quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

Com
Pai
Chão
Com paixão
Compaixão
Com pai chão
Com 
Paixão
Ai

Dar para amar
Sei da sua dor
Então deixe estar
Não há culpa
Nem remorso
Use as palavras para amar
Coloque seu pai no devido lugar
Viva agora
Uma dor
Só pra recordar
Eu entendo a minha dor
A sua dor
suador
Sua
Dor

terça-feira, 25 de janeiro de 2011

O caminho do meio

Continuo procurando a origem dos minhas reações diante da vida real – os meus sintomas. Lembranças furtivas da infância vêm à consciência. As datas comemorativas não me causam aquela euforia, a alegria de simplesmente ser o determinado dia. Atribuo à vivência do meu primeiro ano, quando repentinamente minha mãe foi obrigada a ausentar-se em decorrência do trabalho de parto, quando nasceu a sua filha caçula. Talvez um acontecimento sem palavras dirigidas a mim e em meio a turbulência de um casamento imaturo. Sou a filha do meio.

Vivi a rejeição encarnada na minha irmã mais velha, afinal, dois anos e meio depois, eu havia surgido, mesmo que planejadamente, no lugar onde só a ela pertencia. Há um relato no qual eu ainda muito bebê, dela recebi um tapa na cara. Françoise Dolto coloca fatos como tapas e mordidas entre crianças dentro da falta de linguagem palavreada, relacionado à curiosidade de um sujeito para com o outro. Penso que o filho do meio fica num lugar de complicada significância. O mais velho, primogênito, a mais nova, a caçula. O do meio, no meio, não há um subjetivo consistente ao que me parece. Algo que permance no meio nos remete à ideia de conter caracteríscas das pontas, esquerda e direita, à ideia de equilíbrio, de constância – o que não há no ser humano das suas mais variadas formas de cultura.

Cresci escutando diariamente da minha irmã mais velha que o meu nariz não era nariz, eram ventas. O seu nariz, bem característico da raça negra herdada da nossa família paterna, era notoriamente diferente, pois o meu aprensentou logo a mistura entre uma mãe branca de olhos verdes claros e um pai negro. Então assim ela também me chamava em tom ameaçador e conceituoso: "sua negra!" Eu escutei durante anos, porém não houve qualquer internalização desse sentimento que por sua entoação de voz era dirigido com o objetivo de ofender a minha origem.

Quando uma briga qualquer com a irmã caçula, logo um intervenção da mais velha, sempre a favor da mais nova. Eu não possuía a liberdade para uma briga entre irmãs. Então uma articulação manipuladora era montada. Dois anos e meio de diferença durante a fase de crescimento e desenvolvimento de automonia entre duas crianças é algo importante a se considerar. Há que se ter um cuidado dos pais ou educadores para orientar essa convivência, transmitindo conceitos e valores como respeito, auto estima e segurança, espírito de comunidade e socialização, os quais a criança apreenderá e carregará para a sua geração.

Como minha irmã mais velha era uma exemplar aluna na escola e seu comportamento era impecável do trato para com os demais da família, representando bem a "ninhada" de meus pais, nada poderia abalar a sua imagem. Sua cama era individual (eu e a caçula dormíamos num beliche) e intocável, nenhuma das irmãs era autorizada a sentar-se nela, a não ser pela proprietária. Isso valia também para seus demais objetos, como brinquedos. Ah! Os brinquedos... tão inacessíveis e pouco socializados. A mão de minha mãe também descansava sobre essa regra. Um dia, eu queria o seu quadro negro, bem maior que o meu, mas não fui autorizada. Indignada por não poder usar visto que estava lá, parado, eu comecei a chorar, chorar muito. Meu pai, numa cena característica dos finais de semana, sempre desastrosos com a família, carregava na sua mão um copo de uísque e, diante da concordância materna em relação a tal "lei do quadro", tão arbitrária, permitiu que eu riscasse todo o chão de taco de madeira com giz. Nada pior para uma criança, a permissividade de um pai. Mas esse é um discusso para outro texto.

