sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

Encontros com Caetano

Eu ganho o meu tempo quando ele aparece. Quem bem me conhece sabe que eu adoro Caetano Veloso, desde criança, quando parei peguei na capa de um disco em vinil "Totalmente Demais Ao Vivo" e com minha irmã mais velha eu acompanhei a leitura de Vaca Profana. Ela dizendo "eu conheço essa música!", cantarolando. Depois desse momento começamos nossa busca por letras, discos nas casas dos familiares, entrevistas, interpretação de letra de música... Encontramos um livro que continha as mais famosas músicas de Caetano com informações de rodapé sobre todas elas! (Agora decidi, definitivamente, nunca mais emprestar meus livros) e sua breve biografia, com fotos dos seus pais e irmãos. Meu pai disse, em um determinado domingo, que iríamos todos passear à tarde pois tinha uma surpresa para mim. Não conseguiu esconder por muito tempo, aos 9 anos eu já lia o jornal e li a notícia: Caetano estaria na Colina do Bonfim para inauguração da recuperação do local pela prefeitura de Lídice da Mata. Assim, acabei com a surpresa! Esbocei uma lágrima – na minha cabeça de criança eu tinha que fazer cair uma lágrima para demonstrar a minha emoção. Tal emoção que eu não senti... Enxerguei naquele momento um ser de carne e osso, muito simpático, e só. Cheguei bem pertinho dele, puxada pelo braço por uma tia que pensou ser eu uma daquelas fãs alucinadas e histéricas. Tsc, tsc... Depois fui à Santo Amaro ver o show. Ele vestido de amarelo e branco olhou para mim, com certeza, eu vi. Um menina de seus 13 ou 14 anos cantando todas as músicas bem pertinho do palco, observando todos os movimentos faciais dele, com uma máquina fotográfica na mão que logo passei para o meu primo e pude curtir o show, na sua voz e no seu violão. Passado algum tempo, eu novamente em Santo Amaro, o encontrei numa festa de Reis e depois num show de Margareth Menezes o qual, surpreendentemente, meu hoje cumpadre cutuca o meu braço e pede para eu olhar para o lado dizendo: "olhe quem está aí". Caetano ao meu lado, assistindo ao show também, muito mais carne e osso, assim como eu. Depois o encontrei no Arraiá da Capitá, aos meus 16 anos, inusitadamente, pois nem sabia quais as atrações do dia. Lindo show.


Hoje passei a tarde assistindo sua aparição na televisão, juntamente com GalCosta. Jô Soares não resistia em instigar as palavras de caetano. Gal monossilábica, sem muito expressão, e ele simplesmente falante, leve, maduro. Ela já não mais satisfazendo ao público com seus agudos marcantes, voz mais grave e tons baixos fez até o meu marido criticar, dizendo que não canta mais como antes. Bem verdade. Ninguém é como antes e o público é cruel. Caetano na sua generosidade, compôs músicas e deu para Gal gravar, mesmo sabendo, com certeza, que não é mais aquela voz maravilhosa de antes, mas é a mesma artista, amiga e cantora sensível com a arte, a colocar a voz em suas canções, pois como toda a gente do signo de leão (isso existindo ou não), é vaidoso e aprefeiçou a sua voz com o passar dos anos. Foi bonito. E o melhor é vê-lo cada vez mais lúcido, inteligentíssimo, tão ele mesmo, assim como eu.

terça-feira, 6 de dezembro de 2011

Longe de você

Saiba então que eu não sou eu longe de você


Daqui de dentro tiraram você de mim

e eu não sabia, não senti nem dor, nem frio, nem calor

Só disse "eu te amo, meu amor"

para que no bem dizer fosse recebida

no meu querer ainda sem querer, sem saber

Então longe de você eu não consigo conter

tento escrever, seguro minhas mãos para não telefonar

seguro minhas pernas para não correrem no seu encalço

e te arrancar de onde está

Porque o seu lugar, para mim, é ao meu lado

Quando conversamos, quando nos ensinamos,

quando você inventa um novo jeito de falar

quando você canta o seu inglês sem pestanejar e nem desafinar

Quando você me chama de minha

e eu me assusto, como no tempo que era só mainha.

segunda-feira, 28 de novembro de 2011

Rascunhos de Novembro

RASCUNHO I

É novembro e ainda há tempo


De esquecer as minhas rugas

Dizer não ao meu desalento


Essa coisa que mexe comigo

Não me abriga

Mas me obriga e eu penso

Que diabos eu faço com o tempo?!

Às vezes sem inspiração sou levada pelas

minhas mãos independentes no espaço

Onde eu me esqueço, onde eu me perco,

E quando passa tudo, eu me acho


Muitas vezes sem palavrões


Não penso, não penso, não penso!

