sábado, 26 de novembro de 2016

UMA BREVE ANÁLISE INSTITUCIONAL

Vou falar da instituição psicanalítica. Falar sobre o que eu vivi nessa instituição chamada Confraria dos Saberes, fundada no bairro de Ondina em Salvador no ano de 2006 pelos psicanalistas  Maria da Conceição Nobre e Eduardo Sande, egressos do Colégio de Psicanálise da Bahia. Trata-se de uma composição de análise institucional sobre a formação do psicanalista no Brasil..
De que vale um diploma de formação psicanalítica e a exigência do nível superior para o exercício do ofício?
 A biografia de uma das mais importantes psicanalistas pós-freudianas, Melanie Klein (1882-1960), informa que ela “chegou a estudar arte e história na Universidade de Viena, mas não chegou a graduar-se”. Fez análise com Ferenczi, discípulo direto de Freud e fundou sua escola de psicanalise em Londres. Caminhando no que eu tenho construído como a minha linha freudiana do tempo aparece, após Klein, o psicanalista argentino com formação kleiniana, Emilio Rodrigué. Residindo na Bahia, escreveu a biografia de Freud em três volumes publicada aqui no Brasil pela editora Escuta em 1995 – Sigmund Freud, O Século da Psicanálise (1895-1995), contribuindo à psicanalise local na formação de muitos psicanalistas, tal como Maria da Conceição Nobre, sua analisanda e minha analista.
Eu, graduanda em psicologia, sou uma psicanalista?
A história da psicanalise apresenta na biografia de importantes psicanalistas, o rompimento com a instituição psicanalítica, aliado a fatores que geram esse rompimento – a repetição destes casos merece ser destacada. Muitas vezes é  um rompimento no campo teórico, como assistimos na famosa história de Freud e Jung ou de Freud e Ferenczi, o primeiro deserdado e este último diagnosticado como psicótico. Eu costumo dizer que Jung é um psicanalista e que Ferenczi, além de psicanalista é o verdadeiro príncipe herdeiro.  Os mais contemporâneos Jacques Lacan e Françoise Dolto também não escaparam da repetição, ambos rejeitados pela IPA (International Psychoanalytical Association).
O caminho na psicanálise é de cada um.
A instituição psicanalítica é um agrupamento de psicanalistas, que “estudam e discutem casos clínicos, pensam sobre a teoria, produzem trabalhos clínicos e teóricos e vivem no divã o método que pretendem utilizar” (SALEME, 2008, p. 103), formando novos psicanalistas - pessoas em análise que se dispõem a estudar a teoria e desenvolver a prática.  Freud diz que um psicanalista é aquele que faz análise e estuda a teoria. Eu também costumo dizer: a teoria é o chão da análise, é ela quem dá os calços para que o analisando se reconheça em seu processo, cujo trabalho consiste na flutuação do discurso atraindo novos significantes para a alteração do caminho de desejo do sujeito. Concordo com SALEME (2008, p.119): “O analista só pode compreender os conceitos psicanalíticos se puder reconhecê-los em si próprios”. Portanto o saber da teoria psicanalítica está intrinsicamente aliado à análise, e não há teoria psicanalítica sem a clínica psicanalítica.
No Brasil. hoje existem instituições psicanalíticas emitindo diploma de formação de psicanalista. Um papel assinado por uma instituição psicanalítica reconhecendo a existência de um psicanalista é o que faz um psicanalista?
Um psicanalista no Brasil precisa somente ter nível superior para exercer o ofício, conforme a Classificação Brasileira de Ocupações, emitida pelo Ministério do Trabalho (2010). O Projeto de Lei Nº 3.944/2000, de autoria de Eber Silva, versa em seu capítulo IV que quem fiscalizará e registrará as entidades serão os Conselhos Federal e Estadual de Medicina. O Projeto de Lei foi rejeitado por unanimidade pela Comissão de Seguridade Social e Família nesse mesmo ano e está arquivado. O artigo de BALEEIRO apresenta um apanhado da mobilização nacional, desvelando que há um interesse da Sociedade Psicanalítica Ortodoxa do Brasil (uma sociedade civil de direito privado) em ser pioneira na regulamentação da psicanálise. Segundo a autora:

“De qualquer maneira os grupos que atuam em psicanálise começaram a se incomodar.
Nos parece que o projeto retira ursos das cavernas, mexe com vaidades, une facções,
promove discussões.” (BALEEIRO, 2001)

