terça-feira, 24 de maio de 2011

Dia viva sem vida

Palavras já ditas, saturadas, descansadas, gritadas, enraizadas. Atitudes com raiva, ódio, sintoma. Desestrutura mental, visual, casual. Tremor no corpo inteiro. Desmotivação, depressão, exagero, tristeza, melancolia. Burrice, labirintite. Todas as inflamações possíveis. Sem remédio, no tédio, na paralisia, na agonia. Angústia de viver, dificuldade de viver, imcompreendida, gasta, arrastada, derrubada. Caída, deitada. Arrasada. Descansada. Preguiçosa, mal alimentada. Dia sem alma, sem vida, sem nada. Vazio de ar podre, usado, respirado. Estômago na boca, útero nos poros, olhos no escuro, pernas, braços, cabeça, pescoço, cobertos. Barulho infernal desse silêncio não dito, maldito. Quanto custa a palavra? Quem disse que eu queria aprender a falar, escrever? Foi só pra sobreviver... E agora, por que não posso falar? Pensar já é falar? O que eu faço com as ondas da minha cabeça? Afogo você? Ou aprendo a nadar?

quarta-feira, 18 de maio de 2011

Pensando poesia

Eu faço poesia esperando o meu mundo mudar
Os que sofrem escrevem, choram, gritam
e amam
Escrevo sem rebuscar, sem inflamar
Quse sem luz, sob a luz de outrem

Escrevo para não piorar essa dor,
tanta dor,
dentro do mim a agoniar
Resolvo em palavras,
essas palavras cujos riscos estou sem enxergar
a minha alma tantas vezes insana, inquieta
solidária porém malévola, má
Alma pública para eternizar
e depois verificar quantos caminhos eu atravessei
quantos os que eu pestanejei
e quantos ainda hei de alcançar

Mesmo em vocabulário ordinário, escasso, vulgar
Assim sem metaforizar
Em palavras publico a minha alma
Para indagação dos fortes
Para reflexão dos exaustos
Para o espanto dos covardes

Em versos expresso o que não sei calar
Em versos impresso o que eu não sei falar.

Um pouco de indignação (pensamentos)

Por que não se fala da dor? Só poetas, escritores, prosadores, cantores, atores... A felicidade deve ser compartilhada e a dor não? Por quê? Quero entrar para essa escola onde a maioria aprendeu a fingir não sentir dor... aliás, quero não. A dor existe, mas nessas exatas pessoas está no pé, na cabeça, no rabo, no dedo indicador. E a compaixão, onde estará perdida, tentando me encontrar? O que eu soube de mim através dos outros foi pouca coisa, e agora eu sinto dor, a dor do não saber - o que é pior. O mundo está aí, todo dolorido, e as pessoas entram nas redes sociais sorrindo! Então é melhor viver só... Eu não entendo a dor alheia, ou sinto demais e dói a minha impotência...
Sorrir da desgraça alheia pode ser uma maneira de ser feliz, soltar uma gargalhada. O mundo gira e mente, amanhece, entardece, anoitece mentindo. Nada aqui é meu, e o que eu quero não posso querer, porque não gira com o mundo, gira a favor do mundo. É a minha verdade, eu sei, mas por qual motivo irmã dulce vai virar santa?? Ela fez o que todos os seres humanos deveriam fazer, em seus atos partindo dos seus pensamentos. Nada contra aos católicos, apostólicos, parangoleiros. Mas se todas essas pessoas reunidas em massa para rezar o pai nosso e o rebolation ou o thubirabiron, assim o fizesse em prol do social, respeitando o limite do outro, como tuod isso seria indiferente. Ficar indignado hoje é papo careta, retórico, mas não posso deixar de me indignar! Vou convidar Leo Santana para declamar Fernando Pessoa em escolas públicas, vou convidar Ivete Sangalo para incentivar a leitura, a inclusão social. Vou pedir à Preta Gil que além de levantar a bandeira do arco-íris, que levante também a bandeira da educação musical obrigatória nas escolas.

Tradução de While My Guitar Gently Weeps, composição : George Harrison

Enquanto Minha Guitarra Suavemente Chora

Eu olho para todos, vendo que o amor está dormindoEnquanto minha guitarra suavemente choraEu olho para o chão e vejo que precisa ser limpoEnquanto minha guitarra suavemente chora
Eu não sei porque ninguém te disseComo desdobrar seu amorEu não sei como alguém te controlouEles compraram e venderam você
Eu olho o mundo e eu noto que ele está girandoEnquanto minha guitarra suavemente choraCom cada erro nós certamente estamos a aprenderAinda minha guitarra suavemente chora
Eu não sei como você foi distraídaVocê também foi corrompidaEu não seu como você foi invertidaNinguém te alertou
Eu te olho inteira, vejo o amor que aí dormeEnquanto minha guitarra suavemente choraEu olho para todosMinha guitarra suavemente ainda chora
Eu olho de fora que você está se entediandoEnquanto minha guitarra suavemente choraAssim como estou sentado apenas envelhecendoAinda minha guitarra suavemente chora

segunda-feira, 16 de maio de 2011

Mais Fernando Pessoa

Que há (de alguém) confessar que valha ou que sirva? O que nos sucedeu, ou sucedeu a toda a gente ou só a nós; num caso não é novidade, e no outro não é de compreender. Se escrevo o que sinto é porque assim diminuo a febre de sentir. O que confesso não tem importância, pois nada tem importância. Faço paisagens com o que sinto. Faço férias das sensações. Compreendo bem as bordadoras por mágoa e as que fazem meia porque há vida. Minha tia velha fazia paciências durante o infinito do serão. Estas confissões de sentir são paciências minhas. Não as interpreto, como quem usasse cartas para saber o destino. Não as ausculto, porque nas paciências as cartas não têm propriamente valia. Desenrolo- me como uma meada multicolor, ou faço comigo figuras de cordel, como as que se tecem nas mãos espetadas e se passam de umas crianças para as outras. Cuido só de que o polegar não falhe o laço que lhe compete. Depois viro a mão e a imagem fica diferente. E recomeço.