Seu vocabulário era extenso, (afinal aprendeu a ler e escrever antes das outras!), com habilidade conseguia persuadir os mais novos. Quando confidenciei-lhe um segredo, fui chantegeada até ao ponto de abrir mão do mesmo. Minha habilidade para circular entre as diversas faixas etárias era nata, mas inaceitável quando alguém do seu círculo era por mim atraído. Fui crescendo e tirando as minhas conclusões, tornando-me um sujeito que, entre trancos e barrancos, capegante nas descobertas e encontros com seus desejos até hoje, um dia chegou a pensar que não sabia desejar, pois os entes "queridos" declaravam-me como tal. Ao ser solicitada por minha mãe pela última vez para interceder num diálogo pacificador diante das inúmeras brigas conclusivas de separação com meu pai, eu disse não. Não iria me posicionar porque eu era filha, e não mulher dele, e esse não era um papel meu. Assim fui imediatamente retrucada pela minha irmã mais velha, agora adulta, formada em direito e "a única pessoa de direito" conhecida por minha mãe (segundo as palavras da mesma): "Essa menina não serve pra nada mesmo, é uma inútil!" Permaneci na minha posição, embora carregada pela dúvida "será que sou mesmo isso que dizem de mim?" Por muito tempo vivi essa retórica, pensando que conduzi a minha vida em prol de transgredir a vida "exemplar" de minha irmã mais velha. 

Hoje, faltando alguns dias para completar os meus trinta anos de nascida, sei que descolei da minha origem. Posso pensar livremente, independente. Deixo o caminho do meio, ao qual nunca pertenci.

Pequena biblioteca


segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

Eu na boca do rei do baião

Mariana
Composição - Luiz Gonzaga

Eu vou pra ver Mariana,
Mariana sorrir e dançar
Mariana brincando na vida, to correndo pra lá
E vou levando a sanfona, mode a gente cantar
Ei garota, pirritota, Mariana, Mariana
Ei garota, pirritota, Mariana, Mariana

Chegue aqui minha bichinha, chegue mais amor
Dê um cheiro bem cheiroso aqui no seu vovô
Mas se o vovô ganhou um cheiro, também quero ganhar
Vem garota, pirritota, Mariana, Mariana

Eu vou pra ver Mariana,
Mariana sorrir e dançar
Mariana brincando na vida, to correndo pra lá
E vou levando a sanfona, mode a gente cantar
Ei garota, pirritota, Mariana, Mariana
Ei garota, pirritota, Mariana, Mariana

Chegue aqui minha bichinha, chegue mais amor
Dê um cheiro bem cheiroso aqui no seu vovô
Mas se o vovô ganhou um cheiro, também quero ganhar
Vem garota, pirritota, Mariana, Mariana


A cerca de mim

Comecei a ver as cercas enquanto a estrada aparecia
Eu na estrada
Vi a terra com estrias enquanto a máquina partia
Meus pensamentos tão vivos quanto uma voz
Um novo gabarito
Eu sou o meu limite acerca de mim.

quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

Fazendo o luto... Antes tarde do que nunca!

"(...) o amor, para o amado, é o proprio efeito do que se recebeu dos pais.. Devotamento, atenção constant, esquecimento de si, oblatividade, não foi o que 'verdadeiros' pais nos ensinaram?

(...) Com efeito, só uma mãe e um pai que foram e ainda continuam sendo um para o outro mulher e homem podem transmitir a lei do desejo a seus filhos uma vez crescidos. (...) em outras palavras, pôr no mundo é saber retirar-se, de modo que os descendentes sejam capazes, por sua vez, de se retirarem. Assim, os pais que, graças à sua conjugalidade, permanecem em sua própria geração não fazem recair sobre os filhos tornados adultos o peso de uma dívida de reciprocidade. O filho não tem que dar em troca aos pais tanto amor quanto deles recebeu. não, o amor desce de geração em geração, mas não remonta, casoproceda alei do desejo.

Como dizia Françoise Dolto, 'honrar os pais é quase sempre virar-lhes as costas e ir-se embora mostrando ter se tornado um ser humano capaz de se assumir'.

(...) Trata-se aí de uma negação criadora dirigida ao filho, 'Não és o objeto de nosso gozo', mediante o que ele poderá cirar-se para outro lugar, em direção a sua própria geração de acordo com ela. (...)

