidade de irritação
O corpo levanta de dia
Tem que ingerir a pílula do dia
Caso contrário
Uma tragédia
Levantado o corpo caminha pela praia com o cão
As pílulas da noite têm conduzido pouco ao sono
Sua dosagem é aumentada
O corpo retira o equilíbrio durante o dia
E entre as pedras da praia exercita o que lhe está sendo subtraído
Depois é prostração
Ainda um sangramento vaginal por mais de um mês
É a pílula da manhã
Com os bocejos da manhã
Nem coragem nem nada pra nada
Nem sinapses eróticas
O corpo que levanta e deita com pílulas
Já não mais um corpo
É um controle do estado
Amansado em sua capacidade criativa
Ele é qualquer coisa sem sentido no mundo



quinta-feira, 22 de agosto de 2019

Próxima ao campo minado
Creio ter conseguido esquivar de quase todas as minas
Fui mirada uma única vez
Mas mirei antes
Ginguei
Foi feito tudo o que tinha que ser feito
Os olhos ardendo em cansaço químico, sintomatológico
Mantive os olhos para além do para-brisa, para os retrovisores
Olheiras muitas
Trafeguei sozinha e acompanhada
Para a coragem ser criada muitas vezes é preciso segurar a mão de outro corpo
Sendo o corpo aquele que te expulsou para o mundo
É positivo
Além de me fazer enxergar o amor
Um pouco protegida dentro do campo minado

segunda-feira, 19 de agosto de 2019

Posso viver nas ruas com os cães
Eles me acobertarão
Na noite escura afugentarão
Os ratos
Policiarão os policiais
Comeria com eles na disputa do lixo remexido
Enquanto chove
Aquecemo-nos na união de nossas pelagens
Precisaria de muitos cães
Isso faz o ser romântico
Adoece as coisas óbvias do ser humano
Viraria eu uma menina lobo na metrópole?
Transaria com algum cão?
Vomitaria em ver que cocô de ser humano é comida pra cachorro?
Estou na cama e um cão me aquece além de um lençol e um colchão
Tudo dentro da caixa de alvenaria bem acima do solo.
Quero dormir para sempre agora.

sexta-feira, 9 de agosto de 2019

Todos os mestres morreram
Há os que ainda acreditam nessa falácia
Há os que investem nessa crença
Saber de algo é sempre falar do passado
Falar do que pesquisou a vida inteira
Falar do que trabalhou
Falar do que experimentou
Falar do que analisou, juntou, misturou
Deparar-se com a ausência de mestres
É enfrentar o poço sem fim e vazio
É sempre poço
É a gravidade
É sempre ilusão
Pensar na vida como uma missão
É uma obrigação
Viver

segunda-feira, 5 de agosto de 2019

Saio pra rua de modo a não perder o tempo da vida
Quero viver a vida
Vou à praia e solto o meu amigo cão
Ele late pra algumas pessoas
Corre livre
Eu saio de casa pra viver e não perder o tempo
Esbarro no ser humano
Meu semelhante
Cheio de razões
Cheio de poderes
Sou acusada de maltratar o meu amigo cão
Sou intimidada por saberem o meu endereço
Dedico a palavra amigo ao ser humano parado diante de mim
Ele é um poste de concreto
Irracional
Em nome da lei do ser humano
Dentro de uma caixa de alvenaria eu perderia qual tempo?
Pela televisão escuto:
O tempo do encontro
Saio de casa pra ganhar o tempo da vida
O ser humano esbarra em mim
Quer medir o tempo
O meu amigo cão é indagado se é mais macho

O tempo ganhado no dia anterior
Compensou o dia de hoje

Vou perder o tempo em um dia
Pra ganhar tempo no outro

A humanidade é um caso perdido.

sábado, 3 de agosto de 2019

Um dia eu fechei os olhos em um momento de muita aflição e eu estava no meio de uma cortina verde, viva, e involuntariamente eu sorri de conforto e alegria. Não era um sonho, era uma visão ao fechar os olhos. Então eu senti que a morte chega com uma sensação boa, nunca ruim como a sensação de medo, porque tudo de ruim some na hora que ela finalmente chega.

quarta-feira, 31 de julho de 2019

sábado, 27 de julho de 2019

Nem todas as caixas são para anotações
Ficou fácil compreender nesse caso
O pensamento cuspido sem julgamento merece apenas uma caixa
Ficar guardado lá
Se remexendo
Fazendo barulho de vez em quando
E desvirtuando a atenção
Plena
Tentando ficar
No mundo das palavras
Quanta besteira!
Quantas palavras!
Caixas!
Guarde o seu corpo podendo caminhar
Dispense o resto
O silêncio reverso
Uma reeducação
Um reencontro
As pessoas falam sobre elas mesmas
Estão todas certas - sobre quem mais haveriam de falar?
Diálogos vazios
Queixosos
Eu sou uma pessoa


No mergulho as vozes humanas são caladas
Escuto apenas estalinhos de crustáceos trabalhando sobre as pedras
Esse é o melhor silêncio
Embaixo d'água no mar calmo




segunda-feira, 22 de julho de 2019

Na simbiose
A cabeça dele segura as minhas pernas
As vezes repousa sobre o meu tronco
E a qualquer movimento meu
Ele desperta
Se meu corpo perambula
O seu corpo também perambula
Nos aquecemos no frio
Nos abraçamos no meu recolhimento
Basta uma parte dos nossos corpos
Em contato
Na simbiose
Somos necessários
Um para o outro

sábado, 20 de julho de 2019

A cada fase é como se o corpo procurasse uma nova forma dentro do próprio corpo. A desarrumação é a nível de imagem inconsciente do corpo, não na sua totalidade, senão viraria um bebê (na depressão há estados assim, não come, não faz higiene etc.)
O mundo contemporâneo se articula tão em direção ao corpo que já o domina, gerando essas desarrumações, muitas vezes incapacitando o sujeito de ser sujeito, mantendo-o assujeitado.
O corpo sentado por muitas horas na mesma posição.
A nova modalidade prisional.
O corpo vai perdendo a memória de corpo (que se movimenta, pula, corre, anda por aí) e fatores externos desestabilizam-no mais facilmente. A pulsão, que é de morte e se caracteriza por uma força entre o somático e o psíquico (Freud), fica sem objeto imediato. Objeto imediato eu estou chamando de qualquer coisa que sustente a direção dessa força, que impeça de o sujeito cair.
Quero comprar uma terra
Pra acabar com o mal dormir
Antes do sol e dos outros bichos
Me enterrarei
Mais um dia raiando, meu deus
Que milagre é o sono humano
Quando ele toma conta da terra

quinta-feira, 18 de julho de 2019

Alma pirata cansada
Pirada errante
Roleta em balanço
Bang bang no trampolim
Roldana pequenina
Roda gigante
Escadaria drenante
Rampa antiderrapante

Alma desenfreada
Cavalo de pau na areia
Sobre o asfalto escaldante
Escada rolante
Roleta russa
Elevador Lacerda
Sapatilha deslizante

Alma itinerante
Ambulante
Viscosa gosma
De saliva borbulhante
Trepidante
Saia na roda de samba

Alma encharcada
Água corrente
Enchente
Chuva na mente
Em corda bamba

Onda gigante



quarta-feira, 17 de julho de 2019

Querem notícias
Porque querem notícias
Porque querem
Notícias para minimizar o que a falta de notícias provoca
Deixem a falta de notícias acontecer
Raciocinem sobre o que não está noticiado
Se a moça se joga do alto do edifício e a outra moça diz que se jogou porque quis
Para quê tantas notícias
Se a moça se sente uma criança fantasiada de palhaço embaixo do sol do meio-dia e a outra moça olha para esse sentimento e diz
É palhaça mesmo
Para quê noticiar
A medida das dores
A medida das dores de um ser humano ninguém pode noticiar
A dor vira notícia porque ela não faz memória
Grito no silêncio desse sentimento
Choro todo o mar desse sentimento
Mesmo que digam que você nada tem
Nada não existe
Você tem
Fala-se da dor
Duvida-se da dor
Silencia-se a dor
Para que ela desapareça da terra



terça-feira, 16 de julho de 2019

Ah, essas crianças!
Ah, esses pretos!
Ah, esses nordestinos!
Ah, desapego!
Ah, liberdade
Ah, expressão

Parece que está tudo parado
Voltando

Descobriram!
Somos apenas estrelas fugindo do buraco negro
Somos luz
Fugindo da escuridão

Eu vejo o sol pela janela

Ok, aos meus ouvidos
Ok, a chuva princesa
Ok, são João, Xangô
Menino!
Menina!