Trecho do Livro do Desassossego, Fernando Pessoa.

sexta-feira, 13 de maio de 2011

Tristeza

Não, não chegue tão perto
Tenho escamas, espinhos
Há pouca água e quase não me alimento

Não, não, sem lentes de aumento
Prefira as corretivas pra me ver melhor
Antes de sentir o gosto amargo, o odor fétido
de uma carne decompositando

As raízes são espessas e profundas
Invertidas e contorcidas
Sem céu como limite
Sem rosa nos ventos

É do fundo que eu me aproveito
Não, não, para sua segurança mantenha-se à distância

Quando dói em você, nascem mais espinhos
E eu me esforço em tranformá-los em flor

Sem sucesso

Eu sinto muito
Mas ninguém vê
Nem você

sexta-feira, 6 de maio de 2011

Todos que são eu.


Uma revelação em meio a um evento. Um show de Ivete Sangalo, no qual a mesma iria apresentar o seu filho ao público, como as mães geralmente fazem quando o filho completa um ano de idade – a festa não é para ele, é para ela. Para ele posto que é para ela. Quando na idade de um ano, ambos, mãe e filho, ainda são extensões.

Recordo emocionar-me com uma música, daí o encontro posterior com uma mulher jovem, pertencente à equipe de Ivete, encontrar comigo e fazer a seguinte colocação: não chore, não precisa chorar. Ela sorria, compreensiva. Depois de poucos minutos, recebo o recado que vem de boca a boca – ivete mandou me chamar, quer falar comigo. No momento converso com alguém do qual me despeço apressada, afinal, ivete mandou me chamar, ela quer falar comigo.

Assim nos encontramos. Sua voz grave, bonita, fala que eu não preciso chorar, que sou uma pessoa muito especial. Eu sinto uma energia muito boa vindo dela, me envolvendo em seus braços, eu enlaçada na sua cintura, olhando para cima, para sua face, pois ela é mais alta que eu, me causando conforto. Eu agradeço e devolvo o elogio: você é quem é maravilhosa. Mas ela está apressada, acabou de chegar e vai entrar para o trabalho, espaço lotado. Pede para eu assistir ao show pois vai apresentar o seu filho, detalhe que pouca gente sabia. Eu fora privilegiada com a informação!

De volta ao espaço, como numa feira, muitos stands a entreter as pessoas, chão de terra batida, às vezes uma grama falhada, às vezes passagens em concreto, com cobertua, sem cobertura, toldos, cercas. Encontro minha mãe e ao seu lado, caminho muito, descalça, cansada, andando para lá e para cá. Ela expressivamente séria, eu tentando acompanhar os seus passos, ofegante já. Ela para, exercendo uma atividade da qual não me dou conta de saber, e me faz a revelação: seu pai não é seu pai, seu pai é João. Eu não peço para repetir, peço para me explicar como, quando, pois a sua fala me trazia tantas respostas... Ela sempre a executar algo, não olhava para mim, séria, continuava falando. Teria engravidado quando numa viagem de meu pai conheceu João e se apaixonou, e engravidou. Como, se eu fora planejada? Então eu era filha de João. Não chorei, sai como uma louca a pensar, repensar, recordar, encontrando toda a lógica dos acontecimentos da minha vida. Por isso ela não me queria morando na sua casa, por isso ela tinha por mim um tratamento diferenciado das outras, por isso a sua dificuldade em me amar. Por isso queria me ver longe, mas sabendo notícias sobre mim.

Quando eu acordasse iria perguntar, com certeza, se eu era realmente filha de meu pai.

Continuei a andar, cansada, aglomeração de pessoas porque ivete estava anunciando a surpresa já sabida por mim. Eu queria ver o pequeno, fui tentando chegar perto, com toda a dificuldade de um ambiente extremamente lotado. Mas como tudo é possível, eu assisti a entrada dele, seu filho pequeno, em meio de tantas outras crianças no palco, entrou triunfalmente, com uma vestimenta de  palhaço, misturada com outros retalhos, muito seguro no palco – filho de artista, artista é. Desenvolto, respondendo com simpatia à euforia do público.

Eu angustiada, o vi só para constatar o episódio, e sai, pés descalços, iam machucando no caminhar, pedriscos, alívio no piso batido de cimento, porém muito áspero. Desejei calçar os pés. Passos acelerados, encontrei João. Ele já sabia. Também havia tomado conhecimento a poucas horas. Ele me conhecia, claro! João, meu colega de trabalho! Idade de ser meu pai, talvez. Sem qualquer sentimento um pelo outro, eu me aproximo e chamo: João... E alivio meu pranto aconchegada no seu peito, ele me abraça. Pois é, só soubemos agora...

Alguém passa e pergunta que emoção era aquela. Porém eu sentia que ele era a única pessoa no momento a entender o que se passava em mim. Depois eu saía, vivendo uma mistura de ambientes, prédio da administração da fábrica, banheiros da fábrica, saguão. Carregava comigo a novidade, meu pai era João, mais ninguém sabia. João, o amor mal resolvido de minha mãe.

Se eu era filha de João, João meu avô, então eu era irmã de minha mãe. Irmã, rival, concorrente do amor do pai.