Com efeito, na geração seguinte, quando o filho tornado homem ou mulher encontrar a prova do limite do amor e a irredutível alteridade do gozo, então a lei do desejo que ele ou ela tiver recebido permitir-lhe-á avançar na conjugalidade e não fraquejar."


JULIEN, Philippe. Abandonarás teu pai e tua mãe.

terça-feira, 11 de janeiro de 2011

Relendo produções - psicanálise

Estou arrumando meu computador. Daqui a alguns meses devo partir em nova empreitada profissional, uma mudança de ambiente para proporcionar a ampliação do meu horizonte. Sabe como é, passarinho acostumado a voar não vive em gaiola.

Sou amante da psicanálise desde 2003. Uma vez em psicanálise, sempre em análise. Hoje trago um texto das minhas produções que retrata bem o início do trabalho de uma análise. Ele foi desenvolvido em 2008 enquanto eu participava da Confraria dos Saberes e fazia um atendimento supervisionado. Regularmente era exigido uma apresentação da clínica. Confesso ter passado por momentos de angústia durante esta produção. A minha primeira apresentação havia sido um fracasso pois não casei os fatos descritos com a teoria. Minha formação é técnica em edificações, e o que eu sei da psicanálise ou da psicologia eu aprendi no decorrer dos anos em que estive em análise, no contato com outros psicanalistas, no debruçar das leituras que faço até hoje, da visita que fiz na universidade de psicologia e filosofia e com as observações que faço do alheio.

Freud não colocou a psicanálise no meio acadêmico, muito pelo contrário. A psicanálise não é considerada uma ciência e não existe diploma de psicanalista. A premissa para ser um psicanalista está em desenvolver o trabalho de análise individual e concluí-lo, e estudar a teoria, principalmente dos textos freudianos, pois tudo originou deles. Infelizmente existe uma leva de pessoas que se dizem psicanalistas e nem sequer estudaram textos freudianos. Muitos se dizem qualquer outra coisa, menos freudianos. Sem ler Freud, não dá, para os mais dignos profissionais, se autorizarem a psicanalistas. É uma pena que exista tão pouca dignidade neste meio...

Segue o texto:

EXPOSIÇÃO DE CASO CLÍNICO – 24/01/2008

Hoje vou expor alguns recortes de três das cinco meninas que estão trabalhando comigo individualmente. A primeira é uma adolescente de 12 anos, abandonada pela mãe e sem pai – o pai morreu. A mãe a deixou sob cuidados de pessoas que resolveram abrir mão dessa responsabilidade e assim ela passou a residir na Acopamec, há dois anos, tempo durante o qual, mesmo sabendo da existência de parentes no interior da Bahia, nunca visitou qualquer um deles. Essa menina foi a segunda analisante encaminhada a mim, totalizando até o momento 3 meses de sessões de análise semanais. O trabalho se processa bastante lentamente, pois durante a maior parte do tempo da sessão ela se mantém em silêncio, porém traz sinais de desejo de continuidade do trabalho. Digo isso porque ela sempre utiliza os materiais que lhes são oferecidos e fala como pode, sobre o que está produzindo ou produz. As colocações são curtas, quase monossilábicas. Ou então fala sobre outras coisas, mas sempre com as mãos em atividade. Fala com a sua “boca de mão”, como [Françoise] Dolto coloca. Dentre essas curtas colocações, sempre responde a qualquer devolução que eu faça ao seu discurso, com um “sei lá” ou com um “não sei”, até que num determinado dia, eu perguntei: “sei lá, onde?”. Ela sabe, mas em outro lugar, lugar que ainda não tem acesso para tornar verbais suas informações, seus arquivos. O “não sei” não deixa de ter sentido semelhante ao “sei lá”. Retira-se o NÃO, fica o SEI. Logo, sabe. Ligo esse ponto a um dos desenhos que ela produziu. Desenha margens em todo o perímetro do papel. O nome margem foi colocado pela mesma. Não desenha dentro das margens, deixa vazio. Talvez o vazio deixado pela ausência da figura materna na vida dessa menina. Enfim, como já disse, o trabalho com ela tem sido lento, mas há uma progressão na análise.