OK, OK, OK
Planeta
Abandonado no espaço
Raso
Largo
Profundo
Não falo de amor quase nada
E aí
Vai lá

Tem nada
Mesmo não
Música
Angústia
Paranoia
Tudo bem seco no sertão

Vou ali
Aqui nessa casa não trago
Ninguém

segunda-feira, 15 de julho de 2019

Pedras de vidro lapidadas pelo mar
Foscas pedras do mar
O xique xique xique de meus pés na areia no mar
Pisando em pedras foscas
Parou
Coloridas pedras do mar
De vidro fosco
Deus que me livre me pegue e me coloque diante do caminho certo pra eu nunca mais.
Pisar em vidros
Mas em pedras do mar
O seu papel é ser a outra de mim mesma, essa que escreve escondida mas que na hora aparecerá. Você é o Real, surgirá quando tem que surgir e só você saberá.
Embora combinemos em músicas, da minha atuação na fala surge o que eu não sei, ainda que eu tenha algum roteiro em mente. A sua presença é por ali pela borda do palco. Ao surgir, poderá aproximar-se de mim, estarei atenta apenas ao som. Meu corpo estará disponível pra essa outra, mas ficará imóvel.

domingo, 14 de julho de 2019

[aqui um pouco de silêncio]
[silêncio]
[_ (piscando)
[gemido vagaroso]
[paralisa]

Vem de lá pescador
Sal de vida é prece


No mar no mar
No mar no mar
No mar no mar




A vida doi
uma dor assim por fora
Comprimindo principalmente todo o meu tronco e cabeça
Nunca toca em mim
Parece que vai tocar
É aí a agonia
Meus ouvidos ficam surdos por alguns segundos
Eu peço pra morte vir exatamente nessa hora
Eu quero morrer todo dia
O que é normal
Quando o sentido de viver é um só

sábado, 13 de julho de 2019

Quando o samba invadiu o terreiro

Primeiro o corpo entra
O ritmo marcado no pé
Samba aí
Depois as palmas
O movimento é circular
Apenas sinta
Agora cante

Passado a limpo

Trancafiei no nunca mais
Sim, fio a fio
Como me foi possível
São tantas tecnologias
Tantas informações alastradas
Querendo abrirão as portas
Depois trancafio de novo
Até irem finalmente para o nunca mais
Com quem quiserem ir
Agora só trabalho

sexta-feira, 12 de julho de 2019

Doente mental
Mentalizando
Mentaliza tanto
Materializa o som
Estrutura errante em corpo no mundo
Doença mental
Palavras preveem o futuro
Delírio
Doença
Mentaliza o amor
A ilusão do amor
Doente mental
Mentaliza o amor
Doença mental
Do corpo errante
Estrutura sintomática ambulante
A terra há de suportar

Terra embola tudo
Fora da mente
Parece silêncio
Mas os ouvidos estão ficando surdos com tantas palavras
Ditas
Diga
Uma doença mental
Fale
Problemas psicológicos

O corpo mental reza
Mentaliza forte
E suas carnes enrijessem de tanto rezar
Doente mental
Reações adversas ao medicamento
Doença mental no corpo errante

O amor me mata. Então o amor é uma mentira. Eu não sei o que é o amor. Vou me calar quanto a esse sentimento.

Carta ao oceano Atlântico

Eu sei que se estivéssemos perto, iriamos nos visitar frequentemente. Eu havia apagado o seu número, você ligou. Lembro das nossas últimas conversas sobre o relacionamento que não existiu, onde você disse estar se sentindo sufocado. Eu me enxergo agente desse sufocamento. Eu não consigo me relacionar com ninguém amorosamente. Ando triste, porque preciso me sentir em alguns braços pra prosseguir. Eu senti que o que vivemos foi a pureza do amor, como ele é construtor de laços fortes em qualquer circunstância. Quando ele existe entre duas pessoas, ele é a melhor coisa que existe entre duas pessoas. Meu sonho é viver cantando mas também é de um dia poder estar frente a frente com esse amor. Saber que você está vivo na terra sustenta o meu viver, a cada ano de vida seu, vou lembrar sempre de você.

quinta-feira, 11 de julho de 2019

Na minha aldeia ainda tem jandaias
Bem-te-vis
Urubus
Pombos
Corujas
 Uns passarinhos bem pequenininhos que costumam me fazer saltar num susto quando se mexem na grama
Há andorinhas no meu quilombo
Um dia vi uma garça no pôr do sol
Soube que era uma família com pai mãe e filho mas um dia adultos morreu enforcado na rede de pesca
Há aves da cor das pedras do mar, com bicos alaranjados, pescam todo dia
Gaviões planando, todo dia
Enquanto espero pelas baleias
Vejo águas vivas
Peixinhos coloridos
Caranguejos esbranquiçados
Lesma amarela
Pinaúnas e seus esqueletos
Tartaruga já apareceu depois de uma vida inteira
Já vi moreias também
Até os ratos em suas mil tocas na beira da praia eu paro pra ver
Passam os cães amarrados
Surgem os cães vagabundos

É um lugar muito bonito
Nasci por aqui
Vivo por aqui
Índia de minha aldeia
Preta do meu quilombo
Água do meu rio vermelho


Amanhã tento o suicídio
Só amanhã
Uma obra de arte
Ela não é discurso
Eis a coisa
É uma obra, como tem que ser a manifestação na arte
Discurso se esvai, a obra prolifera
Tudo mata
Tudo
Inventaram a vida pra tapar a morte
Quando eu estou com muito ódio no coração
Há ainda algum sentido pra o meu viver
Um alívio ao seu viver
No final a gente toca fogo em tudo
Esqueça as massas
É para ela que estão apontados os canhões
Para as massas
O entretenimento
Para a revolução
Uma tese de sua própria vida

quarta-feira, 10 de julho de 2019

Os espelhos são todos estilhaçados
Elas sofreram de amor
Cantaram puro amor
Se entorpeceram
Morreram
Esse corpo ambulante andou buscando apoio pelas paredes e móveis da casa quando o pensamento invadiu sobre o amor
Meu deus, é uma mentira...! O amor é uma mentira...
E agora?
Cadê as paredes
Os móveis
O corpo encontra um gradil na altura das pernas e se apoia
O choro enfraquece o equilíbrio
O corpo se enverga desarrumado
O cão fareja para além do gradil e olha pro corpo cambaleante
O corpo está marcado pelo canto de todas elas que morreram por uma mentira
O corpo é uma mentira
Ele só precisa ser verdade pra ir encontrar a morte
Sou um orixá
Muitos já disseram que me viram
Me viram
Me viro
Contorso
O orixá que sou
Quer recolhimento
É na hora certa que ele sai de casa
Sua casinha no terreiro

O dono da minha casa é o orixá que sou
Fiz minhas contas
Acendi minhas velas
Encolhi meu corpo até o chão
Gemi muitos ais os quais pareciam uma música na roça

Quando todo mundo está em silêncio
O orixá aparece
Derrama seu oceano
Na voz
Um orixá de corpo inteiro

Eu duvido de todo o mundo porque eu duvido de mim.

O cão não. Ele tem certeza.
No deserto de choro e gemido
Há um cão lambendo a sua face salgada
Tentando te fazer levantar
Tentando fazer o mundo continuar

No deserto há um mundo de muito silêncio
Gritos mudos
Cantos surdos
A água é pouca
O tempo é muito
Porque é espaço demais

O cão no deserto anda solto
Galopa
Sua missão é tão certa
Quanto a volta que o mundo dá
Ele volta e tenta te fazer levantar
Deita rente ao seu corpo

Quem é você no deserto
Alma penada
Dentes desgastados de tanto ranger
Enquanto células pra nada se espalham
Por tudo dentro
Estrangula tudo dentro

Quem é o cão no deserto
Ora corre pra bem longe
Depois volta com juízo
Passa fome ao lado do corpo estirado
Mira em teus olhos com piedade

A doença é incurável
Assim disseram
A vida toda no barro do deserto
Cante! Cante! Cante!
Escute seu próprio eco







terça-feira, 9 de julho de 2019

Isso não é sinal
Hoje não
Mesmo com educação
Melhor não
É apenas a realidade

Se sabe do sinal da chuva
Nem sempre chove
O carro buzina
O sinal amarela
A noite se revela

Essa mão segurando
Meu braço

Eu queria fazer
Um travesseiro
Dos teus braços
Láláraraiá


sábado, 6 de julho de 2019

Estou querendo chorar
A mesma dor
O choro fica nas batidas rápidas do coração
Fica nas mãos trêmulas
Quem sabe essa poesia acene pra um choro
Ele tem que vir
Pra noite seguir
O novo dia raiar
O choro de muito ilusão já se perdeu pelo querer
É tão querido que nem lágrima faz
Choro por dentro enquanto meus olhos ardem ainda em busca do bem-querer
Mal-me-quer
Mal-entendido
Mal-estar
Mal-dizer

