terça-feira, 30 de abril de 2019

DEIXE LÁ, DEIXE ELE, DEIXE ELA

Não sou eu, nem é você, é em terceira pessoa. Sente saudade. Ainda bem que você tem aparecido, viu, Babá, porque senão o terreiro ia molhar todo de água salgada.

- Água pro seu fogo, quando me chama de amore. E de minha linda também me chama quando quer água. Quando procurar minha mão de água, Babá, serei toda oceano.
Aquilo absorve de um jeito tão esponja que se contorce todo pra se desfazer. O mau olhado. Olhou errado. A sua cor. Uma escrava sedenta. A sua pele. Uma mulher da vida. Isso é o real.

domingo, 28 de abril de 2019

A janela com folhas, daquelas janelas de casarões, estava sendo fechada porque (como não vira isso antes?) ladrões poderiam a qualquer tempo subir a rampa gramada até lá. Nada de grades. Mais que uma rampa, a janela estava na crista do morro. Que felicidade olhar aquele verde vivo e o mar lá embaixo, poças em pedras cheias de patos! Patos pelas poças sendo recolhidos pelos pescadores para fora. Mas que diabos estão fazendo? São patos imigrantes, não podem manejá-los, eles sabem porque estão ali naquele mar. A ignorância às vezes é mesmo uma santa. Deixados os patos, gritos para uma cadela amiga convidado-a subir no morro. Sobem dois cachorros desconhecidos. Tudo bem, está tudo bem, podem ficar aí do lado de fora. Um menino da infância também surge enquanto os trincos da janela estão sendo fechados.

sexta-feira, 26 de abril de 2019

O depressivo afunda na lama invisível do mundo.
É preciso entrar em estado de atenção para que isso exista menos e se possível desapareça.
O exercício de entrada acontece com a voz, a música e o teatro, chamando para uma determinada vibração de modo que a dinâmica vibracional é o que conduz à performance.

Escrever
Pensamento em forma de poesia
Cantar
Deprimir
Interpretar

domingo, 21 de abril de 2019

O barco está no mar e uma pessoa só rema. Bate o remo e cansa. Puxa a corda e, feliz, colhe a rede. Ainda muito só, canoeira, pescador de nenhum mar. A solidão parece inerente ao barco.

sábado, 20 de abril de 2019

A última palavra

A última palavra é a palavra que mata a vida
A última palavra é a que o silêncio diz
Ela é última quamdo a esperança se esvai
Última chance
Último minuto
Última capítulo
Último suspiro

A palavra última não é um ponto final
Muitas vezes nem proferida ela é
É um sim, um não
Um acabou para sempre
Me esqueça
Para sempre

A palavra desvela
A oportunidade de abrir
E logo se fecha
Dilata as pupilas quando é última
É uma não inspiração
O rompimento
O sinal da seca
A garganta rouca
O corpo abatido

Quero lhe dizer a última palavra
Carregada desse amor impossível
Ela não serve a nada
Parecem nem entrar nos seus ouvidos
Faz parte desse ócio enquanto espero a sua última palavra
Se sou por você proibida de falar na morte



Estava falando em rasuras imaginárias, eu escutei bem. Estava trabalhando por toda essa vida pra dizer palavras. Palavras bem ditas, esse trabalho. Aquele todo ódio dentro que sai, após muito trabalho, sai melhor. Talvez melhor ser uma que caiba nas caixinhas imaginárias. Enquanto tento aprender a falar o que escrevo com João Cabral de Melo Neto, explico que:
1. No final das contas, sempre surge alguém pra ser o que é louco. Geralmente é falado de um homem para uma mulher.
2. Tem coisas nessa vida que eu não posso alterar a meu favor, apenas posso pedir aos meus pares certa compreensão.
Estou me preparando pra oferecer a minha carne

quarta-feira, 17 de abril de 2019

Quando resolvi me livrar de todos
Teve um que ficou
Ficou mas indo embora
Fingindo que não está
Eu também finjo agora
Bloquinhos contra o mal estar
Enquanto todos estavam
Em moscaria em meus cabelos
Atrapalhavam a minha paz de pensamento
Era tanto rancor
Tanto ciúmes
Tanto desejo até hoje
E como pode?
Nada mais
Eram todos nenhum

ARREPIOS E ARREPIOS

- Ao mesmo tempo que a missão se cumpre em comunhão, ela se cumpre na solidão do missionário. A missão é aquela coisa que chama a vida. A vela pra Mãe está acesa olhando pra mim, eu quem me pus lá, veja você. Agora ela me presenteia e eu acendo uma vela enquanto o corpo vibra e quase eu recebo pela minha ori, aqui mesmo, em pé, esperando a gota pingar da vela. Parece que foi a primeira vez que a fé passou pelo meu corpo. Onde está Babá?