A segunda analisante é uma adolescente, entre 14 e 16 anos, não recordo ao certo. Aparência física de criança, bem magra, feições de criança, sem curvas provenientes da adolescência feminina. Um mês de sessões de análise semanais. Chega falante, diz que não quer falar de coisas tristes da vida dela, que já passou, que não gosta de lembrar. A minha posição do momento foi de ressaltar que se ela tentasse falar dessas coisas tristes e trabalhasse isso, poderia mais tarde suportar lembrar e lembrar como um aprendizado e não como uma tristeza. Essa foi a devolução que fiz, mas talvez pudesse ter recolocado a questão do contrato de trabalho, que é falar. Como ela deslocou o discurso para outros pontos, percebi que a minha devolução talvez não tivesse sido o suficiente. O que fazer para ela falar dessa tristeza, dessa demanda, já que veio de um dos grupos do mundofreudiano no qual alegou que não podia falar tudo porque as demais caçoavam dela e ali, no espaço reservado para ela, não queria abordar de tais assuntos. Enfim, continua seu discurso, denunciando sempre atitudes abusivas das educadoras, relatando suas reações diante de tais situações, muitas vezes agressivas (aí aparece a questão da falência da verbalização). Como só ocorreram quatro sessões, estou ainda no momento de escuta, com pouquíssimas intervenções. Ela trabalha com a argila, leva caderninho de frases transcritas, sempre com fundo amoroso, como se estivesse persistindo em falar só de flores e preferisse esquecer dos espinhos. Na última sessão questionou se ia ficar falando, falando, queria saber que horas terminaria a sessão, até quando teria que vir etc. Percebo a desaceleração da fala, bordeando o vazio, como no primeiro recorte que apresentei. A primeira fica em silêncio e se organiza para trabalhar o vazio, a segunda fala, fala, fala, desacelera, depara com o vazio e se organiza para trabalhá-lo.

O terceiro recorte é de uma adolescente de 12 anos, participante também no mundofreudiano, espaço no qual é a única que vem apresentando uma participação significativa, escrevendo ou desenhando, produzindo falas, entendendo funcionamento do dispositivo. Dentro do possível, porque a dificuldade que todas as meninas têm de falar de si mesmas reunidas com pessoas que moram na mesma casa e onde se constituem como família no abrigo, é fato a ser discutido, pois existe algo que, ao meu entendimento, bloqueia boa parte das produções. Enfim, chegando à primeira sessão de análise, inicio pelas entrevistas preliminares, fazendo o contrato e ressalvas, e ela inicia seu discurso, falando da sua história que contém cenas de violência dos maridos da sua mãe (a mãe apanhou do pai da menina, separou-se, casou-se novamente, apanhou do marido, separou-se, reatou com o primeiro e continua apanhando). O que mais ela frisou na sua fala foi uma colocação da mãe que persiste todas as vezes que ela visita a casa e presencia as cenas – a mãe diz que vai sumir. Ela diz que tem medo que a mãe suma mesmo, por isso quer sair da Acopamec, onde está há quase três anos, e ficar ao lado da mãe, que quer proteger a mãe. Não recordo muito exatamente das palavras que usou, mas sei que foi nesse sentido. Descreve-se como uma pessoa agitada, que não consegue ficar quieta, na escola, fazendo coisas como entupir vaso sanitário, sujar bebedouros, e não assume, e o mais interessante, ela diz que se morde, bate a cabeça contra a parede, arranca os próprios cabelos quando fica nervosa ou quando é acusada sem ter cometido o erro. Pergunto se gosta de sentir dor. Ela diz que faz isso e lembra da mãe. Intervenho: “lembra da dor da sua mãe?” Afirma com a cabeça. Continuo: “Mas você não é a sua mãe. Você já parou para pensar por que ela casou com dois homens que batem nela? Que isso é escolha dela? Se você sair da Acopamec vai resolver?” Não sei se a pergunta de lembrar a dor da mãe foi cabível, afinal eu poderia estar dando nome a sua lembrança. Talvez tenha me precipitado. Na próxima sessão essa menina chega com um ataque de riso, com uma história de um trote, não conseguindo estabelecer qualquer lógica no discurso. Fico assistindo, e ela não consegue se conter durante toda a sessão, rindo descontroladamente. Após a sessão fico me perguntado o que essa atitude quis dizer. Ela não queria entrar em contato com a angústia? Na sessão seguinte ela retorna com silêncio predominante.