Depois uma família estranha, eu sentava junto ao pai, pele clara, lábios bonitos, fala sedutora, cheiro de perfume agradável ao meu olfato. Uma atração de criança, somente com a sexualidade, sem genitalidade. Eu declaro saber que não é o meu pai biológico, ele confirma, e continuo, dizendo que assim mesmo, continuará representando a paternidade para mim. Ele não, começa a sentir atração por mim, me persegue, eu fujo. O bairro é Piatã, Patamares, algo com a letra P. Por um momento a casa é muito grande, em outros, uma casa de campping. Muito verde. Mata densa, mar, existem duas irmãs, mas não interferem diretamente na história. Corro, não para o mar, corro pela terra, forrada de grama de praia. Ele está bêbado, é essa a impressão. Deparo com baleias jubartes, muitas, vêm rolando para a areia, eu esquivando. Se passar por um tal caminho, há macacos, ferozes, corro para outro lado. Um areal, encontro a mãe, de longe, ela pensa em me salvar, mas de repente muda de ideia e resolve me encurralar. Aí, sou filha de um artista, famoso, tipo Mick Jagger, não sei. Artista internacional. Ele desiste, resolve tomar outro rumo. A casa agora é grande, vazia. Moro numa extensão da casa e, acompanhada por uma senhora, babá de meu filho e carregando o mesmo, me acompanha numa visita pela casa antiga, por onde passo, visitando cada cômodo, um por um, identificando a cozinha, a sala etc. Cômodos vazios, eu não sei o que fazer. Ali, eu penso, foi onde vivi meu pesadelo que acabou.

quinta-feira, 5 de maio de 2011

Discutir a relação

Assumo minhas discussões (muitas confusões também! rsrsr) diárias....
[Trecho da entrevista à revista Muito com o psicólogo Alexandre Coimbra Amaral, que atende diariamente famílias e casais.]

O que é uma família funcionar bem?
Uma família funcionar bem é ela construir um sentido de pertinência que dê a pessoa a ideia de que ela é amada, que a identidade dela tá presente naquele grupo, mas que também liberta a pessoa para viver experiências fora, para além da famíllia. É uma família que funciona como raíz e como asa. Que ao mesmo tempo dá a pessoa uma identidade sólida, mas que liberta essa pessoa para voar em direção ao seu próprio caminho.

O psicanalista Contardo Calligaris já classificou o clássico “discutir a relação” dos relacionamentos amorosos como a “antecâmara da funerária”. Ele diz que falta uma “ética discursiva” aos casais, que acabam dizendo o que não deviam e depois se arrependem. Você que faz terapia familiar e de casal acredita na DR?

Discordar do Contardo Calligaris é muito difícil (risos). Acho que a gente perdeu a capacidade de conversar. As pessoas não se escutam mais. Então o espaço da terapia familiar tem sido o espaço deste ritual que a família tem perdido de encontro. Muitas vezes a família só se encontra na sessão de terapia familiar. É chocante. Você dá um espaço de 15 dias entre uma sessão e outra e aí você pergunta: o que vocês conversaram nesses dias? ‘Não, a gente não conversou nada’. E aí você precisa dar uma chamada na família para dizer que a terapia também acontece entre as sessões. O espaço da terapia familiar tem sido mal interpretado como sendo o único espaço de encontro, de diálogo. Conversar significa me atualizar sobre quem sou eu naquela família, a partir das minhas mudanças, e em quem cada pessoa da minha família está se transformando. Porque é conversando que eu consigo construir um sentido de identidade em transformação. Se eu não converso na minha família ou com o cônjuge, eu fico com uma imagem datada da pessoa. A coisa mais comum entre filhos e pais é o filho chegar pro pai e dizer: ‘Meu pai, você fica me tratando como seu fosse aquela lá de trás, mase eu não sou mais, eu sou outra pessoa. Será que você não compreende?’. Eu sempre pergunto se essa filha tem dado espaço para que o pai tenha acesso a descobrir quem ela já é. É uma responsabilidade compartilhada. Todo mundo entra nessa dança. Essa conversa é necessária para que essas imagens sejam transformadas e fiquem cada vez mais próximas de quem nós somos. 



quarta-feira, 4 de maio de 2011

Eu não sei se a poesia está completa, mas completa está a poesia para mim...

PASSAGEM DAS HORAS
Composição: Álvaro de Campos (Fernando Pessoa)

Trago dentro do meu coração,
Como num cofre que se não pode fechar de cheio,
Todos os lugares onde estive,
Todos os portos a que cheguei,
Todas as paisagens que vi através de janelas ou vigias,
Ou de tombadilhos, sonhando,
E tudo isso, que é tanto, é pouco para o que eu quero.
A entrada de Singapura, manhã subindo, cor verde,
O coral das Maldivas em passagem cálida,
Macau à uma hora da noite... Acordo de repente...
Yat-lô--ô-ôôô-ô-ô-ô-ô-ô-ô...Ghi-...
E aquilo soa-me do fundo de uma outra realidade...
A estatura norte-africana quase de Zanzibar ao sol...
Dar-es-Salaam (a saída é difícil)...
Majunga, Nossi-Bé, verduras de Madagascar...
Tempestades em torno ao Guardafui...
E o Cabo da Boa Esperança nítido ao sol da madrugada...
E a Cidade do Cabo com a Montanha da Mesa ao fundo...
 
Viajei por mais terras do que aquelas em que toquei...
Vi mais paisagens do que aquelas em que pus os olhos...
Experimentei mais sensações do que todas as sensações que senti,
Porque, por mais que sentisse, sempre me faltou que sentir
E a vida sempre me doeu, sempre foi pouco, e eu infeliz.
A certos momentos do dia recordo tudo isto e apavoro-me,
Penso em que é que me ficará desta vida aos bocados, deste auge,
Desta entrada às curvas, deste automóvel à beira da estrada, deste aviso,
Desta turbulência tranqüila de sensações desencontradas,
Desta transfusão, desta insubsistência, desta convergência iriada,
Deste desassossego no fundo de todos os cálices,
Desta angústia no fundo de todos os prazeres,
Desta sociedade antecipada na asa de todas as chávenas,
Deste jogo de cartas fastiento entre o Cabo da Boa Esperança e as Canárias.
Não sei se a vida é pouco ou demais para mim.
Não sei se sinto de mais ou de menos, não sei
Se me falta escrúpulo espiritual, ponto-de-apoio na inteligência,
Consangüinidade com o mistério das coisas, choque
Aos contatos, sangue sob golpes, estremeção aos ruídos,
Ou se há outra significação para isto mais cômoda e feliz.