Escrevo, me guardo

Nada falo

Canto, choro

Respiro

Durmo, sonho

Desperto e interpreto


RASCUNHO II

Deve existir o calor da morte

A febre de ir embora

Se há ardor na paixão

Talvez exista certa frieza no amor

A dor que me diga

Qual remédio devo tomar

Nesse calor da febre que me arde

E me faz esfriar para viver

Até encontrar a febre de morrer


Porque há sim

Olhos lacrimejantes

De lágrimas que não escolhem por onde

Narinas, olhos, ventre, todos os vãos

Cabeça quente

Esvaziada

Respiração ofegante

Cansada

Da frieza de viver

Para encontrar

A febre de morrer

sábado, 22 de outubro de 2011

Speak Low

Composição: Ogden Nash - Kurt Weill


Speak low


When you speak love

Our summer day

Withers away

Too soon, too soon



Speak low

When you speak love

Our moment is swift

Like ships adrift,



Were swept apart

Too soon

Speak low

Darling speak low

Love is a spark

Lost in the dark

Too soon, too soon



I feel

Wherever I go

That tomorrow is here

Tomorrow is near

And always too soon

Time is so old

And love's so brief

Love is pure gold

And time a thief.



We're late,

Darling we're late



The curtain descends,

Everything ends

Too soon, too soon

I wait,

Darling I wait

When you speak low to me,

Speak love to me and soon.

sexta-feira, 21 de outubro de 2011

Menina Maluquinha

- Mãe, eu sei porque você não ia se matar...


- É? Por quê?

- Porque você não vive sem mim, e eu estou aqui!

Conversando sobre sua aula de violão, ela disse que faria um livro de músicas, mas de músicas que já existem. Eu retruquei: "músicas que já existem?". Ela imediatamente colocou: "Mãe, você faz poesias, então você poderia fazer um livro com suas poesias!" O livro já está a caminho, eu esclareci, e ela perguntou o título. "Desassossegada", já tem a foto da capa e tudo. Eu pensei em um outro nome, "Argolas", então ela disse: "é melhor, você sabe quanto menor o nome, mais fácil de produzir..."! De onde veio este ser prestes a completar 8 anos de nascida, capaz de fazer tais colocações, tão sóbrias, opiniões tão particulares? Talvez seja corujisse de mãe na sua primeira viagem.

Hoje, sexta-feira, dia de levar um brinquedo para a escola. A professora já apreendera dois dos brinquedos que levou fora desse dia e que havia me garantido não usar dentro da sala de aula. Não bastou o compromisso com a palavra, talvez essa seja uma das oportunidades para se tratar do conceito de confiança, compromisso, e assim o fiz. Afinal, crianças não nascem sabendo! Hoje, sexta-feira, ela resolveu não levar um brinquedo, mas vestir seu equipamento de segurança para andar de patins – cotoveleiras, joelheiras e capacete. Tudo rosa, cor que não é mais a sua predileta, agora é o azul. Quando a vi toda encasacada nesse dia chuvoso, equipada, perguntei: "As pessoas não vão rir de você?" Ela prontamente responde: "Tem problema não!" É o seu desejo acima de tudo, acima da opinião alheia, sua segurança, segurança de si. Coisa que quando criança eu não tive, mas hoje queria ter.

No dia das crianças o seu presente foi o livro "O Menino Maluquinho", de Ziraldo, publicado em 1980. Ela já o havia trazido da biblioteca da escola e declarado a sua identificação com a história, detalhando inclusive parte do texto no qual isso acontecera: "(...) tinha dez no boletim que não acabava mais. E ele dizia aos pais cheio de contentamento: Só tem um zerinho aí. Num tal de comportamento" (coincidentemente achei o livro marcado nesta página!) Esse livro sempre esteve disponível na casa me meus primos, e eu nunca inclinei qualquer interesse, mas antes de comprar para minha filha, realizei a leitura completa e, nossa! Como é.... Criança! O livro conta a história de um menino que... fazia as mesmas coisas que ela faz! Risca, recorta, inventa, lê, brinca, canta, dança, chora, joga futebol... Eu quem identifiquei a minha filha na leitura, acredito que muito mais do que ela.

