Em meio a um dia deprimido, desejante de morte, naquela penumbra triste do entardecer, vou buscá-la nas escadarias, subindo com sua mala pesada além de uma bolsa atravessada no tronco, degrau por degrau, sem reclamar e com bastante esforço. Sem perceber a minha presença no topo do primeiro lanço, quando decidi fazer-me invisível por alguns instantes para observar a cena, ela levanta as vistas e, ao focar-me, pede ajuda.
Quando chegamos, descansamos sentadas no sofá. Ela levanta, dá meia volta para não sei onde e nem o que, e estende os braços para o meu abraço dizendo: "Você é a melhor mãe do mundo". Eu não entendo. Só sei que não devo chorar nesse exato momento, porque o dia, como já disse, foi deprimido e desejante de morte, e eu não devo transmitir qualquer pedaço dele para ela, tão cheia de vida e disposição. Pergunto "por quê?", ainda no abraço. Então, con segurança, certeza e rapidez, vem a resposta: "Porque você é minha mãe."
Assim, de graça, com graça. Nesse dia paralítico, mesmo nesse dia no qual ela não sabe da metade das minhas angústias, eu sou a melhor mãe do mundo. Contenho a água ainda nos canais lacrimais como tenho "treinado" bastante durante as últimas semanas, desfarçando, engolindo o choro, antes que outra pessoa tenha a chance de perceber sequer o brilho umedecido do meu olhar.
Ela, definitivamente, não é meu objeto, quiçá objeto de consolo. Por isso escondo a emoção. Retribuo com carinho, em um abraço mais prolongado, recebendo a minha verdadeira injeção de ânimo. Levanto e recordo que devo preparar o almoço do dia seguinte. Vou cortando os temperos, alterando a ordem da minha receita. Costela de porco assada com batatas. Verifico que não tem o primordial feijão para acompanhar. Então, mais temperos picados, uma pequena feijoada, com aquela abóbora quase a estragar na geladeira. Em duas horas, tudo pronto. Ela resolve experimentar. Sirvo uma pequena porção do feijão e ela faz a sua última refeição antes de deitar-se.
Eu, como uma alga dentro do seu mar, atingida por suas ondas de amor, percebo os meus movimentos nesse dia, sem querer prejudicá-la com a minha paralisia, sem saber amanhã como será.