segunda-feira, 10 de janeiro de 2011


"Freud pertence à categoria dos que não podem crer e veem com surpresa ou curiosidade os que creem.
(...)
Cada crença ou descrença individual na existência de um Deus baseia-se em complexos processos desenvolvimentais e dinâmicos. Psiquicamente, a maior parte das crianças no Ocidente formam a representação de Deus em suas interações com os objetos primários. A formação psíquica  das representações de Deus não leva por si mesma à crença.  A crença e a descrença são sempre o rsultado de processos dinâmicos nos quais o senso do eu e a representação de Deus prevalecente ligam-se em uma dialética de compatibilidade ou incompatibilidade na satisfação de necessidads relacionais. A crença não é uma questão de maturidade. Algumas pessoas não podem acreditar porque estão aterrorizadas com seu Deus. Algumas pessoas não ousam crer porque têm medo de seus próprios desejos regressivos. Outras não precisam acreditar porque criaram outros tipos de deuses que as sustentam igualmente bem. A maturidade e a crença não são questões correlatas. Somente um estudo detalhado de cada indivíduo pode revelar a razão de sua crença em Deus ou de sua descrença.
(...)
Durante  a fase edipiana e o período de latência, o genitor do sexo oposto deve apoiar na criança a sensação de que ela é um objeto merecedor de amor. O fracasso na confirmação do valor da criança pode causar uma profunda dor narcisista. O genitor do sexo oposto tem de ser rejeitado como objeto da libido enquanto o genitor de mesmo sexo se torna um objeto de identificação. Problemas na identificaçãoc om este genitor podem acarretar muitas dificuldades e uma mágoa narcisista."


Transcrevi os trechos acima por uma questão de transferência. Identifiquei-me com a descrição da autora sobre Freud, a impossibilidade de crer e curiosidade nos que creem.   Entendo que o período entre o nascimento e a fase da latência é determinante na vida de um sujeito, portanto passo a compreender a minha questão individual de descrença em Deus.

Às vezes coloco no canal número nove da televisão aberta, pertencente à igreja Renascer em Cristo. Poderia ser qualquer outro canal com o mesmo teor. É a minha curiosidade nos que creem... Fico perguntando a mim mesma o quanto seria amenizador viver acreditando na existência daquele que "tudo pode". Poder tudo é muito perigoso... Pode o mal e pode o bem, como a palma e as costas da minha mão. Então, ao assistir àquelas pessoas com caras de boas (a maioria mulheres) eu enxergo um teatro. Uma criança fazendo pregação, claro que é um teatro! As pessoas preferem viver a fingir que a dor não existe, que a angústia logo será curada por uma oração. Confesso que já acreditei, mas, faz algum tempo ,tornou-se muito custoso para mim.

Vivo numa sociedade na qual crer em Deus é algo essencial. Não crer em Deus é imoral. Qualquer declaração minha a respeito do ateísmo exponho-me ao risco de ser colocada à margem das comunidades em que transito. A minha família de origem sabe, minha família edificada também sabe. Fiquei muito contente com a campanha iniciada a respeito do preconceito aos ateus. Na China há ateus, na europa há ateus, na ciência há ateus. No Brasil há ateus!

Viver numa sociedade onde duvidar da existência de um ser que não se prova por si só é um problema  e um tanto complicado. As pessoas acreditam que são, portanto não se permitem duvidar. Encontrei na psicanálise um par para muitas questões minhas. Freud também tornou-se ateu, ainda na adolescência. Ele denominava a si mesmo como um judeu sem deus, e assim foi, caminhando, deslizando, duvidando. Deus portando, não é só o que dizem, pode ser outra coisa.

Liberdade do sentimento de culpa, a liberdade de arrepender-se, liberdade de pensamento independente, contato com a angústia, tudo surge quando falta a religião. Definitivamente, é para poucos essa posição. Sinto-me desamparada pela falta de crença, pois fui induzida a só viver apoiada nessa muleta. Sem ela ora penso que vou enlouquecer com tanta elucidação e desconforto diante das dificuldades de viver, ora fico lúcida e certa e concluo que viver é mesmo aprender a lidar da melhor maneira com isso, encarando a vida como ela tem se apresentado para mim.