Seja o que for, era melhor não ter nascido,
Porque, de tão interessante que é a todos os momentos,
A vida chega a doer, a enjoar, a cortar, a roçar, a ranger,
A dar vontade de dar gritos, de dar pulos, de ficar no chão, de sair
Para fora de todas as casas, de todas as lógicas e de todas as sacadas,
E ir ser selvagem para a morte entre árvores e esquecimentos,
Entre tombos, e perigos e ausência de amanhãs,
E tudo isto devia ser qualquer outra coisa mais parecida com o que eu penso,
Com o que eu penso ou sinto, que eu nem sei qual é, ó vida.

Cruzo os braços sobre a mesa, ponho a cabeça sobre os braços,
É preciso querer chorar, mas não sei ir buscar as lágrimas...
Por mais que me esforce por ter uma grande pena de mim, não choro,
Tenho a alma rachada sob o indicador curvo que lhe toca...
Que há de ser de mim? Que há de ser de mim?
Correram o bobo a chicote do palácio, sem razão,
Fizeram o mendigo levantar-se do degrau onde caíra.
Bateram na criança abandonada e tiraram-lhe o pão das mãos.
Oh mágoa imensa do mundo, o que falta é agir...
Tão decadente, tão decadente, tão decadente...
Só estou bem quando ouço música, e nem então.
Jardins do século dezoito antes de 89,
Onde estais vós, que eu quero chorar de qualquer maneira?

Como um bálsamo que não consola senão pela idéia de que é um bálsamo,
A tarde de hoje e de todos os dias pouco a pouco, monótona, cai.

Acenderam as luzes, cai a noite, a vida substitui-se.
Seja de que maneira for, é preciso continuar a viver.
Arde-me a alma como se fosse uma mão, fisicamente.
Estou no caminho de todos e esbarram comigo.
Minha quinta na província,
Haver menos que um comboio, uma diligência e a decisão de partir entre mim e ti.
Assim fico, fico... Eu sou o que sempre quer partir,
E fica sempre, fica sempre, fica sempre,
Até à morte fica, mesmo que parta, fica, fica, fica...

Torna-me humano, ó noite, torna-me fraterno e solícito.
Só humanitariamente é que se pode viver.
Só amando os homens, as ações, a banalidade dos trabalhos,
Só assim - ai de mim! -, só assim se pode viver.
Só assim, o noite, e eu nunca poderei ser assim!

Vi todas as coisas, e maravilhei-me de tudo,
Mas tudo ou sobrou ou foi pouco - não sei qual - e eu sofri.
Vivi todas as emoções, todos os pensamentos, todos os gestos,
E fiquei tão triste como se tivesse querido vivê-los e não conseguisse.
Amei e odiei como toda gente,
Mas para toda a gente isso foi normal e instintivo,
E para mim foi sempre a exceção, o choque, a válvula, o espasmo.

Vem, ó noite, e apaga-me, vem e afoga-me em ti.
Ó carinhosa do Além, senhora do luto infinito,
Mágoa externa na Terra, choro silencioso do Mundo.
Mãe suave e antiga das emoções sem gesto,
Irmã mais velha, virgem e triste, das idéias sem nexo,
Noiva esperando sempre os nossos propósitos incompletos,
A direção constantemente abandonada do nosso destino,
A nossa incerteza pagã sem alegria,
A nossa fraqueza cristã sem fé,
O nosso budismo inerte, sem amor pelas coisas nem êxtases,
A nossa febre, a nossa palidez, a nossa impaciência de fracos,
A nossa vida, o mãe, a nossa perdida vida...

Não sei sentir, não sei ser humano, conviver
De dentro da alma triste com os homens meus irmãos na terra.
Não sei ser útil mesmo sentindo, ser prático, ser quotidiano, nítido,
Ter um lugar na vida, ter um destino entre os homens,
Ter uma obra, uma força, uma vontade, uma horta,
Unia razão para descansar, uma necessidade de me distrair,
Uma cousa vinda diretamente da natureza para mim.

Por isso sê para mim materna, ó noite tranqüila...
Tu, que tiras o mundo ao mundo, tu que és a paz,
Tu que não existes, que és só a ausência da luz,
Tu que não és uma coisa, rim lugar, uma essência, uma vida,
Penélope da teia, amanhã desfeita, da tua escuridão,
Circe irreal dos febris, dos angustiados sem causa,
Vem para mim, ó noite, estende para mim as mãos,
E sê frescor e alívio, o noite, sobre a minha fronte...
'Tu, cuja vinda é tão suave que parece um afastamento,
Cujo fluxo e refluxo de treva, quando a lua bafeja,
Tem ondas de carinho morto, frio de mares de sonho,
Brisas de paisagens supostas para a nossa angústia excessiva...
Tu, palidamente, tu, flébil, tu, liquidamente,
Aroma de morte entre flores, hálito de febre sobre margens,
Tu, rainha, tu, castelã, tu, dona pálida, vem...

Sentir tudo de todas as maneiras,
Viver tudo de todos os lados,
Ser a mesma coisa de todos os modos possíveis ao mesmo tempo,
Realizar em si toda a humanidade de todos os momentos
Num só momento difuso, profuso, completo e longínquo.

Eu quero ser sempre aquilo com quem simpatizo,
Eu torno-me sempre, mais tarde ou mais cedo,
Aquilo com quem simpatizo, seja uma pedra ou uma ânsia,
Seja uma flor ou uma idéia abstrata,
Seja uma multidão ou um modo de compreender Deus.
E eu simpatizo com tudo, vivo de tudo em tudo.
São-me simpáticos os homens superiores porque são superiores,
E são-me simpáticos os homens inferiores porque são superiores também,
Porque ser inferior é diferente de ser superior,
E por isso é uma superioridade a certos momentos de visão.
Simpatizo com alguns homens pelas suas qualidades de caráter,
E simpatizo com outros pela sua falta dessas qualidades,
E com outros ainda simpatizo por simpatizar com eles,
E há momentos absolutamente orgânicos em que esses são todos os homens.
Sim, como sou rei absoluto na minha simpatia,
Basta que ela exista para que tenha razão de ser.
Estreito ao meu peito arfante, num abraço comovido,
(No mesmo abraço comovido)
O homem que dá a camisa ao pobre que desconhece,
O soldado que morre pela pátria sem saber o que é pátria,
E o matricida, o fratricida, o incestuoso, o violador de crianças,
O ladrão de estradas, o salteador dos mares,
O gatuno de carteiras, a sombra que espera nas vielas
Todos são a minha amante predileta pelo menos um momento na vida.