Bem sabido o choro que não vem
Quando ele falta e faz falta
As palavras aparecem em farois altos na estrada escura
Quando ele falta e faz falta
Escuta o mato crescer
No chão
Na terra
Do deslizamento de um todo pela parte
Que impede de fazer água jorrar
Senão pela lavagem nas repetições mórbidas do que é amar aquele ponto final desde o seu início.

sexta-feira, 5 de julho de 2019

O local do acidente foi revisitado apenas hoje
Um acidente comum 
As conversas trazem os dados daquela comunidade
Pensou que ficaria aleijado?
Pensou
Uma semente de sucupira por alguns dias no suco de uva
Pensou?
Todo mundo sabe como é
Mas ninguém acredita na dor
A dor de quem geme a dor
É a dor do mundo humano dessa dor
A palavra faz a memória das dores e ajunta na lombar
Se está tudo aderido pelas vísceras
Cante com a alma
Nossa senhora agirá em livramento de todas as dores



Pra quê calar se todo ser é um ser digno de miséria
Da mediocridade frágil de uma dor incapacitante
Falar da surpresa do tapa na cara
Das mãos inusitadas do tio por baixo nas pernas da criança
Dos sustos em berros do homem que paga as contas
Se há pra falar é porque há coro
Quem não viu, sentiu, verá
Falar é dissolver-se em novos corpos
Tapar o ponto de um dor é entupir o ponto da dor do próximo
Se há gargalhadas sobre o medo de ser enterrado vivo
Há medo de ser enterrado vivo
Se na solidão o vizinho é convidado a dormir no mesmo colchão
Há impaciência em dormir só
Se esta hora está morta
E muitos sustentam suas colunas em condições ideais
A dor faz girar esse defunto

quarta-feira, 3 de julho de 2019

Era novamente arrumar o necessário e sair da cidade. Estado de emergência. Cada um com os seus e o cão solto. Cadê o cão? Cadê o cão? Que tristeza a mochila nas costas e a falta do cão... Ele virá... Um macho encontra a fêmea com seu faro por qualquer caminho, quando ele quer. Está tudo escurecendo, há muitos perigos. Se a memória está nos corpos através das palavras, a fuga é para um quilombo.  Os pulsos unidos guardaram a memória dos punhos amarrados e chamaram isso de uma manifestação de um espírito obsessivo. Fumaça e sinais de matança e correria. A cada 23 minutos um preto é morto. Onde está o quilombo nesse novo globo que vigia até o crescimento de pêlos pubianos? Onde está o quilombo nessa terra matada mais um pouco a cada dia? Um quilombo em qualquer lugar de esperança e ação.


Canção

- Ninguém entrou pra se sair
Acorda, amor
Acorda, amor
Toca esse corpo
Ainda há tempo
Ele se esfacelará e definhará
Na sua incapacidade
Nunca mais irá te visitar

- Menos drama, amor
Aqui jazz
Vou até a sua porta
Pra você me banhar
Daquele perfume que cai bem em suas narinas
Sou andaluz de Gandhi galopando sem relevo
Estarei para sempre fora
Há tantas pessoas especiais

terça-feira, 2 de julho de 2019

O chão do mar


Mergulhava em água límpida e salgada bem fundo, cheios de oxigênio os pulmões. Um mergulho nas nuvens de tão suave. Pensava no medo. Mas só pensava. Por milésimos de segundo pensava. Pelo resto do tempo mergulhava simplesmente. Havia testemunha durante essa ação. Tal qual um peixe ágil, muito ágil, chegava perto do chão do mar e desviava. Que coisa linda! Que água quente! Essa é a fonte do ser? Há luz do sol no chão desse mar. Antes e depois do mergulho foi esquecido. Pouco importa o mergulho. Deve ser essa a visão da morte. A morte é bem-vinda.

sábado, 29 de junho de 2019

sábado, 22 de junho de 2019

Essa elaboração, essas invenções, esses excessos de escrita e solicitação de diálogo fazem parte da mania. É como estar em um poço tentando subir e encontrando o ar pra respirar enquanto isso acontece.

quinta-feira, 20 de junho de 2019

Vamos dar oportunidade
Pra quem quiser calar
No silêncio tudo pode mudar
Vamos dar oportunidade
Pra quem quiser falar
Pode escrever
Se mexer
Tatuar
Vamos dar oportunidade
Pra quem quiser se mostrar
Levantar o cartaz
Pintar a camisa
Tirar a camisa
Vamos dar oportunidade
Até quando não pudermos dar
Essa é a dança de muitas correntes
Mesmo que ninguém mereça oportunidade
Mesmo que alguém nem na própria língua consiga falar

terça-feira, 18 de junho de 2019

Você me diz que eu sou petulante, né? Acho que sou sim, viu?🎶

Um dia ele me disse: vc é a futura Maria Bethânia
Eu disse: você viu Maria Bethânia? Ah! Não sou só Maria Bethânia! Viram Piaf, Elba..  tantas outras!
Ele me disse: por que você não faz um show cantando Maria Bethânia?
Eu disse: porque eu sou Mariana Magalhães
Ele me disse: você parece Maria Bethânia mais nova.



Coleta seletiva - reciclando

Adeus, adeus, boa viagem...
Amores vãos...
Andaluzes de Gandhi
Aves de rapina
Abelhas rainhas
Adeus, adeus, eu vou na roda...
Se eu fosse Penélope, teria um Ulisses pra esperar enquanto teço minha colcha de palavras...
Aos poucos vou entendendo que foram muitos anos pra Ulisses voltar, muitas sereias e monstros, e que Penélope vivia de miragens.
Que responsabilidade desses dois!
"Meu amor é marinheiro e mora no alto mar, coração que nasceu livre não se pode acorrentar"
Não há quaisquer motivos pra estar em Homero... Não há palavras nessa odisseia. Navegar é preciso.
Reza a correnteza.

sábado, 15 de junho de 2019

Foi quase um vexame, mas não foi vexame.

Narrativa da sessão de preparação vocal com Nancy Viégas em 23/05/2019 antes da apresentação do Blá Blá Blá Bombambulante, em celebração do Ano 3, na prática como pesquisa.

Extrato de gerânio nas mãos esfregadas e dirigidas até às narinas. Corpo sentado numa cadeira sem braços, relaxamento dos ombros e maxilar com palavras induzindo à consciência do corpo: "sinta sua bunda na cadeira, seus pés no chão, seus braços soltos" etc. Depois, corpo no chão, respiração e exercícios vocais, a voz a chamada ao tom mais agudo de modo que falar agora requer uma nova performance, já não é falar simplesmente, é falar com ênfase em um novo personagem porque é uma voz inventada. Violão entra no exercício pra trazer o novo canto. Eu fico pensando que não vou conseguir e a tendência é sempre dirigir a voz pro grave, ela chama pro agudo o tempo todo, em qualquer sinal de desistência (que se configura com a voz no grave).
Aos poucos começo a cantar, mesmo com a tosse e uma sensação de sufocamento quando o ar entra pela garganta. A todo tempo (e até hoje) visualizo a parte do meu corpo cujo exame na véspera acusou o inchaço e por isso a rouquidão. Uma peça acima da entrada do funil das cordas vocais, intactas pelas imagens no exame.
As mãos com cheiro de gerânio sempre eram trazidas às narinas, uma sensação de aconchego e tranquilidade.
Exercícios vocais enquanto a voz é recolocada pela via da busca do agudo. "tem gente que não faz o trabalho porque não quer fazer esses exercícios" - são movimentos iguais aos de um bebê com a boca e a respiração. Trrrrrrrr.... MnMnMn.... Ssssssssssss... Sinto algum medo enquanto tudo está se passando. De pé, fui do alto ao chão com as duas mãos, coisa que não fazia antes e que passei a exercitar todos os dias na praia.
Comecei arrumar os últimos detalhes do figurino lá no estúdio enquanto trabalhava a voz, mostrando o que eu ia fazer, tudo no mais agudo que eu pude.


Nancy  e eu na sessão.


quinta-feira, 13 de junho de 2019

DIÁRIO DE UM MÊS


1o dia

Um mês a partir de que dia? Ora bolas! A atenção deve ser prestada no presente. Isso é lógica, filosofia, matemática, e colocam o nome de mindfullness. Depois do romantismo ainda há muitos resquícios dele. Enchente de resquícios mirando e tentando entrar na atenção plena, no diálogo lógico, analítico, objetivo. Saber misturar as cores, ser camaleoa pelo mundo é um querer.  Essa é a mais branda paixão que já vivida. Deve-se produzir, trabalhar, continuar. O estado é de paixão, um apaixonante espelho.

2o dia

O mar está muito cheio e só existe a vontade de Tom Jobim. A insônia chegou às 3:30 h com algum corpo estranho no ouvido direito. A andança tem sido um tanto surda. Vários teclados na caixa e ninguém atende. Se for um mês de silêncio absoluto, estará tudo resolvido no próximo mês - não haverá um relacionamento. Mais um. Já nem é possível saber que tipo de bicho solto se é. Olhos são cerrados para reavivar memórias dos corpos, mas a paixão é tão branda que parece convidar a desapaixonar, haja vista a repetição sintomática.

