quarta-feira, 10 de julho de 2013

MICHEL FOUCAULT - SABER E PODER



Este trabalho é referente à apresentação dos seminários temáticos, propostos pela disciplina Fundamentos Epistêmicos da Psicologia, ministrada pela docente Sônia Vergasta, cujo tema é “Michel Foucault: saber e poder”. A formatação está divida em três partes: PARTE I - Introdução, contendo uma breve abordagem biográfica de Michel Foucault e sua intenção filosófica, - a seguir a PARTE II - Desenvolvimento, explanando o tema propriamente dito – e PARTE III - Considerações Finais.

PARTE I – INTRODUÇÃO

“Para dizer a verdade, eu não sou filósofo, eu não faço filosofia no que eu faço. Eu não pergunto ‘o que é conhecer’. Eu diria que é preciso fazer uma história das problematizações, quer dizer, a história da maneira pela qual as coisas produzem problemas.” (FOUCAULT).

Nasceu em Poitiers, na França, em 15 de outubro de 1926, e morreu, em consequência da AIDS, em junho de 1984. Levou o mesmo nome que o avô e o pai, porém não seguiu a profissão das gerações anteriores – a medicina.  Em 1948, após tentativa de suicídio, seu pai o leva para o hospital Saint-Anne, encontro decisivo com a instituição psiquiátrica, ponto de partida para as suas reflexões. Em 1949 apresenta a sua tese sobre Hegel, concluindo seus estudos em filosofia e diplomando-se em psicologia. Em 1950 filiou-se ao Partido Comunista Francês - atitude de grande parte da juventude intelectual diante do pós-guerra, pois a França tinha se aliado ao nazismo - mas não levou muito tempo. O seu país naqueles tempos era repressor, a sociedade culturalmente conservadora e fechada, as escolas eram disciplinadoras e rígidas, as mulheres só expressavam suas opiniões com o consentimento dos maridos e a homossexualidade era diagnosticada pelos médicos como uma doença. Foucault era homossexual, sofreu, e várias vezes tentou suicídio devido a sua realidade. Ainda assim conseguiu manter uma vida dedicada ao trabalho, através da sua atuação acadêmica, na qual conheceu os seminários de Jacques Lacan, aproximou-se da teoria de Nietsche, Freud, Piaget, Janet entre outros. Na década de 60 já estava colocado ao lado de estudiosos e filósofos como Jacques Derrida e Claude Lévi-Strauss, enxergados como contrários ao existencialismo de Sartre, pelo estudo dos sistemas e estruturas (estruturalismo). É importante trazer o conceito de estruturalismo, pois, embora colocado no grupo dos pós-estruturalistas, o próprio rejeitou esse lugar. Segundo Danilo Marcondes, o estruturalismo.

“(...) se define por tomar a noção de estrutura como central em seu desenvolvimento teórico e metodológico. Uma estrutura é um sistema, um conjunto de relações definidas por regras, um todo organizado segundo princípios básicos, de tal forma que os elementos que constituem este todo só podem ser entendidos como partes do todo, a partir das relações em que se encontram com outros elementos que compõem o todo”.
(MARCONDES)

Foucault rejeitou a fenomenologia e o existencialismo. Acreditava que todo tipo de discurso é uma tentativa do locutor de exercer poder sobre os outros. A sua teoria emanou das análises de campo em instituições estabelecidas pela sociedade capitalista, identificando as diferenças que marcaram a passagem do período renascentista (século XV e XVI) para chamada Idade Clássica (século XVII e primeira metade do século XVIII) e, em seguida, as que marcaram a passagem da idade clássica para a moderna. Deslocando o lugar da ciência como saber absoluto, Foucault passa a trabalhar com as questões transitórias da sociedade moderna, dando ênfase às relações de significação, dedicando o olhar aos aspectos estabelecidos independentemente da subjetivação, da consciência individual.
O momento histórico no qual começa a produzir suas principais obras é favorecido pelo Maio de 68 francês - manifestação estudantil que mudou profundamente as relações entre raças, sexos e gerações na França, e, em seguida, no restante da Europa, ajudando a fundar ideias como as das liberdades civis democráticas, dos direitos das minorias, e da igualdade entre homens e mulheres, brancos e negros e heterossexuais e homossexuais – quando, em 1969 é publicada “A Arqueologia do Saber”.