Beijo na boca todas as prostitutas,
Beijo sobre os olhos todos os souteneurs,
A minha passividade jaz aos pés de todos os assassinos
E a minha capa à espanhola esconde a retirada a todos os ladrões.
Tudo é a razão de ser da minha vida.

Cometi todos os crimes,
Vivi dentro de todos os crimes
(Eu próprio fui, não um nem o outro no vicio,
Mas o próprio vício-pessoa praticado entre eles,
E dessas são as horas mais arco-de-triunfo da minha vida).

Multipliquei-me, para me sentir,
Para me sentir, precisei sentir tudo,
Transbordei, não fiz senão extravasar-me,
Despi-me, entreguei-rne,
E há em cada canto da minha alma um altar a um deus diferente.

Os braços de todos os atletas apertaram-me subitamente feminino,
E eu só de pensar nisso desmaiei entre músculos supostos.

Foram dados na minha boca os beijos de todos os encontros,
Acenaram no meu coração os lenços de todas as despedidas,
Todos os chamamentos obscenos de gesto e olhares
Batem-me em cheio em todo o corpo com sede nos centros sexuais.
Fui todos os ascetas, todos os postos-de-parte, todos os como que esquecidos,
E todos os pederastas - absolutamente todos (não faltou nenhum).
Rendez-vous a vermelho e negro no fundo-inferno da minha alma!

(Freddie, eu chamava-te Baby, porque tu eras louro, branco e eu amava-te,
Quantas imperatrizes por reinar e princesas destronadas tu foste para mim!)
Mary, com quem eu lia Burns em dias tristes como sentir-se viver,
Mary, mal tu sabes quantos casais honestos, quantas famílias felizes,
Viveram em ti os meus olhos e o meu braço cingido e a minha consciência incerta,
A sua vida pacata, as suas casas suburbanas com jardim,
Os seus half-holidays inesperados...
Mary, eu sou infeliz...
Freddie, eu sou infeliz...
Oh, vós todos, todos vós, casuais, demorados,
Quantas vezes tereis pensado em pensar em mim, sem que o fósseis,
Ah, quão pouco eu fui no que sois, quão pouco, quão pouco —
Sim, e o que tenho eu sido, o meu subjetivo universo,
Ó meu sol, meu luar, minhas estrelas, meu momento,
Ó parte externa de mim perdida em labirintos de Deus!

Passa tudo, todas as coisas num desfile por mim dentro,
E todas as cidades do mundo, rumorejam-se dentro de mim ...
Meu coração tribunal, meu coração mercado,
Meu coração sala da Bolsa, meu coração balcão de Banco,
Meu coração rendez-vous de toda a humanidade,
Meu coração banco de jardim público, hospedaria,
Estalagem, calabouço número qualquer cousa
(Aqui estuvo el Manolo en vísperas de ir al patíbulo)
Meu coração clube, sala, platéia, capacho, guichet, portaló,
Ponte, cancela, excursão, marcha, viagem, leilão, feira, arraial,
Meu coração postigo,
Meu coração encomenda,
Meu coração carta, bagagem, satisfação, entrega,
Meu coração a margem, o lirrite, a súmula, o índice,
Eh-lá, eh-lá, eh-lá, bazar o meu coração.

Todos os amantes beijaram-se na minh'alma,
Todos os vadios dormiram um momento em cima de mim,
Todos os desprezados encostaram-se um momento ao meu ombro,
Atravessaram a rua, ao meu braço, todos os velhos e os doentes,
E houve um segredo que me disseram todos os assassinos.

(Aquela cujo sorriso sugere a paz que eu não tenho,
Em cujo baixar-de-olhos há uma paisagem da Holanda,
Com as cabeças femininas coiffées de lin
E todo o esforço quotidiano de um povo pacífico e limpo...
Aquela que é o anel deixado em cima da cômoda,
E a fita entalada com o fechar da gaveta,
Fita cor-de-rosa, não gosto da cor mas da fita entalada,
Assim como não gosto da vida, mas gosto de senti-la ...

Dormir como um cão corrido no caminho, ao sol,
Definitivamente para todo o resto do Universo,
E que os carros me passem por cima.)

Fui para a cama com todos os sentimentos,
Fui souteneur de todas ás emoções,
Pagaram-me bebidas todos os acasos das sensações,
Troquei olhares com todos os motivos de agir,
Estive mão em mão com todos os impulsos para partir,
Febre imensa das horas!
Angústia da forja das emoções!
Raiva, espuma, a imensidão que não cabe no meu lenço,
A cadela a uivar de noite,
O tanque da quinta a passear à roda da minha insônia,
O bosque como foi à tarde, quando lá passeamos, a rosa,
A madeixa indiferente, o musgo, os pinheiros,
Toda a raiva de não conter isto tudo, de não deter isto tudo,
Ó fome abstrata das coisas, cio impotente dos momentos,
Orgia intelectual de sentir a vida!

Obter tudo por suficiência divina —
As vésperas, os consentimentos, os avisos,
As cousas belas da vida —
O talento, a virtude, a impunidade,
A tendência para acompanhar os outros a casa,
A situação de passageiro,
A conveniência em embarcar já para ter lugar,
E falta sempre uma coisa, um copo, uma brisa, urna frase,
E a vida dói quanto mais se goza e quanto mais se inventa.

Poder rir, rir, rir despejadamente,
Rir como um copo entornado,
Absolutamente doido só por sentir,
Absolutamente roto por me roçar contra as coisas,
Ferido na boca por morder coisas,
Com as unhas em sangue por me agarrar a coisas,
E depois dêem-me a cela que quiserem que eu me lembrarei da vida.