3o dia

Uma decisão com discernimento e lógica. Não há um relacionamento. Sequer alguma semente dele. Até o peito aperta e quase o choro apetece. Há um sorriso aliviado. Amores são para serem deixados livres, assim é ele todo sentimento. Uma bactéria pode ser transmitida pela boca de um homem e matar uma mulher. A mão é levada ao peito e o olhar para dentro, guardando um pouco do que há de bom, para dar pro cão. É pensado sobre a fase de consciência analítica da inveja. A inveja primordial, infantil. O pensamento está na genialidade de Tom Jobim e Dorival Caymmi e o apego ao retrovisor... isso não existe na música. Isso que faz a humanidade humana. A música é sempre o presente. É só isso. Só música.

4o dia

E náuseas depois da insônia. Vem Sartre,  Bouvoir, mas em nada tem a ver. Porque tem nada. O outro é sempre um vazio e a obra é o que move a existência. O fazer da obra, não a obra feita. A música precisa de muito silêncio, eu compreendo. O corpo vai-se arrumando nesse tempo de estio.  No silêncio absoluto da pausa de mil compassos, a mesma água nunca molhará os mesmos corpos.

5o dia

Uma concha do mar pra morar agora é o bastante. Cartas e palavras amenizam o corpo desorganizado, oferecem o suporte desafetado e preciso do bem-dizer. A imperatriz mostra o quanto o caminho fecundo foi percorrido, pede atenção a esse patrimônio. Ela é grávida tal qual a rainha do mar. Quanto às facas, impossível segurar todas, é momento de reflexão, de apaziguamento. No só depois é que se deve tomar alguma decisão sobre o próprio lugar.

6o dia

As cartas silenciaram. Silenciaram quase tudo. O romantismo parece drenado. Pela teoria da pulsionalidade, há o desvio do objeto para o qual as vicissitudes da pulsão se dirige. Ela é a dona de tudo, até das cartas. Entre o somático e o psíquico, no entre, portanto em cada ser e coisa com nome, porque sempre haverá o entre. Se já se sabe da teoria da relatividade? Não se sabe. Todo saber é suposto. É suposto que o silêncio desse som prolongado do entre dois corpos, faça surgir outro corpo, corpo cheio de novidade sobre si mesmo. É bonito e tem sentimentos ligados à prosperidade.

7o dia

O dia em que se comemora a ascensão de algum morto. Está viva a admiração e o bem-querer, mas dando os últimos suspiros as intenções de investimento libidinal. Um sufocamento pela madrugada, um carro sem trava nas portas numa ladeira íngreme engatado na macha de força subindo enquanto os olhos são ofuscados pelo sol no topo e a máquina capota. O peito formiga e incomoda. As lembranças estão lá, capotando no deserto do silêncio. As cartas ainda não voltaram pra me dizer mais nada. É denominado desinvolução o desapego. Buena vista social club na falta de uma coletânea de músicas preferidas.

8o dia

Segue o som. Se a ausência pelo fato da morte propriamente dita chegar, já estará tudo em ordem.  Antes havia o medo, agora passou. A informação de outrem acalanta: dizem que e é assim mesmo esse tipo de silêncio, pois nele há um discurso e pode haver uma produção criativa, acadêmica ou artística, por exemplo. Também dizem que o silêncio não é uma violência nesse caso. Quando o umbigo é aberto e suturado, deixa de ser o centro do universo-corpo, é preciso deixar outros centros, diversos centros, desfazer-se dos centros. Cada poro pode agora ser todo o universo, no corpo e fora dele. O som é a respiração do silêncio, ele se dá a milhões de quilômetros de distância se há ouvidos para escutar. O som é luz. Deixa alumiar.

9o dia

Já é possível descer à praia. As pedras parecem estar deslocadas depois das chuvas. Tem mais areia por cima acobertando. Algum alimento de voz foi dado ontem por alguns segundos. E foi recebido, com alívio de escutar um tom sonolento e carinhoso. Nesse dia de hoje é desconhecida ainda a direção a seguir quanto a dois corpos em voz no mundo. Ligam-se ou desligam-se. É prudente observar a dinâmica. Se há paragem, a terra continua girando mesmo assim.

10o dia

Há com certeza a sintonia inconsciente. Quando já não se sabe mais rezar, é preciso rezar. Todos rezando juntos agora. Reza para o dia nascer todo dia. Uma explicação a si mesmo diante da impotência: a doença é uma manifestação da vida. Dizem: karma. A reza é para manter a chama da vida. Chama. Reza. O corpo imerso numa banheira cheia de água morna. Reza e chama a vida. Todos estão conectados para a travessia.

11o dia

Como uma ave de rapina certeira, uma voz por tantos idolatrada agarra um corpo cheio de instrumentos musicais. Agora é o além dessa voz. Uma boa viagem. O amor é para ser deixado. De novo esse lamento. É agonia, é trabalho. Todo dia, todo dia, todo dia. Se o vazio preencher toda a entrega, haverá em breve um suicídio.


12o dia

A tentativa é realizar de maneira obsessiva, a exemplo do movimento da terra em torno do sol, do dia e a noite, das quatro estações, da maré  cheia e seca, do obsessivo rei sol que parece nunca desistir do trabalho de brilhar. Nesse movimento há folhas verdes oferecendo a cor e há folhas secas levadas pelo vento, tão vivas quanto a cor das folhas verdes. O olhar para o chão e para o alto traz em si o entendimento da visão cíclica de tudo. Até a água salgada que mina de um corpo tem fim ainda que esse corpo seja quase todo água. O amanhã que é hoje requer sempre mais força do que ontem.

13o dia

O plano de ontem para hoje talvez nunca seja cumprido. A vida é uma bomba estourando. Ressaca moral é o que há nesse dia. Sobre o que foi repensado, repetido, agora em elaboração se vê o ponto inicial da reta tangente. Milton Nascimento e muita emoção - estrada de fazer.  É  interessante como seres humanos idolatram outros seres humanos. É interessante como seres humanos tratam outros seres humanos como deuses. É escutado: deusa. De quê? O recolhimento, os rituais, a discrição, a performance, pode suscitar essa visão em tantos olhos, mas o além disso é só carne e osso e solidão. A música é a deusa, ninguém mais e nada mais nessa terra. Personificar a música em um ser humano é diminuir o potencial dela em cada um.

14o dia

Só o choro em silêncio lava a tristeza de uma saudade, de uma mágoa, de um frustração, daquilo que poderia ser mas não é. O sal descarrega o mau olhado e tudo se renovará.

15o dia

Quem sabe isso quer dizer amor.  Não há outra direção senão a do recolhimento nesse momento.

16o dia

O corpo tem sede dentro da fantasia. O silêncio da rua deserta na beira da praia realiza um desejo infantil. As coisas meio desativadas meio funcionando. Basta observar o respirar: está sempre funcionando mas parece estar desativado. Aos poucos o que era o real, a única coisa que se tinha, se transforma em miragem e a miragem aos poucos evanesce tomada pelo deserto da rua. Poderia ser apenas o silêncio, um recolhimento, um afastamento. Pode ser um tempo atendido. Pode ser o espaço contínuo para um novo encontro na beira da praia.  Na areia muitos falam muitas línguas, a água daqui é mais caliente do que no Chile e um convite ao mergulho é recusado sem cerimônia. O calendário é marcador persecutório. O tempo é uma invenção estúpida. A direção sempre será a mesma com marcador e sem marcador.


17o dia

Há um exercício para desobjetar que, quando é apreendido, torna-se mais rápido o processo. A paixão transforma-se em lembranças indolores enquanto é possível escutar as badaladas do sino da igreja a cada hora do dia. Se é mantido o holofote no sino, tudo ficaria insuportável. O som do silêncio entre as badaladas tem barulho suficiente para compor novas músicas. O cão ajuda bastante. O mar também. A família durante uma noite junina também. A desarrumação da casa, as provas previstas, a busca pela fonte do ser está à frente do romance. O romance só existe quando uma pessoa segura o corpo de outra pessoa e a auxilia a fazer estrela.


18o dia

O trabalho chama. A reza é um trabalho. Antes que esse dia acabe, a vida é parecida com a novela e com os filmes, muito mais diferente. Perguntas para entender o mundo foram agraciadas por respostas. Há um vazio enorme entre dois corpos. Nesse vazio pode estar contida a criatividade de cada um para saber lidar com esse vazio na tentativa de comunicação de si ao próximo. Cachorro marca com urina, cheira o ânus do outro. Ser humano faz girar o canto das palavras  na música por aí. Tudo é música. Por isso que há um apreço pela continuidade do homem através da mulher.