PARTE II – DESENVOLVIMENTO

“A verdade é deste mundo; ela é produzida nele graças às múltiplas coerções e nele produz efeitos regulamentados de poder. Cada sociedade tem seu regime de verdade, sua política geral de verdade: isto é, os tipos de discurso que ela acolhe e faz funcionar como verdadeiros; os mecanismos e as instâncias que permitem distinguir os enunciados verdadeiros dos falsos, a maneira como se sanciona uns e outros; as técnicas e os procedimentos que são valorizados para a obtenção da verdade; o estatuto daqueles que têm o encargo de dizer o que funciona como verdadeiro”.
(FOUCAULT)

Como se produz a verdade que a sociedade capitalista assumiu? Como foi regulamentada, configurada em saberes qualificados como verdadeiros? Foucault pensa na arqueologia do saber como método de análise do discurso de um determinado saber, tornando explícitos os elementos implícitos a este saber e às transformações consequentes dele, utilizados como exercício do poder. Assim, começou a sua pesquisa sobre a genealogia do poder através das relações entre os saberes sobre a loucura e o nascimento da psiquiatria, centralizando sua análise nos espaços institucionais de reclusão do louco. Verificou que a psiquiatria, reconhecida como saber científico sobre a loucura, não retirava os loucos da condição de margem da sociedade, mas sim reafirmava este lugar, aliado a múltiplos caracteres, tais como econômico, político, judiciário e epistemológico - o saber psiquiátrico favoreceu o estabelecimento da função de instalação polimorfa de poder. Embora esse tema não seja o fundamental nas produções de Foucault, o poder sempre aparece em referência em toda a sua obra. Para ele, o Maio de 68 foi um momento de concretude do poder, quando manifestantes demonstraram que o poder não é algo apenas exercido pelo Estado. Em todas as instituições consagradas ao ensino e ao saber existe também o poder, e por esse motivo o saber não é a  “cura” contra o poder - ele é instrumento do mesmo, sujeitando os indivíduos. Contrapondo-se à Marx, que vê na luta de classes a origem da desigualdade e do poder e o Estado o lugar desse poder, Foucault desconstrói essa concepção e as demais. O discurso da ciência hierarquizada, sinônimo verdade absoluta e neutralidade, o que nos remete ao positivismo de Auguste Comte*, aqui também se rompe. A ciência está a serviço da manutenção do poder, o saber está entrelaçado com o poder, e sua existência é um discurso. A atividade científica, os discursos científicos, está para servir à normatização da sociedade. Foucault propõe o rompimento do monopólio das verdades das instituições científicas – a verdade, enquanto tal, não existe, o que existe são construções da verdade e ele é o primeiro a abordar, na análise dos discursos, a questão do poder. O discurso não tem fronteira, assim como o poder.
*Segundo Julían Marías “Comte fez uma classificação das ciências que teve grande influência num momento posterior (...). As ciências estão numa ordem hierárquica determinada, que é a seguinte: matemática-astronomia, física-química, biologia-sociologia (...); cada uma necessita das anteriores e é necessária para as seguintes.

Na Idade Média a sociedade era penal, portanto o poder estava no monarca, e os crimes eram avaliados como uma afronta a essa figura – o poder aí é incontestável e concreto. As penalidades eram suplícios em rituais públicos, quando começaram a serem substituídos pelo que Foucault chamou de  “[...] reforma psicológica e moral das atitudes e de comportamento dos indivíduos” (FOUCAULT) – a sociedade disciplinar, na qual  aborda a concepção de indivíduo e sua liberdade de ação. A prisão foi a consequência mais marcante dessa reforma.

“Prender alguém, mantê-lo na prisão, privá-lo de alimentação, de aquecimento, impedi-lo de sair, de fazer amor etc., é a manifestação de poder mais delirante que se possa imaginar. (...) A prisão é o único lugar onde o poder pode se manifestar em estado puro em suas dimensões mais excessivas e se justificar como poder moral.” (FOUCAULT)

O crescimento da sociedade disciplinar trouxe a vigilância, o condicionamento, o controle, somado à auto-penitência, vergonha e ao auto-policiamento. Foucault tomou ciência do projeto do jurista Jeremy Bentham, do século XVIII, que idealizou o modelo arquitetônico como ferramenta de observação constante que pouco a pouco se espalhava pelas prisões, hospitais, escolas, cidades operárias. Eis o que denominou de dispositivo da visibilidade panóptica, “ver sem ser visto”. Hoje as câmeras fazem sair dos muros das instituições a atuação do vigilante na torre.

“(...) um edifício em forma de anel, no meio do qual havia um pátio
com uma torre no centro. O anel se dividia em pequenas celas que
davam tanto para o interior quanto para o exterior. Em cada uma
dessas pequenas celas, havia segundo o objetivo da instituição, uma
criança aprendendo a escrever, um operário trabalhando, um
prisioneiro se corrigindo, um louco atualizando sua loucura etc. Na
torre central havia um vigilante. Como cada cela dava ao mesmo
tempo para o interior e para o exterior, o olhar do vigilante podia
atravessar toda a cela; não havia nela nenhum ponto de sombra e,
por conseguinte, tudo o que fazia o indivíduo estava exposto ao
olhar de um vigilante que observava através de venezianas, de
postigos semi-cerrados de modo a poder ver sem que ninguém ao
contrário pudesse vê-lo” (FOUCAULT)