Sentir tudo de todas as maneiras,
Ter todas as opiniões,
Ser sincero contradizendo-se a cada minuto,
Desagradar a si próprio pela plena liberalidade de espírito,
E amar as coisas como Deus.

Eu, que sou mais irmão de uma árvore que de um operário,
Eu, que sinto mais a dor suposta do mar ao bater na praia
Que a dor real das crianças em quem batem
(Ah, como isto deve ser falso, pobres crianças em quem batem —
E por que é que as minhas sensações se revezam tão depressa?)
Eu, enfim, que sou um diálogo continuo,
Um falar-alto incompreensível, alta-noite na torre,
Quando os sinos oscilam vagamente sem que mão lhes toque
E faz pena saber que há vida que viver amanhã.
Eu, enfim, literalmente eu,
E eu metaforicamente também,
Eu, o poeta sensacionista, enviado do Acaso
As leis irrepreensíveis da Vida,
Eu, o fumador de cigarros por profissão adequada,
O indivíduo que fuma ópio, que toma absinto, mas que, enfim,
Prefere pensar em fumar ópio a fumá-lo
E acha mais seu olhar para o absinto a beber que bebê-lo...
Eu, este degenerado superior sem arquivos na alma,
Sem personalidade com valor declarado,
Eu, o investigador solene das coisas fúteis,
Que era capaz de ir viver na Sibéria só por embirrar com isso,
E que acho que não faz mal não ligar importâricia à pátria
Porqtie não tenho raiz, como uma árvore, e portanto não tenho raiz
Eu, que tantas vezes me sinto tão real como uma metáfora,

Como uma frase escrita por um doente no livro da rapariga que encontrou no terraço,
Ou uma partida de xadrez no convés dum transatlântico,
Eu, a ama que empurra os perambulators em todos os jardins públicos,
Eu, o policia que a olha, parado para trás na álea,
Eu, a criança no carro, que acena à sua inconsciência lúcida com um coral com guizos.
Eu, a paisagem por detrás disto tudo, a paz citadina
Coada através das árvores do jardim público,
Eu, o que os espera a todos em casa,
Eu, o que eles encontram na rua,
Eu, o que eles não sabem de si próprios,
Eu, aquela coisa em que estás pensando e te marca esse sorriso,
Eu, o contraditório, o fictício, o aranzel, a espuma,
O cartaz posto agora, as ancas da francesa, o olhar do padre,
O largo onde se encontram as suas ruas e os chauffeurs dormem contra os carros,
A cicatriz do sargento mal encarado,
O sebo na gola do explicador doente que volta para casa,
A chávena que era por onde o pequenito que morreu bebia sempre,
E tem uma falha na asa (e tudo isto cabe num coração de mãe e enche-o)...
Eu, o ditado de francês da pequenita que mexe nas ligas,
Eu, os pés que se tocam por baixo do bridge sob o lustre,
Eu, a carta escondida, o calor do lenço, a sacada com a janela entreaberta,
O portão de serviço onde a criada fala com os desejos do primo,
O sacana do José que prometeu vir e não veio
E a gente tinha uma partida para lhe fazer...
Eu, tudo isto, e além disto o resto do mundo...
Tanta coisa, as portas que se abrem, e a razão por que elas se abrem,
E as coisas que já fizeram as mãos que abrem as portas...
Eu, a infelicidade-nata de todas as expressões,
A impossibilidade de exprimir todos os sentimentos,
Sem que haja uma lápida no cemitério para o irmão de tudo isto,
E o que parece não querer dizer nada sempre quer dizer qualquer cousa...
Sim, eu, o engenheiro naval que sou supersticioso como uma camponesa madrinha,
E uso monóculo para não parecer igual à idéia real que faço de mim,
Que levo às vezes três horas a vestir-me e nem por isso acho isso natural,
Mas acho-o metafísico e se me batem à porta zango-me,
Não tanto por me interromperem a gravata como por ficar sabendo que há a vida...
Sim, enfim, eu o destinatário das cartas lacradas,
O baú das iniciais gastas,
A entonação das vozes que nunca ouviremos mais -
Deus guarda isso tudo no Mistério, e às vezes sentimo-lo
E a vida pesa de repente e faz muito frio mais perto que o corpo.
A Brígida prima da minha tia,
O general em que elas falavam - general quando elas eram pequenas,
E a vida era guerra civil a todas as esquinas...
Vive le mélodrame oú Margot a pleuré!
Caem as folhas secas no chão irregularmente,
Mas o fato é que sempre é outono no outono,
E o inverno vem depois fatalmente,
há só um caminho para a vida, que é a vida...
Esse velho insignificante, mas que ainda conheceu os românticos,
Esse opúsculo político do tempo das revoluções constitucionais,
E a dor que tudo isso deixa, sem que se saiba a razão
Nem haja para chorar tudo mais razão que senti-lo.

Viro todos os dias todas as esquinas de todas as ruas,
E sempre que estou pensando numa coisa, estou pensando noutra.
Não me subordino senão por atavisnio,
E há sempre razões para emigrar para quem não está de cama.

Das serrasses de todos os cafés de todas as cidades
Acessíveis à imaginação
Reparo para a vida que passa, sigo-a sem me mexer,
Pertenço-lhe sem tirar um gesto da algibeira,
Nem tomar nota do que vi para depois fingir que o vi.

No automóvel amarelo a mulher definitiva de alguém passa,
Vou ao lado dela sem ela saber.
No trottoir imediato eles encontram-se por um acaso combinado,
Mas antes de o encontro deles lá estar já eu estava com eles lá.
Não há maneira de se esquivarem a encontrar-me,
Não há modo de eu não estar em toda a parte.
O meu privilégio é tudo
(Brevetée, Sans Garantie de Dieu, a minh'Alma).