19o dia

Na noite desse dia pela cidade há provas, há compra de um novo livro, há abraços apertados e novas parcerias. As pessoas parecem aos poucos afinarem-se em seus objetivos, talvez enxergando o pouco tempo da vida. O tempo da vida. Qualquer tempo. Vai-se à Freud, vão-se aos antigos textos, vê-se a pobreza da imaturidade para o florescer de uma pessoa que escreve para não enlouquecer. O cão passeia. O filho custa entender as regras em uma comunidade. A civilização continua asfixiando o mar. Os coalas deixarão de existir em breve. Mesmo tempo em que deixará de existir a afeição por quem prefere manter a distância entre os corpos.

20o dia

A felicidade do cão livre é igual à felicidade de uma pessoa livre. A ginga, a velocidade, o olhar, os chãos em alguma parte da cidade feita na beira no mar faz da pessoa e do cão corpos dispostos a arriscar suas vidas pela liberdade. A sintonia entre os corpos é forte quando o pensamento ainda objeta no entre vazio. Um corpo pode sentir o outro vindo lá de longe, ou indo pra longe. É bom quando a notícia de muito longe é a que traz os corpos pra mais perto, bem perto, pra colar um no outro. Mais tarde, à noite, provas, beijos, abraços.

21o dia

Feliz. Está no modo de relacionar-se. O medo exala no corpo e o cão reage com latidos. O pior do medo é não saber-se medo e transformar-se em agressividade. Nunca será paz. Será sempre guerra. Viver é guerrilhar até a morte.

25o dia

O chiado da respiração nas narinas. Há pouco a se fazer. A ave de rapina hoje cedo grita no céu com asas bem abertas. É o azul e ela. Lá de longe onde toda beleza do mundo se esconde. Saramago revela a inexistência do ceu. Do inferno saem as palavras em poesia, o estado dos diabos para Bukowski. Vê-se o homem cru para o qual a mulher é apenas um costume. Quando a mulher faltar é proibido chorar. Os dias estão contados.

quarta-feira, 12 de junho de 2019

RESENHA

Bom dia. Qual o texto de Coimbra? Está no portal?
Quais os pontos relevantes do código de ética?
Todos! Ok!
Qual o filme?
Ok, obrigada
Bom dia. Assisti metade do filme.
Sim, mas tentei ontem e não consegui mais
Interessante, eu também senti dor de cabeça mas não havia ligado uma coisa com a outra
A gente está chamando de filme... Há uma distância colocada quando a gente chama de filme...
Padilha documentou, organizou, coletou dados
Tem tudo a ver com o texto. Eu desejei que a autora entrasse mais sobre como o fazer a história do conceito de direitos e humano pode alterar a vida de um sujeito, embora a gente saiba
Por quais vias, principalmente a via do afeto, do suporte afetuoso amoroso
O sujeito, no direito de ser sujeito, sempre demanda amor, é o que penso
Há muitas forças sobre esse sujeito protagonista do filme, essas forças reverberam em todas nós, no juízo, como se apresentou a dor de cabeça, eu suponho
 "protagonista do filme"...
Desse sujeito, cidadão brasileiro, impedido de exercer a cidadania, de se engajar politicamente e alterar alguma coisa na vida. Ele não sairia dali sem matar alguém, só se o deixassem ir embora em paz.
Matou pra consumar a sua própria morte. A cena mais assustadora foi o formigueiro humano atacando. Seria até mais justo que o deixassem ser linchado. O canibalismo nunca deixou de existir.
Ele não suportou essa "mãe"
Ela é incrível, mas ele precisava de mais que o chão, o quarto, as batatas, ele não tinha instrumentos pra alterar a vida, é o que vejo.
Alterar o gozo é difícil, leva muito tempo, muito trabalho, às vezes nem dá tempo
Polícia no Brasil é para executar
A mídia também
Se ele não tivesse expectadores, abortaria o plano, tudo foi retroalimentado pra haver um assassino e vítimas, é essa a realidade o tempo todo.
Não foi arquitetado, o dedo estava no gatilho
E ele foi atacado
Foi linchado pela polícia
Dá no mesmo
Sr o deixassem ir em paz, seria outro desfecho
Pior é o diretor desse documentário ter apoiado a candidatura do atual presidente
Ele foi ameaçado nos tempos do outro filme, na era PT
Mas é muita incoerência
O justo é manter o direito de viver
Quando ele mata a moça, mexe no direito de viver de todo mundo que estava colado com essa moça, colado = identificado
Sem falar no ritual do canibalismo, comer a carne do inimigo é ingerir a força que ele tem
Que força teve esse rapaz!
Fiquei pensando no que seria o contrário de uma depressão. No lugar de sucumbir, ele parte pro ataque
A infância é realmente a fase crucial na vida de uma pessoa
Crianças pretas não importam, mulheres pretas não importam. A população preta continua sendo exterminada e encarcerada. Eu pensei que a autora do texto ia me fazer enxergar a questão dos direitos humanos diferente do que eu já havia concluído, de que o movimento é para sempre
Isso é o raso, está posto. Quero saber o que altera essa vitimização.
70% das mulheres encarceradas na Bahia vivem privadas de liberdade sem sentença. A mulher é matada na frente do filho. O filho (eu não sei qual idade tinha), que ainda não sabia ler, portanto sem repertório pra lidar com o horror, vai pra rua e não volta nunca mais.
Li um artigo sobre os riscos psíquicos de crianças entre 0 a 3 anos, não lembro se é uma lei
Ok
Só sei que cada vez mais crianças estão sendo enquadradas em espectros autistas, porwue não estão colocando em prática uma política pública que oferece atenção ao psicológico de crianças antes de entrarem na escola
Há uma cadeia de vitimização
Pretos, mulheres, crianças e adolescentes, são os alvos
Em volta disso há a falida guerra contra as drogas (está provado que no Brasil há uma epidemia de álcool), há uma retroalimentação da precariedade das condições básicas pra se viver etc.
O texto convoca: o que cada um pode fazer pra alterar as diversas vitimizacoes. Deixa bem claro que é a partir de si.
Mas esse vínculo pode ser cortado, o que não pode ser cortada é a condição básica pra se viver
Comida, cuidados com o corpo, abrigo e trabalho
A moça que doa o sopão tá alterando em que a condição de vítima dos moradores de rua?
Acho que estou excedendo já. Me sinto impotente mas buscando o pouco de minha potência pra alterar o meu raio.

terça-feira, 11 de junho de 2019

Berra, berra, berra um carneiro
Uiva, uiva, uiva uma cadela
Grita a cigarra até explodir
Escuta em seus ouvidos
Nos ouvidos da cada um:
Explode Coração

Engole o berro, o uivo, o grito
Mete todo pra dentro desse corpo aberto sem juízo
Fica em silêncio
Escuta o mato
O rio é logo ali
Escuta o mato

Fechar o corpo
Fechar o corpo
Fechar o corpo
Para que não se comova
Tampar os ouvidos
Tampar os ouvidos
Tampar os ouvidos
Para que não se iluda
Cerrar o bico
Cerrar o bico
Cerrar o bico
O seu canto é de morte

segunda-feira, 10 de junho de 2019

Uns rascunhos pra fechar um pouco a abertura do livro da vida.
Umas decisões tudo ou nada em prol de alguma estabilidade do transtorno mental

Que dizem
Que dizem?

Caapora no mato é capitão
Escuta o mato
Em nome de deus


Isso é uma doença mental com sintoma exposto. O pensamento vem na frente ou atrás de uma música em volume e sempre juntos. Os pensamentos base são  música e tudo o é. Vento entrando pela janela, mar, pingos de chuva, e todas as melodias em poesia sempre.


sexta-feira, 7 de junho de 2019

Uma barata tonta
Um rato em um labirinto
Um cão atrás do próprio rabo
Um macaco pra lá e pra cá
Sem saída
Uma lacraia em si enrolada
Um gato preso em um quarto
Um pássaro se debatendo no pequeno cativeiro
Uma baleia que assassina
E eu
E eu
E eu
Bicho solto
Abrindo o chão com as mãos
Chame
Chame
Sem compromisso


A solidão se perde no coro da música. Ali tudo pode acabar. Ali acaba a minha guerra. A busca pelo outro ali acaba e ninguém mendiga ninguém porque no coro da música é todo mundo consciente de sua partícula voz.
Se pedem o bis sempre o terão. Essa é a parte do que ainda resta da perda da solidão. É sempre uma surpresa.
O corpo que canta se expande na verdadeira energia do ser humano. A própria máquina se desorganiza e cria um só órgão sem formas. O coro é uma emanação dos corpos. A voz cantada é o desprendimento dos órgãos setorizados cujo nome lhe deram corpo.
A felicidade e a entrega despudorada e pacífica está nas vozes ritmadas por algumas horas. A paz está em poucas horas. O amor é trabalhar para que existam poucas horas de vozes em coro.