Eu, diplomada em nível médio profissionalizante desde 2000, sou uma psicanalista.
Passei a ser membro da Confraria dos Saberes em 2006. Fiz análise com Maria da Conceição Nobre e por ela fui convidada a ingressar no grupo. Leituras, roda de discussões, eventos filosóficos, estatuto de formação de psicanalise, atendimentos, testagens de inovações técnicas tal qual dispositivo nomeado como “mundofreudiano”, apresentação de casos clínicos, coordenação de grupos de estudos – fui instituída psicanalista por mim e pelos meus pares dentro de uma organização.
Porém a normopatia esteve lá. Este termo foi encontrado em minha leitura do livro de Maria Helena Saleme, cujo título é “a normopatia na formação do analista”, publicado em São Paulo pela editora Escuta, em 2008, com prefácio de Joel Birman.  Ao trazer sobre as repetições sintomáticas dentro da instituição psicanalítica, esclareceu-me sobre os entraves vividos na minha formação até a minha saída da organização em 2015, com condução às reflexões sobre a instituição – a hipótese da autora “é de que as formações psicanalíticas inserem o analista em formação em uma montagem perversa que transforma a criatividade em normopatia” (p.105)
Quando da criatividade, não atende mais à instituição o formando. A autora traz que a alteridade é posta de lado dentro da instituição pelo jogo de poder, impedindo a criação, o que me leva a supor que isso se refere não somente ao “enrijecimento da teoria psicanalítica e o advento das instituições psicanalíticas” (p.103), mas também a questões de extimidade (conteúdos do setting analítico que vazam para o ambiente externo) e contratransferência (manifestação do inconsciente na análise) na instituição, haja vista que os psicanalistas em formação geralmente são atendidos por psicanalistas do próprio grupo. Então há um convívio. Eu o vivi até por sete anos dentro da instituição.  
“A psicanálise não é uma questão de ensino e sim de ‘transmissão’. A transmissão da psicanálise se passa pela identificação com a postura ética de outros analistas. A teoria está escrita, alguém pode conhecer todos os livros escritos sobre o assunto e não será, por isso, um psicanalista. A psicanálise possui uma ética e uma liberdade de pensar que se contamina e é transmitida na convivência com o psicanalista quando ele mostra como ouve e como se posiciona frente às questões. A transmissão se dá no contágio. É por isso que o aumento de regulamentos e de critérios burocráticos não traz garantia nenhuma. Ao contrário (...) transmite algo diverso do que se poderia chamar psicanálise.” (SALEME, 2008, p. 103)
Atravessar as questões de uma instituição psicanalítica requer um debruçamento sobre o que é um psicanalista, passando pelo entendimento de que um psicanalista se faz psicanalista no divã, no encontro com o seu desejo, manifestando a sua singularidade, a sua arte, a sua política, perfazendo caminho pelo chão da teoria freudiana.
“Justamente porque a falta-a-ser, que coloca o sujeito em movimento de transformação no decurso da própria análise, muito provavelmente, o colocará assumindo possíveis autorias reflexivas e técnicas a partir de suas flutuações, abrindo “chãos” tão singulares quanto seu próprio percurso como analisante, ou seja, novas perspectivas teóricas e testagens práticas, como ocorreu com os já citados Jung e Ferenczi. Sendo assim, a psicanálise estaria muito mais para apoiar a falta-a-ser do sujeito, pela via de sua criatividade, do que seu encerramento, comum aos processos institucionalizantes, os quais tantas vezes tem ocorrido, a efeito do enrijecimento normopático.” (EDUARDO ROSA, 2016)1 
Entendo que essa análise coloca a própria psicanálise em questão.

1  Eduardo Augusto Rosa Santana, psicanalista e artista da dança, contemporâneo na formação psicanalítica na Confraria dos Saberes, doutorando em Artes Cênicas pela Universidade Federal da Bahia/Middlesex University London, com a tese sobre o surgimento do Movimento Atensional, em correspondência via aplicativo de mensagem instantânea em 27/11/2016.




Referências:
SALEME, Maria Helena. A normopatia na formação do analista. São Paulo: Escuta, 2008.
FREUD, Sigmund. Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: IMAGO, 2006.
BRASIL, Ministério do Trabalho e Emprego. Classificação Brasileira de Ocupações: CBP, 3ª ed. Brasília: MET, SPPE, 2010.
BALEEIRO,  Maria Clarice. Sobre a regulamentação da psicanálise. Trabalho apresentado na XIII Jornada do Círculo Psicanalítico da Bahia, novembro de 2001.
Biografia de Melanie Klein encontrada em: http://febrapsi.org.br/biografias/melanie-klein/



domingo, 20 de novembro de 2016

Eu
Sintonizo o fuso
Ele
Nem sabe

É um fantasma
 Quando eu vivo, eu sempre morro

Para alguém.