Assisto a tudo e definitivamente.
Não há jóia para mulher que não seja comprada por mim e para mim,
Não há intenção de estar esperando que não seja minha de qualquer maneira,
Não há resultado de conversa que não seja meu por acaso,
Não há toque de sino em Lisboa há trinta anos, noite de S. Carlos há cinqüenta
Que não seja para mim por uma galantaria deposta.

Fui educado pela Imaginação,
Viajei pela mão dela sempre,
Amei, odiei, falei, pensei sempre por isso,
E todos os dias têm essa janela por diante,
E todas as horas parecem minhas dessa maneira.

Cavalgada explosiva, explodida, como uma bomba que rebenta,
Cavalgada rebentando para todos os lados ao mesmo tempo,
Cavalgada por cima do espaço, salto por cima do tempo,
Galga, cavalo eléctron-íon, sistema solar resumido
Por dentro da ação dos êmbolos, por fora do giro dos volantes.
Dentro dos êmbolos, tornado velocidade abstrata e louca,
Ajo a ferro e velocidade, vaivém, loucura, raiva contida,
Atado ao rasto de todos os volantes giro assombrosas horas,
E todo o universo range, estraleja e estropia-se em mim.

Ho-ho-ho-ho-ho!...
Cada vez mais depressa, cada vez mais com o espírito adiante do corpo
Adiante da própria idéia veloz do corpo projetado,
Com o espírito atrás adiante do corpo, sombra, chispa,
He-la-ho-ho ... Helahoho ...

Toda a energia é a mesma e toda a natureza é o mesmo...
A seiva da seiva das árvores é a mesma energia que mexe
As rodas da locomotiva, as rodas do elétrico, os volantes dos Diesel,
E um carro puxado a mulas ou a gasolina é puxado pela mesma coisa.

Raiva panteísta de sentir em mim formidandamente,
Com todos os meus sentidos em ebulição, com todos os meus poros em fumo,
Que tudo é uma só velocidade, uma só energia, uma só divina linha
De si para si, parada a ciciar violências de velocidade louca...
Ho ----

Ave, salve, viva a unidade veloz de tudo!
Ave, salve, viva a igualdade de tudo em seta!
Ave, salve, viva a grande máquina universo!
Ave, que sois o mesmo, árvores, máquinas, leis!
Ave, que sois o mesmo, vermes, êmbolos, idéias abstratas,
A mesma seiva vos enche, a mesma seiva vos torna,
A mesma coisa sois, e o resto é por fora e falso,
O resto, o estático resto que fica nos olhos que param,
Mas não nos meus nervos motor de explosão a óleos pesados ou leves,
Não nos meus nervos todas as máquinas, todos os sistemas de engrenagem,
Nos meus nervos locomotiva, carro elétrico, automóvel, debulhadora a vapor

Nos meus nervos máquina marítima, Diesel, semi-Diesel,
Campbell, Nos meus nervos instalação absoluta a vapor, a gás, a óleo e a eletricidade,
Máquina universal movida por correias de todos os momentos!

Todas as madrugadas são a madrugada e a vida.
Todas as auroras raiam no mesmo lugar:
Infinito...
Todas as alegrias de ave vêm da mesma garganta,
Todos os estremecimentos de folhas são da mesma árvore,
E todos os que se levantam cedo para ir trabalhar
Vão da mesma casa para a mesma fábrica por o mesmo caminho...

Rola, bola grande, formigueiro de consciências, terra,
Rola, auroreada, entardecida, a prumo sob sóis, noturna,
Rola no espaço abstrato, na noite mal iluminada realmente
Rola ...

Sinto na minha cabeça a velocidade de giro da terra,
E todos os países e todas as pessoas giram dentro de mim,
Centrífuga ânsia, raiva de ir por os ares até aos astros
Bate pancadas de encontro ao interior do meu crânio,
Põe-me alfinetes vendados por toda a consciência do meu corpo,
Faz-me levantar-me mil vezes e dirigir-me para Abstrato,
Para inencontrável, Ali sem restrições nenhumas,
A Meta invisível  todos os pontos onde eu não estou  e ao mesmo tempo ...

Ah, não estar parado nem a andar,
Não estar deitado nem de pé,
Nem acordado nem a dormir,
Nem aqui nem noutro ponto qualquer,
Resol,,,er a equação desta inquietação prolixa,
Saber onde estar para poder estar em toda a parte,
Saber onde deitar-me para estar passeando por todas as ruas ...

Ho-ho-ho-ho-ho-ho-ho

Cavalgada alada de mim por cima de todas as coisas,
Cavalgada estalada de mim por baixo de todas as coisas,
Cavalgada alada e estalada de mim por causa de todas as coisas ...

Hup-la por cima das árvores, hup-la por baixo dos tanques,
Hup-la contra as paredes, hup-la raspando nos troncos,
Hup-la no ar, hup-la no vento, hup-la, hup-la nas praias,
Numa velocidade crescente, insistente, violenta,
Hup-la hup-la hup-la hup-la ...

Cavalgada panteísta de mim por dentro de todas as coisas,
Cavalgada energética por dentro de todas as energias,
Cavalgada de mim por dentro do carvão que se queima, da lâmpada que arde,
Clarim claro da manhã ao fundo
Do semicírculo frio do horizonte,
Tênue clarim longínquo como bandeiras incertas
Desfraldadas para além de onde as cores são visíveis ...

Clarim trêmulo, poeira parada, onde a noite cessa,
Poeira de ouro parada no fundo da visibilidade ...

Carro que chia limpidamente, vapor que apita,
Guindaste que começa a girar no meu ouvido,
Tosse seca, nova do que sai de casa,
Leve arrepio matutino na alegria de viver,
Gargalhada súbita velada pela bruma exterior não sei como,
Costureira fadada para pior que a manhã que sente,
Operário tísico desfeito para feliz nesta hora
Inevitavelmente vital,
Em que o relevo das coisas é suave, certo e simpático,
Em que os muros são frescos ao contacto da mão, e as casas
Abrem aqu; e ali os olhos cortinados a branco...