Babá, ela sempre pensa em você e está consciente desse infinito missionário, pois Dona do Terreiro ela é. Você lhe ofereceu esse presente dos ceus e veio de bom grado. Se não fosse você agora ela não agradeceria direito.

- E aí?

- Chupa toda.

domingo, 14 de abril de 2019

Não é amor, é uma busca por algo que ninguém sabe mesmo o que é. A outra língua desfoca o pensamento choroso. O pensamento choroso é aquele pensamento que invade quando é preciso tomar decisões difíceis. O amor é como tentar entender o mundo e para onde ele se dirige. Há o mal estar eterno, a intolerância eterna, a luta eterna pelo simples viver. Há competição entre os irmãos (e as irmãs). Machos imbecis cutucam fêmeas sado-masoquistas. Por quê? Um escolinha bem feitinha de machos imbecis e de fêmeas sado-masoquistas. Então, retornemos ao eu de que jeito contra a imbecilidade dos machos que cutucam fêmeas sado-masoquistas. Nota que fêmeas sado-masoquistas são as filhas dos machos imbecis. O peito de femeas palpita quando aprende a andar e depois olha bem e ouve bem macho desdenhar porque no meio de suas pernas... bem no meio de suas pernas... Vê no meio de suas pernas? O buraco do mundo. Vê. Onde a vida passa. Vê? Aquilo que chamam de maior amor do mundo saindo dali do meio. Vê? Vê, macho? Olhe direito. Vê? Está cego macho? Pra quê luz no buraco? Meta a mão, macho! Quero ver se você tem coragem de meter a mão no buraco do mundo que dá passagem à vida. Você, macho, mata a vida do buraco nasce. Por quê? Por que você acredita que é macho?

sábado, 6 de abril de 2019

Entre o deprimente e a luz do sol ou a água fresca

Uma semana completada com o corpo sentado por quase quarenta horas. No último dia dessa semana de corpo febril, sai quase correndo da cadeira ao lugar mais reservado daquele lugar: a cabine no banheiro feminino. Por pouco berraria ou cantaria em lágrimas ali mesmo na cadeira, no meio de toda a gente que um dia (ah, esse dia) reclamou de umas gargalhadas genuínas. Foi defecar de tanto que segurou o corpo trêmulo e fóbico. Ambiente confinado, defeca, urina, contorce a face em choro já impossível de conter. Coloca Milton Nascimento dentro dos ouvidos. Coração civil, fé cega faca amolada, travessia, me faz bem...ponta de Areia. Aciona a descarga e completa a trivial limpeza das partes. Corpo contorcido chora ainda. Vai pro chão e o encolhe como um feto dentro na barriga. Milton Nascimento enfiado nos ouvidos. Mas que diabos! Que arranjo sensacional em me faz bem! Que coro lindo dessas vozes infantis.

sexta-feira, 5 de abril de 2019

Eu passo por Ondina e penso que é o último dia daquele dia em Ondina
A casa parece se alastrar pelas ruas para além
Eu esparramada pelos chãos da cidade
Ora radiante, ora mendicante
Uma crença no nada! Sustentem a mim em pé, meus amores!
Sem vocês eu morro
E o morro não tem vez

quarta-feira, 3 de abril de 2019

A DONA DO TERREIRO VAI ATÉ O CHÃO

- É até o chão, Babá? Eu desço. Agora deixe comigo. Você sabia que aqui já foi uma roça? Isso não é estranho?

- É.

- Estamos em loteamentos do terreiro. Claro que é impossível. Veja o destino o que fez, minha Nossa Senhora, Babá?!

Ela foi embora, disse querer acordar no axé dela. Pouco importa se voltará, as pessoas falam em desapego. Sente o corpo ressoar as suas vibrações, Babá?

ESCANCARANDO O JOGO

As contas lhe doem o pescoço. Você deve saber o que é aprender a gostar. Assim, saindo de casa em um dia nublado com quase toda a família dentro de um automóvel sempre indo e ver Alexandra toda de branco parada na calçada e depois ver Antônio passar e, ainda que buzine, ele dificilmente escutaria e o sol surgindo. Esse pode ser o último dia no imenso terreiro dessa dona.

ABRINDO O JOGO

Mais uma vez nas águas os dois. Águas do ceu à beira mar. Ela se distancia diante do corpo dele sem sinais de disponibilidade. O som se espalha e ela rodeia esse terreiro pra sentir por todos os lados o que emana daquele arco-íris esbranquiçando em muitas notas.
- Isso é amor.
- Eu sei.
- Eu não direi mais nada sobre o levante, faça. Muitos estão sendo exilados e as notícias sempre chegam até você antes que eu as compartilhe.
A água corre pelos seus corpos bastante próximos agora. É na ori, Babá, onde você quer que ela deslize suas mãos em água? É água pura, quando tem que passar nem pede licença. Cuidado com o tempo, ele urge.
A Dona do Terreiro está comovida com a entrega. Às vezes te trata como uma criança, Babá.