A casa do diabo

Um escritor muitas vezes desperdiça palavras.
Quero usar a medida certa, o suficiente da palavra, pra chegar ao outro, comunicar, obter interlocução. Um escritor conversa com o vazio e as palavras entornam assim.
Vem atrás
A conquista é a nossa sabotagem
Pega e larga
Mais uma vez
Pega e larga
Vai aonde? Pega
Pelo amor de deus! Larga

quinta-feira, 6 de junho de 2019

A companheira

A companheira é aquela a quem se pede ajuda pra arrumar a mala da longa viagem

A companheira é quem percebe se o shampoo acabou e providencia outro

A companheira é quem silencia no colchão enquanto são feitos arranjos pro próximo dia

A companheira cala algum ciúme

A companheira é quem toca a sua fronte cheia de dores

A companheira massageia todo o seu corpo pedindo que seja livrado de todo o mal

A companheira vela o seu sono

A companheira desperta do próprio sono no seu mínimo movimento durante a noite

A companheira consegue dormir quando finalmente escuta o seu ronco

A companheira se despe sem pudor

A companheira se enfeita com argolas para a sua segurança

A companheira perfuma e hidrata a pele

A companheira cuida dos cabelos

A companheira compra suas cervejas preferidas

A companheira providencia o jantar para celebrar o retorno da sua viagem

A companheira escolhe uma lingerie atraente para a sua volta

A companheira faz a farofa desejada

A companheira vibra com o seu trabalho

A companheira é feliz com cada sucesso seu

A companheira te lembra de fechar a porta de casa com as chaves nas mãos

A companheira sabe aguardar o final da viagem

A companheira está disposta no dia da volta

A companheira ri muito alto das suas histórias infantis

A companheira assiste a um filme inteiro enquanto você dorme ao lado e finge assistir junto

A companheira te dá a mão quando você procura enquanto dirige o carro

A companheira atende ao seu pedido e senta na mesa pra jantar

A companheira escuta com todo prazer a sua discoteca

A companheira conhece o som da sua respiração

A companheira reconhece o seu semblante feliz ou cansado ou cheio de agitação

A companheira sabe ir embora quando é indesejada

A companheira aprendeu a se despedir no meio da noite

A companheira mora ao seu lado

É companheira só
Ele se vai e me deixa um grito chamando por deus
Me pede pelo amor de deus
Eu conheço o amor de deus em mim quando eu busco a presença dele antes de partir
Porque senti o seu sopro cansado
E vi suas voltas em torno da arena
O seu corpo pedindo pra sair dali
Pensei ter lhe faltado
Ar
Pensei ter lhe irritado
A música estava lá mas não inteira
Música para o cérebro
Escutei de alguém
Enquanto eu quem via a sua alma
Enquanto eu quem de longe sentia a sua respiração
Antes do grito no meu ouvido o sonho avisando
Para onde está indo?
Eu não escutei claramente
Era a sua voz nos meus ouvidos
Em súbito quase em vômitos levantei
Fiz novas tentativas
Recebi o grito
Quase o choro
Pra eu te deixar
O que são seis meses depois de uma semana? Passados quinze dias. E mais, qualquer mais ou menos. Todo dia é dia de folia. Todo santo dia. Contagem sem destino essa. Quanto tempo terei pra sempre te reencontrar? Besteira de contagem. Um dia eu estava anestesiada dos pés à cabeça. Um dia eu estava com furos profundos na pélvis. Que dia foi esse dia? Olhei pro meu umbigo um dia. Mexeram no meu umbigo. Depois, muitos dias olhando pro próprio umbigo. Naquele dia de talhos na barriga e sua voz cansada. No dia marcado pra te escutar você muito cansado. Olhei de longe pra você naquele dia e fiquei preocupada em ser o último dia. Umas horas sonoras com você. Umas ondas quase incontroláveis nessas horas em mim.

quarta-feira, 5 de junho de 2019

Estudando lógica:



Eu não quero nada com ninguém

Eu quero algo com alguém

Eu, que quero algo com alguém, busco eu não quero nada com ninguém

Assim, eu não quero nada com ninguém.

terça-feira, 4 de junho de 2019

Elas morreram de paixão a vida inteira. Drogadas de paixão entre a música e suas psicanálises alucinaram um bem-querer. Que nunca chegou. Fingiu que chegou. Chegou e fingiu que ficou. Muitos choques no peito, iam e vinham como badogues e pedras mirando o passarinho. Pra não sei o quê... Só matar o passarinho. Elas amaram até morrer da incompreensão do amor. Na gigante microscópica paixão moveram outros mundos com muita força. Quem suportaria tanta força? Quem suportaria tanto afeto? Se foi impossível seus próprios corpos suportarem tantos buracos abertos sem nunca cicatrizar, quem faria isso? De tão abertos buracos, outros corpos vinham e se esbaldaram, diziam sem querer que as amavam e por eles elas faziam tudo. Tudo era nada nesses casos.
Quando lembro do amor impossível meus olhos ainda se enchem de mar

O mar impossível do amor

Ponho o meu barquinho à deriva quando o peito aperta

Atravesso o Atlântico seguindo a rota sem saber o caminho

Barquinho, barquinho, frágil como papel na água, é obrigado a voltar

Da areia da paciência acredito no norte verdadeiro e na união perfeita do ceu com o mar

O barquinho parece nunca desistir de navegar no mar impossível do amor

Canto pro mar azul ou cinzento

Invento iemanjá pra aliviar o amor impossível e consolar o meu barquinho

Frágil barquinho

Descascado barquinho

Desmantelado barquinho

Furado barquinho

Estraçalhado barquinho

Desperdiçado barquinho




sábado, 1 de junho de 2019

O mar de noite é assim

No fim das contas
Depois do reboliço
Dos talhos no abdômen
De vômitos e febres
Dos choros e pedidos
Depois do colo da mãe
Da verdade das tias
Do companheirismo das irmãs
Depois da declaração do pai
Das cenas de amigos
Do presente musical
Pra não acabar a humanidade
Lá no fim das contas
Um pouco no pescoço
A vela branca é acendida

A enferma não sabe se chora porque ainda está viva
A enferma não sabe se ri porque está viva
Ela não sabe bem para quê acende uma vela no final das contas
Acende e gira um pouco o crânio pra esquerda
Com as contas por aqui
E os ouvidos lá no mar

Escuta o mar
Escuta
Em nome de deus

quinta-feira, 23 de maio de 2019

O ÚLTIMO TEXTO DO CAPÍTULO


- É, Babá, parece que é só isso, muito amor e música. Isso é muita coisa dentro dos nossos terreiros. Quando meus pés buscam os seus pés e logo os sente fugir desse toque, é porque não tem muita coisa a se esperar, tampouco a se fazer. Aterrar em fogo sendo água é missão impossível. Minha mente escancara só um pouco tentando viver a liberdade de apenas existir em nossos breves encontros. Eu sempre penso que é o último.

- Isso é psicológico.

- Não, não o é. Sendo. Há uma pecinha lá dentro de mim que está inchada em demasia, é fato. No corpo.

- Sinto dores nas costas.

- Eu também sinto. Pode ir, Babá. Nos contatos que faço, o seu nome pode já ser alterado

quarta-feira, 22 de maio de 2019

Há choro antes da música começar
Muitas lágrimas pelos buracos da cabeça
Lá por dentro goteja nos canais
De tanto pinga pinga sem parar antes da música começar
Se é olhado
Deus o livre e guarde
Sendo choro
Atira berros
Cava buracos
Pede mais canais pra passar
Deita de ponta cabeça
Leva um susto quando o corpo
quase se entrega
E se abre
E pede remédio
Pra suportar a dor
E cantar

domingo, 19 de maio de 2019

Quando o outro paga pra ver a sua invenção, a invenção já não é mais sua. Quando o outro vem e lhe informa dos acontecimentos da própria vida, essas coisas trágicas, e você, preocupado, depois de alguns dias, pergunta como vai a vida do outro e ele não responde, é bom que você morra pra esse outro. Quando eu morrer pra vocês, observem, morrerão também os diálogos inacabados por opção. Morrerá a ignorância de uma tentativa de diálogo. Morrerá a pessoa a quem você só se comunica quando quer. Quer mais atenção. Quero mais atenção. Sua vida não comporta a vida minha. Nem trechos dela. Por quê? Se até lá trechos da vida são ignorados, pra que alimentar a vida? Morre na estrada, estirado, até na linha do trem do caminho de santo amaro. Aproveitem e façam um samba e subam a ladeira batendo palmas. Que ladeira? A ladeira onde os corpos são engavetados. Se o meu corpo nem servir pra pesquisa, pra quê meu corpo? Nessa noite o corpo está dirigindo em alta velocidade, sozinho com a máquina com quem decidiu se relacionar nessa noite. É uma reta a caminho de casa. É uma reta e logo a primeira à esquerda. Antes dessa entrada tudo se transforma em breu. Meus olhos estão completamente cegados. Meus ouvidos escutam, não há carros atrás tampouco à frente. Os pés no acelerador, é impossível encontrar a entrada à esquerda só com ouvidos e pés no acelerador. Segue em frente a criatura cega e mais adiante a luz dos farois e algumas pessoas e carros na rua desconhecida, ainda naquela reta. O caminho está perdido, logo a decisão é fazer o retorno e continuar seguindo direto, acreditando que a rua estará lá. Procura o pedal do freio e ele some. Ultrapassa carros mas se há um pedestre ele será matado, porque freio eu já perdi.