Bibliografia:
RIZZUTO, A-M. (1979) The birth of the living God: A psychoanalytic study.
RIZZUTO, A-M. (1998) Why did Freud reject God? A psychodinamic Interpretation

sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

Haverá paradeiro para isso?

Paradeiro
Composição: Arnaldo Antunes / Marisa Monte

Haverá paradeiro
Para o nosso desejo
Dentro ou fora de um vício?

Uns preferem dinheiro
Outros querem um passeio
Perto do precipício.

Haverá paraíso
sem perder o juízo e sem morrer?

Haverá pára-raio
Para o nosso desmaio
No momento preciso?

Uns vão de pára-quedas
Outros juntam moedas
antes do prejuízo

Num momento propício
Haverá paradeiro para isso?

Haverá paradeiro
Para o nosso desejo
Dentro ou fora de nós?

quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

Uma prosa e uma poesia

"Natureza! Estamos rodeados e abraçados por ela: incapazes de nos separar dela e incapazes de ir al´me dela. Sem perguntar ou avisar, ela nos captura em sua dança rodopiante, nos gira até que estejamos exaustos e nos deixa cair de deus braços (...) Ela está sempre produzindo formas novas; o que é, nunca havia sido; o que foi, nunca será novamente. Tudo é novo e, contudo, nada além do velho (...).


Nós vivemos no meio dela e não a conhecemos. Ela está sempre falando conosco, mas não revela seu segredo. Nós agimos constantemente sobre ela, e contudo não temos poder sobre ela (...). Ela está sempre construindo e destruindo, mas sua oficina é inacessível.


Sua vida está em seus filhos, mas onde está a mãe? Ela é a única artista (...), sempre escondida sob certa suavidade (...). 

Ela se ama, e seus incontáveis olhos e inclinações estão direcionados sobre ela mesma (...).


Ela se regozija na ilusão. Todo aquele que a destrói em si mesmo e os outros é por ela punido com a mais severa tirania. A todo aquele que a segue com fidelidade ela toma como um filho em seu seio (...).


Ela não é inteiramente avarenta com ninguém, mas tem seus favoritos, com quem esbanja muito e por quem faz grandes sacrifícios. Acima da grandeza ela estende seu brasão (...).


Ela é a vaidade das vaidades; mas não para nós, não para quem ela se fez da maior importância (...).


Nós obedecemos a suas leis mesmo quando nos rebelamos contra elas; operamos com ela (...). Ela é ardilosa, mas por bons objetivos;e é melhor não reparar em seus truques."

Ensaio "Da Natureza, de G. C. Tobbler, escritor suiço.


 
Desde nova eu sou antiga
Desde criança eu sou velha
Desde o surgimento da paixão eu amei
E casei
Cansei
Então ele disse parecermos velhos
Talvez não perceba 
Minha alma é velha e cansada
Há muito já desistiu
A minha história me conta
A minha mãe fez de conta

Desde muito cedo eu sou assim
Desde muito cedo eu sei o meu fim
Estou viva e não tenho alternativa
Só a pior das alternativas
Mas desde muito cedo ouvi dizer que é assim

Estou presa desde muito cedo
Deixando a vida passar por mim
Meus gritos, meus choros, meus afetos
Desde nova sou presa de mim
A minha história me conta
A minha mãe fez de conta
E falta definição
Um filme, quem sabe bonito
De uma menina velha 
Já desde muito cedo certa
De que deixará de existir


segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

Cortei meu cabelo! Eu mesma!

Tesoura do Desejo

Composição: Alceu Valença
 
Você atravessando aquela rua vestida de negro
E eu te esperando em frente a um certo Bar Leblon
Você se aproximando e eu morrendo de medo
Ali, bem mesmo em frente a um certo Bar Leblon


Quando eu atravessava aquela rua morria de medo
De ver o teu sorriso e começar um velho sonho bom
E o sonho, fatalmente, viraria pesadelo
Ali, bem mesmo em frente a um certo Bar Leblon


Vamos entrar
Não tenho tempo
O que é que houve?
O que é que há?
O que é que houve meu amor,
Você cortou os seus cabelos
Foi a tesoura do desejo
Desejo mesmo de mudar