Toda a madrugada é uma colina que oscila,
...................................................................
... e caminha tudo

Para a hora cheia de luz em que as lojas baixam as pálpebras
E rumor tráfego carroça comboio eu sinto sol estruge

Vertigem do meio-dia emoldurada a vertigens
Sol dos vértices e nos... da minha visão estriada,
Do rodopio parado da minha retentiva seca,
Do abrumado clarão fixo da minha consciência de viver.

Rumor tráfego carroça comboio carros eu sinto sol rua,
Aros caixotes trolley loja rua i,itrines saia olhos
Rapidamente calhas carroças caixotes rua atravessar rua
Passeio lojistas "perdão" rua
Rua a passear por mim a passear pela rua por mim
Tudo espelhos as lojas de cá dentro das lojas de lá
A velocidade dos carros ao contrário nos espelhos oblíquos das montras,
O chão no ar o sol por baixo dos pés rua regas flores no cesto rua
O meu passado rua estremece camion rua não me recordo rua

Eu de cabeça pra baixo no centro da minha consciência de mim
Rua sem poder encontrar uma sensação só de cada vez rua
Rua pra trás e pra diante debaixo dos meus pés
Rua em X em Y em Z por dentro dos meus braços
Rua pelo meu monóculo em círculos de cinematógrafo pequeno,
Caleidoscópio em curvas iriadas nítidas rua.
Bebedeira da rua e de sentir ver ouvir tudo ao mesmo tempo.
Bater das fontes de estar vindo para cá ao mesmo tempo que vou para lá.
Comboio parte-te de encontro ao resguardo da linha de desvio!
Vapor navega direito ao cais e racha-te contra ele!
Automóvel guiado pela loucura de todo o universo precipita-te
Por todos os precipícios abaixo
E choca-te, trz!, esfrangalha-te no fundo do meu coração!

À moi, todos os objetos projéteis!
À moi, todos os objetos direções!
À moi, todos os objetos invisíveis de velozes!
Batam-me, trespassem-me, ultrapassem-me!
Sou eu que me bato, que me trespasso, que me ultrapasso!
A raiva de todos os ímpetos fecha em círculo-mim!

Hela-hoho comboio, automóvel, aeroplano minhas ânsias,
Velocidade entra por todas as idéias dentro,
Choca de encontro a todos os sonhos e parte-os,
Chamusca todos os ideais humanitários e úteis,
Atropela todos os sentimentos normais, decentes, concordantes,
Colhe no giro do teu volante vertiginoso e pesado
Os corpos de todas as filosofias, os tropos de todos os poemas,
Esfrangalha-os e fica só tu, volante abstrato nos ares,
Senhor supremo da hora européia, metálico a cio.
Vamos, que a cavalgada não tenha fim nem em Deus!
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...............................................................
...............................................................
...............................................................

Dói-me a imaginação não sei como, mas é ela que dói,
Declina dentro de mim o sol no alto do céu.
Começa a tender a entardecer no azul e nos meus nervos.
Vamos ó cavalgada, quem mais me consegues tornar?
Eu que, veloz, voraz, comilão da energia abstrata,
Queria comer, beber, esfolar e arranhar o mundo,
Eu, que só me contentaria com calcar o universo aos pés,
Calcar, calcar, calcar até não sentir.
Eu, sinto que ficou fora do que imaginei tudo o que quis,
Que embora eu quisesse tudo, tudo me faltou.

Cavalgada desmantelada por cima de todos os cimos,
Cavalgada desarticulada por baixo de todos os poços,
Cavalgada vôo, cavalgada seta, cavalgada pensamento-relâmpago,
Cavalgada eu, cavalgada eu, cavalgada o universo eu.
Helahoho-o-o-o-o-o-o-o ...

Meu ser elástico, mola, agulha, trepidação ...


terça-feira, 3 de maio de 2011

Concrete Jungle


Composição: Bob Marley

No sun will shine in my day today (No sun will shine.)
The high yellow moon won't come out to play (Won't come out to play.)
Darkness has covered my light (and has changed,)
And has changed my day into night
Now where is this love to be found, won't someone tell me?
'Cause life, sweet life, must be somewhere to be found, yeah
Instead of a concrete jungle where the livin' is hardest
Concrete jungle, oh man, you've got to do your best, yeah.

No chains around my feet, but I'm not free
I know I am bound here in captivity
And I've never known happiness, and I've never known sweetcaresses
Still, I be always laughing like a clown
Won't someone help me?
Cause, sweet life, I've, I've got to pick myself from off theground, yeah
In this here concrete jungle,I say, what do you got for me now?
Concrete jungle, oh, why won't you let me be now?

I said life, sweet life, must be somewhere to be found, yeah
Instead of a concrete jungle, illusion, confusion
Concreate jungle, yeah
Concrete jungle, you name it, we got it, concrete jungle now

Concrete jungle, what do you got for me now



[Tradução]
Selva de Concreto

Nenhum sol vai brilhar no meu dia hoje(Nenhum sol vai brilhar)A alta lua amarelada não sairá pra brincar(não sairá pra brincar)A escuridão tem coberto minha luz (e transformou)E transformou meu dia em noiteAgora aonde o amor está e pode ser encontrado? Alguém vai me contar?Pois a vida, doce vida, deve estar em algum lugar para ser encontradaAo invés de selva de concreto onde viver é tão mais difícil!Selva de concreto, cara, você tem de dar tudo de si, sim.

Mesmo sem correntes nos pés, mas não estou livre...Sei que estou aqui, amarrado e cativoJamais conheci a felicidade, e nunca soube o que é uma doce caríciaVou sempre gargalhar como um palhaçoNinguém vai me socorrer porqueDevo me erguer sozinho deste chãoNesta selva de concretoEu digo, o que você tem agora para mim?Selva de concreto, Ah não vai agora me deixar na mão...

Eu disse que a vida deve ser um lugar para ser encontrada, simEm vez de uma selva de concreto, ilusão, confusãoSelva de concreto, simSelva de concreto, você nomeou isso, você teve isso, agora selva de concreto

Selva de concreto, o que você tem pra mim agora?