sábado, 18 de maio de 2019

A mania se apresenta em  um estado de profunda irritação. O grito e o choro são, pela pouca consciência do corpo, mantidos em retenção. Qualquer som mas nem todo som atiça o atacamento, qualquer palavra, qualquer presença. Qualquer mas nem toda presença. Ainda que calmamente alguém indague o motivo do enclausuramento na mania, ainda que eu lhe diga que está na voz que canta muito mal, a certeza do não lugar da coisa da mania atravessa a voz. Convive com o medo extremo e presenteia com o corpo se revirando durante todas as horas de estio num colchão. Não há amigos. Nem cão. Nada salva um corpo na mania. Se esse nome não lhe fosse dado, os desastres continuariam acontecendo sem nome.

domingo, 12 de maio de 2019

Ontem
Um dia após o outro
No silêncio do som
Onde tem música
Você se esvai

Amanhã
Nem uma palavra
No som do silêncio
Um coração
Pulsante
(Porque tem que pulsar)
Nem uma mensagem
No dia que virá

Hoje
Essa é a prova da vida a ser vivida
O silêncio que precisa
O som
Que você faz
Atravessando o inquieto
Coração
No vazio
Na solidão da noite
Depois do enlace
Em peles suadas
Cansadas
De tanto se dar

O fim não teve começo
A vida dissolve as afeições
E as palavras chegam ao fim.
Ao esvaziamento
Ao enlouquecimento

Suplico

Na condução da pélvis
Na consciência da pélvis
Reconfigura-se a libido

Imploro

À próxima ação
À ruptura constituinte

Escória

Embuste

Ataque

Agressão

Desumanidade

Acabem com isso
Alterem isso
Salvem nossas criancinhas

Detenham-se
Contenham-se
Trabalhem-se

sexta-feira, 10 de maio de 2019

Agora tudo é água
Uma onda sem fim
Bem na crista
Faz-se um espelho
Corpo curvado
Em equilíbrio
Nada poderá salvar
Um homem na crista
De uma onda
Em cima da tábua
Cheio de adrenalina

Entregue a Tânatos

Ele chora na areia
Ajoelha e reza
O mar chama todo dia
Maré cheia
Maré vazia
O mar chama todo dia
Maré cheia
Maré vazia
Todo dia
Chama
Mar

segunda-feira, 6 de maio de 2019


Sou aquele gato se batendo entre o meio fio e o asfalto enquanto eu passo dentro de um carro e digo pra mim mesma pra não me abalar com o gato se batendo. O que eu posso fazer pra salvar a vida dele se estou na pista do meio entre tantos carros a setenta quilômetros por hora e devo passar o crachá na catraca até às nove horas? Aumento o som. Bem alto som. Engulo o choro e mio baixinho o meu grunhido de não poder fazer nada pelo gato a se debater no caminho. Eu me debato toda, todo dia, gatinho.

quinta-feira, 2 de maio de 2019

De repente o mundo se enche de amor. Parece um elástico amoroso. A distância mostra a prova do amor. Onde está o seu apoio? Naquilo que lhe faz bem, eu presumo. Aí está o mundo cheio de amor. Sem amor, o mundo não existe. É tudo uma grande invenção humana.

quarta-feira, 1 de maio de 2019

CAMISOLA VOLTA AO MUNDO ROSA CHOQUE

A porta do terreiro está aberta e exala o cheiro de alfazema e linho.

- Sinto o seu cheiro daqui. Sinto você aqui perto de mim.. Feche a porta, volto já. Enquanto isso, vamos aumentar o fogo.

- Apague tudo, Babá. Minha carne sem sua saliva é porta fechada. Minha cabeça está aberta para o real invadir. Tanto  faz a clivagem. Se tudo é música, eu te espero com prazer depois de tantos corações.

terça-feira, 30 de abril de 2019

DEIXE LÁ, DEIXE ELE, DEIXE ELA

Não sou eu, nem é você, é em terceira pessoa. Sente saudade. Ainda bem que você tem aparecido, viu, Babá, porque senão o terreiro ia molhar todo de água salgada.

- Água pro seu fogo, quando me chama de amore. E de minha linda também me chama quando quer água. Quando procurar minha mão de água, Babá, serei toda oceano.
Aquilo absorve de um jeito tão esponja que se contorce todo pra se desfazer. O mau olhado. Olhou errado. A sua cor. Uma escrava sedenta. A sua pele. Uma mulher da vida. Isso é o real.

domingo, 28 de abril de 2019

A janela com folhas, daquelas janelas de casarões, estava sendo fechada porque (como não vira isso antes?) ladrões poderiam a qualquer tempo subir a rampa gramada até lá. Nada de grades. Mais que uma rampa, a janela estava na crista do morro. Que felicidade olhar aquele verde vivo e o mar lá embaixo, poças em pedras cheias de patos! Patos pelas poças sendo recolhidos pelos pescadores para fora. Mas que diabos estão fazendo? São patos imigrantes, não podem manejá-los, eles sabem porque estão ali naquele mar. A ignorância às vezes é mesmo uma santa. Deixados os patos, gritos para uma cadela amiga convidado-a subir no morro. Sobem dois cachorros desconhecidos. Tudo bem, está tudo bem, podem ficar aí do lado de fora. Um menino da infância também surge enquanto os trincos da janela estão sendo fechados.

sexta-feira, 26 de abril de 2019

O depressivo afunda na lama invisível do mundo.
É preciso entrar em estado de atenção para que isso exista menos e se possível desapareça.
O exercício de entrada acontece com a voz, a música e o teatro, chamando para uma determinada vibração de modo que a dinâmica vibracional é o que conduz à performance.

Escrever
Pensamento em forma de poesia
Cantar
Deprimir
Interpretar

domingo, 21 de abril de 2019

O barco está no mar e uma pessoa só rema. Bate o remo e cansa. Puxa a corda e, feliz, colhe a rede. Ainda muito só, canoeira, pescador de nenhum mar. A solidão parece inerente ao barco.

sábado, 20 de abril de 2019

A última palavra

A última palavra é a palavra que mata a vida
A última palavra é a que o silêncio diz
Ela é última quamdo a esperança se esvai
Última chance
Último minuto
Última capítulo
Último suspiro

A palavra última não é um ponto final
Muitas vezes nem proferida ela é
É um sim, um não
Um acabou para sempre
Me esqueça
Para sempre

A palavra desvela
A oportunidade de abrir
E logo se fecha
Dilata as pupilas quando é última
É uma não inspiração
O rompimento
O sinal da seca
A garganta rouca
O corpo abatido

Quero lhe dizer a última palavra
Carregada desse amor impossível
Ela não serve a nada
Parecem nem entrar nos seus ouvidos
Faz parte desse ócio enquanto espero a sua última palavra
Se sou por você proibida de falar na morte



Estava falando em rasuras imaginárias, eu escutei bem. Estava trabalhando por toda essa vida pra dizer palavras. Palavras bem ditas, esse trabalho. Aquele todo ódio dentro que sai, após muito trabalho, sai melhor. Talvez melhor ser uma que caiba nas caixinhas imaginárias. Enquanto tento aprender a falar o que escrevo com João Cabral de Melo Neto, explico que:
1. No final das contas, sempre surge alguém pra ser o que é louco. Geralmente é falado de um homem para uma mulher.
2. Tem coisas nessa vida que eu não posso alterar a meu favor, apenas posso pedir aos meus pares certa compreensão.
Estou me preparando pra oferecer a minha carne

quarta-feira, 17 de abril de 2019

Quando resolvi me livrar de todos
Teve um que ficou
Ficou mas indo embora
Fingindo que não está
Eu também finjo agora
Bloquinhos contra o mal estar
Enquanto todos estavam
Em moscaria em meus cabelos
Atrapalhavam a minha paz de pensamento
Era tanto rancor
Tanto ciúmes
Tanto desejo até hoje
E como pode?
Nada mais
Eram todos nenhum

ARREPIOS E ARREPIOS

- Ao mesmo tempo que a missão se cumpre em comunhão, ela se cumpre na solidão do missionário. A missão é aquela coisa que chama a vida. A vela pra Mãe está acesa olhando pra mim, eu quem me pus lá, veja você. Agora ela me presenteia e eu acendo uma vela enquanto o corpo vibra e quase eu recebo pela minha ori, aqui mesmo, em pé, esperando a gota pingar da vela. Parece que foi a primeira vez que a fé passou pelo meu corpo. Onde está Babá?