Formas de exercício de poder e modelagem do comportamento da sociedade produzem um novo retrato. As instituições são arquitetadas para controlar e servir como dado na construção de saberes, que vão retroalimentar o poder de vigília. O saber vai se construindo quanto menos se interrompe a vigília. As relações de poder existentes nas prisões encontraram-se na criminologia; nos hospitais encontraram-se na classificação das doenças, na proliferação de diagnósticos e prescrições sobre os riscos; nas escolas encontraram-se na pedagogia, propiciando a expansão de ideais de disciplina, boa-educação, boa-conduta; nos hospícios encontraram-se na psiquiatria, a serviço das identificações de padrões de normalidade, condutas suspeitas, sintomas de desvios. Além do controle do prazer e da sexualidade, com discursos referentes à indecência, promiscuidade, perversão. O controle do tempo, dos corpos e a instalação de um poder polimorfo são funções principais do que chamou de instituições disciplinares, correspondendo com as funções de toda a sociedade na quais elas se estabelecem.

“E foi esse entrelaçamento (‘encontro’) do poder com o saber que possibilitou, justamente, a referida configuração da sociedade
disciplinar. Da mesma maneira que permitiu que os cuidados e
preocupações com a disposição do espaço, com o controle do tempo,
com a ininterrupta observação e vigília atrelados à elaboração de
registros, à distinção de condutas e hábitos e à produção de conhecimentos específicos difundissem-se por todos os cantos e
recantos.”
(SILVA)

E assim vai se configurando o poder disciplinar, multiplicando os olhares da vigilância em uma sociedade disciplinar. As relações do cotidiano são advindas de uma complexidade de fatores que vêm não só das instituições, mas também das práticas e dos diferentes posicionamentos dos próprios sujeitos sociais, por isso o poder disciplinar está em toda parte e se apresenta sem ser notado. Foucault afirma que não existe o poder na sua definição convencional, e constrói uma nova significação - o que existe são relações de poder. A etimologia da palavra poder carrega uma palavra ou ação que exprime força, persuasão, controle, regulação. De acordo com o dicionário de filosofia, a palavra poder se define como:

 “a capacidade de este conseguir algo, quer seja por direito, por controle ou por influência. O poder é a capacidade de se mobilizar forças econômicas, sociais ou políticas para obter certo resultado (...)”
(BLACKBURN)

O poder está nas relações, construídas pelo discurso do saber. É transitório. O Estado não é a única representação de poder, é instrumento de um sistema de poderes que pode estar localizado nele e além dele, contém poderes locais e não representa punição e repressão, mas é constituinte da produção dos saberes.

“Os intelectuais descobriram recentemente que as massas não necessitam deles para saber; elas sabem perfeitamente, claramente, muito melhor que eles; e elas o dizem muito bem. Mas existe um sistema de poder que barra, proíbe, invalida esse discurso e esse saber. Poder que não se encontra somente nas instâncias superiores da censura, mas que penetra muito profundamente, muito sutilmente em toda trama da sociedade” (FOUCAULT)
Não existe em Foucault uma teoria geral do poder, sua obra é incrustada de todos os seus temas.

 PARTE III – CONCLUSÃO
Curioso em relação às questões da existência e condição humana, Foucault traz a sua versão sobre o poder diferentemente da noção convencional. O que une essas partes do topo são as relações de poder. Através da análise do que ele chama de “praias desertas”, ambientes inexplorados como as instituições escolares, hospitalares, carcerárias, vai analisar o exercício do poder através da constituição dos saberes, explorando e problematizando o contexto sociocultural da modernidade. É importante ressaltar que é possível vislumbrar as consequências da sociedade disciplinar em perpetuação. Foucault em sua produção intelectual não propôs soluções, apenas trouxe o evidente e problematizações, propondo uma atividade reflexiva.  O “eu”, do “penso, logo existo” de Descartes, já não se refere ao individual, mas sim às regras sociais praticadas e espalhadas pelo corpo social, concebendo o indivíduo como sujeitos sociais das relações de poder e de saber.

REFERÊNCIAS
- FOUCAULT, Michel; Microfísica do Poder/Michel Foucault. Organização, introdução e revisão técnica de Roberto Machado. 25ª Edição. São Paulo: GRAAL, 2012.
- MARINHO, Ernandes Reis; As Relações de Poder Segundo Michel Foucault. E-Revista Facitec, v.2 n.2, Art.2, dezembro 2008.
- SIMIONI, Ana Paula Cavalcanti; Os Efeitos dos Discursos: saber e poder para Michel Foucault e Pierre Bourdieu. Plural; Sociologia, USP, São Paulo, 6: 113-117, 1.sem, 1999.
- BLACKBURN, Simon. Dicionário Oxford de filosofia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1997.
- SILVA, José Cláudio Sooma; Revista Aulas; Dossiê Foucault, N. 3 – dezembro 2006/março 2007.
- MARCONDES, Danilo; Iniciação à História da Filosofia. 4ª ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2000.
- MARÍAS, Julían. História da Filosofia. Tradução Claudia Berliner. 1ª Edição. São Paulo: Martins Fontes, 2004.