Babá, ela sempre pensa em você e está consciente desse infinito missionário, pois Dona do Terreiro ela é. Você lhe ofereceu esse presente dos ceus e veio de bom grado. Se não fosse você agora ela não agradeceria direito.

- E aí?

- Chupa toda.

domingo, 14 de abril de 2019

Não é amor, é uma busca por algo que ninguém sabe mesmo o que é. A outra língua desfoca o pensamento choroso. O pensamento choroso é aquele pensamento que invade quando é preciso tomar decisões difíceis. O amor é como tentar entender o mundo e para onde ele se dirige. Há o mal estar eterno, a intolerância eterna, a luta eterna pelo simples viver. Há competição entre os irmãos (e as irmãs). Machos imbecis cutucam fêmeas sado-masoquistas. Por quê? Um escolinha bem feitinha de machos imbecis e de fêmeas sado-masoquistas. Então, retornemos ao eu de que jeito contra a imbecilidade dos machos que cutucam fêmeas sado-masoquistas. Nota que fêmeas sado-masoquistas são as filhas dos machos imbecis. O peito de femeas palpita quando aprende a andar e depois olha bem e ouve bem macho desdenhar porque no meio de suas pernas... bem no meio de suas pernas... Vê no meio de suas pernas? O buraco do mundo. Vê. Onde a vida passa. Vê? Aquilo que chamam de maior amor do mundo saindo dali do meio. Vê? Vê, macho? Olhe direito. Vê? Está cego macho? Pra quê luz no buraco? Meta a mão, macho! Quero ver se você tem coragem de meter a mão no buraco do mundo que dá passagem à vida. Você, macho, mata a vida do buraco nasce. Por quê? Por que você acredita que é macho?

sábado, 6 de abril de 2019

Entre o deprimente e a luz do sol ou a água fresca

Uma semana completada com o corpo sentado por quase quarenta horas. No último dia dessa semana de corpo febril, sai quase correndo da cadeira ao lugar mais reservado daquele lugar: a cabine no banheiro feminino. Por pouco berraria ou cantaria em lágrimas ali mesmo na cadeira, no meio de toda a gente que um dia (ah, esse dia) reclamou de umas gargalhadas genuínas. Foi defecar de tanto que segurou o corpo trêmulo e fóbico. Ambiente confinado, defeca, urina, contorce a face em choro já impossível de conter. Coloca Milton Nascimento dentro dos ouvidos. Coração civil, fé cega faca amolada, travessia, me faz bem...ponta de Areia. Aciona a descarga e completa a trivial limpeza das partes. Corpo contorcido chora ainda. Vai pro chão e o encolhe como um feto dentro na barriga. Milton Nascimento enfiado nos ouvidos. Mas que diabos! Que arranjo sensacional em me faz bem! Que coro lindo dessas vozes infantis.

sexta-feira, 5 de abril de 2019

Eu passo por Ondina e penso que é o último dia daquele dia em Ondina
A casa parece se alastrar pelas ruas para além
Eu esparramada pelos chãos da cidade
Ora radiante, ora mendicante
Uma crença no nada! Sustentem a mim em pé, meus amores!
Sem vocês eu morro
E o morro não tem vez

quarta-feira, 3 de abril de 2019

A DONA DO TERREIRO VAI ATÉ O CHÃO

- É até o chão, Babá? Eu desço. Agora deixe comigo. Você sabia que aqui já foi uma roça? Isso não é estranho?

- É.

- Estamos em loteamentos do terreiro. Claro que é impossível. Veja o destino o que fez, minha Nossa Senhora, Babá?!

Ela foi embora, disse querer acordar no axé dela. Pouco importa se voltará, as pessoas falam em desapego. Sente o corpo ressoar as suas vibrações, Babá?

ESCANCARANDO O JOGO

As contas lhe doem o pescoço. Você deve saber o que é aprender a gostar. Assim, saindo de casa em um dia nublado com quase toda a família dentro de um automóvel sempre indo e ver Alexandra toda de branco parada na calçada e depois ver Antônio passar e, ainda que buzine, ele dificilmente escutaria e o sol surgindo. Esse pode ser o último dia no imenso terreiro dessa dona.

ABRINDO O JOGO

Mais uma vez nas águas os dois. Águas do ceu à beira mar. Ela se distancia diante do corpo dele sem sinais de disponibilidade. O som se espalha e ela rodeia esse terreiro pra sentir por todos os lados o que emana daquele arco-íris esbranquiçando em muitas notas.
- Isso é amor.
- Eu sei.
- Eu não direi mais nada sobre o levante, faça. Muitos estão sendo exilados e as notícias sempre chegam até você antes que eu as compartilhe.
A água corre pelos seus corpos bastante próximos agora. É na ori, Babá, onde você quer que ela deslize suas mãos em água? É água pura, quando tem que passar nem pede licença. Cuidado com o tempo, ele urge.
A Dona do Terreiro está comovida com a entrega. Às vezes te trata como uma criança, Babá.

domingo, 31 de março de 2019

Uma multidão
E solidão
Uma paixão
Até duas paixões
E solidão
Uma alegria
Uma tristeza
Um tédio
Uma euforia
Um amor para sempre
Uma mentira para sempre
A vida para sempre
A morte na certa
E o entre...
Em mim...
E agora?
Um foda
Uma soneca
Muitas gargalhadas
Todo o silêncio
Um desenho
Páginas em branco
E entre...
No mundo...
E agora?

Todo carnaval tem seu fim

Aquela fome
A inapetência
O entorpecente
O antagonista
Um cheiro
A boca aberta
Pênis
Buceta
Fluidos
Membrana
Entre...
Agora.

terça-feira, 19 de março de 2019

Comprimido Diário - xx

Prezado, fiz o teste. Se eu te consumo, minha voz altera, eu fico sem controle na respiração, talvez porque ela passe a ser controlada por você. Porém, com você a coisa parece estar sob controle no corpo, ele fica manso. A sensação de vazio aumenta, os pensamentos suicidas continuam nos primeiros 30 dias. Te falei, mata. Ontem apontaram a minha expressão alterada, olhei e vi, alterada do manso, estava com algum desconforto cujo nome não alcancei. Sinto oscilações, inclusive no corpo, lado  esquerdo ao longo do corpo, algo que passa e me causa agonia. Dessa última, o pensamento traz automaticamente a possibilidade do ansiolítico. Como vou viver sem a minha voz? Como vou viver sem você?

segunda-feira, 18 de março de 2019

domingo, 17 de março de 2019

Eu te amo proferido um dia. Eu te amo proferido todo dia até... Lugar algum eu te amo foi tão continuamente evocado. Eu acredito em eu te amo. Porque tem que ter fantasia.

sábado, 9 de março de 2019

É TEMPO DE AXÉ



- Vai abrir a porta do terreiro? Já estou indo.

- Me chame.

Ela foi e voltou duas vezes, Babá. Quase desistiu. Fazer refeições juntos parece coisa de quem escancarou a porta. E é. E a porta do terreiro dela, por que não atravessou? Agora é solo de baixo acústico cantando "o morro não tem vez".
Quando o silêncio chegar vou dar play pra escutar a sua voz. Agora não posso. Há crianças pulando numa cama elástica. Elas cantam quando é tocada a música do carnaval desse ano. Cantam o maior sucesso das últimas paradas da cidade. Enquanto pulam enquanto cantam, eu aguardo o silêncio chegar. Sua voz me acalenta mas eu duvido. Duvido do ser humano. Eu sou o movimento desfocado de uma corda tensionada em algum instrumento musical enquanto é tocada.
Me faça sucos. Raízes e frutas e folhas. Há dentro de você uma planta crescendo. É lindo. Um milagre. Meu coração agora está cheio de esperança na vida.
Será uma criança filha da terra de andarilhos desse Brasil. Essa gente que vive com muito pouco que o pouco povo dá. Trabalha essa gente. Unem nações. Ainda é um coração batendo e neurônios avançando a todo vapor.
Faz tempo não sinto arrepios.
O cão não se conteve, sem desconfiança, parecia saber da presença germinativa antes. Incrível. Presente.

quinta-feira, 28 de fevereiro de 2019

BABÁ CHAMA A DONA DO TERREIRO

A água é corrente e banham-se.

- Como é bom ser cuidado.

- Vou até o chão, Babá, mas isso não é trabalho de Dona do Terreiro, então, aproveite que ela está aqui.

Babá está contente - toca, canta, dança, dorme, seu corpo é a oferenda e está em boas mãos.