Ontem fui dormir pensando nisso tudo que estou escrevendo hoje, pensando também nas minhas tantas angústias. Hoje ela sai toda segura de si, sabendo inclusive do lucro de alegrar as pessoas caso deem risadas da sua apresentação. De como é possível em meio a minha dificuldade de viver ter no meu seio familiar uma criança tão sadia, tão cheia de tantas coisas para oferecer ao mundo e colher dele. Eu disse a ela, achando ensinar alguma novidade, que é preciso ter coragem para viver, para sair de casa, e ela disse: "Você tem razão, tem ladrão, tem os carros..." E eu disse: "Tem gente." Mas disso ela não tem medo. Ela não tem medo! A maioria das mães, mesmo inconscientemente, desejam realizar-se em seus filhos quando na vida adulta. Eu já sinto a realização, porque com certeza ela crescerá e se transformará numa pessoa legal, aliás, na pessoa mais legal do mundo, mas uma pessoa legal mesmo! Assim como O Menino Maluquinho que no final da história todo mundo descobre que não tinha sido um menino maluquinho, mas que tinha sido um menino feliz! (Contei o final da história! Rsrsrsr).
 

terça-feira, 18 de outubro de 2011

O tempo que me tem

Eu queria ter o tempo


Mas é o tempo que me tem

Fazer a roda viva

girar como a pomba gira

Fazer o gosto de quem me quer bem

Eu queria ter o tempo

Mas é o tempo que me tem

Fazer juras e promessas

Ter muito tempo para cumprir

Achar o meu achado

No prazo determinado

Correr aqui e ali

Eu teria mais trabalho e nem precisaria domir

Deitaria no seu colo, esqueceria de mim...

Mas é o tempo que me tem

Vive a me possuir

O meu querer não adianta

Fico deitada na cama

Esperando ele vir

domingo, 9 de outubro de 2011

Gota de felicidade

Quero uma gota do que chamam felicidade
Só uma gota
Encharcaria o meu corpo inteiro
e eu sairia dessa agonia

Só uma gota de felicidade
eu me embriagaria
mataria a minha sede
assim com certeza eu correria para os seus braços
e diria: "não vá com tanta pressa"
"Ainda há tempo para mim?"

O seu ódio dissolveria com o meu corpo
Seus desejos como uma planta eu regaria

Eu só quero uma gota do que chamam felicidade
Assim eu viveria
E amanhã eu seria bem mais
Feliz

segunda-feira, 26 de setembro de 2011

Por isso vá

É difícil porque eu não sou tão leve para você me carregar. Eu não sou tão doce para você deliciar e nem sou tão boa para merecer o que vem de você.
Levanto tanta poeira no meu caminhar, ando só e é impossível de acompanhar o meu descompasso.
Isso dói e você precisa saber que o meu querer não é o bastante. Isso mexe comigo, inquieta, desassossega e eu machuco você.
Por favor, não se aproxime. Tenho limites. Muitas vezes minha razão se esvai e eu sou perigo constante nesse instante.
Por isso vá e não olhe para trás, não se arrependa, não tenha pena.
Vivo assim incapaz de viver em paz.
Não me suporto, não me sustento, morro a cada minuto em que vivo e não me conformo com isso.

domingo, 25 de setembro de 2011

A pior das angústias

Apresento-me a este branco. Meus olhos enxergam a ausência das cores a cada passo que tento dar, como num palco de teatro, onde lá sou só eu e minha fala, minha interpretação. Quem já subiu ao palco sabe que um passo à frente no breu pode ser uma queda fatal. Por isso atraso o passo, por isso olho para baixo, por isso apresento-me ao branco. A luz foca o meu rosto, e por ora enxergo faces além do breu em um ocaso deprimente. Mas rejeito as cores, apago meus reflexos e o som me salva. Nem sei qual o caminho. Escolho a crise do fechar os olhos e deixar que qualquer interferência tome conta de mim. Parada na marcação do tablado, eu releio minhas palavras afetadas, com voz falhada, rouca, sem poder chorar para dizer a verdade daquilo que escrevi. Assim complico a vida da plateia, pouco concentrada em palavras e desejante de um espetáculo catártico.

Não vou falar da loucura, não vou falar da infância, não vou falar em nome de raça, nem religião, nem indignação óbvia. Vou falar da pior das angústias, a de ser presa de mim sem caçador.

terça-feira, 20 de setembro de 2011

Papel de Carta

É possível retirar pessoas da nossa vida? Tenho cá minhas dúvidas. Andei fazendo faxina no meu facebook e solicitei ao meu marido que realizasse a mesma ação no dele. Pessoas que não fazem parte da minha vida efetivamente ou que somente mantêm uma relação profissional devem permanecer na minha rede virtual. Eu decidi que não. Ainda não trabalho e nem lucro com a divulgação da minha intimidade. Tem aquelas pessoas que eu pouco vejo, mas o carinho ainda existe. Tem aquelas que eu pouco vejo e não merecem mais o carinho. Tem aquelas que eu pouco vejo e nem tem sequer carinho. Tem aquelas as quais quero atingir com as palavras publicadas, aquelas pessoas de opiniões interessantes e ligadas na informação. Tem as pessoas amadas, pessoas a quem desejo que sempre leiam minhas publicações... Exclui algumas da rede, mas não dá para excluir da vida.

Sabe aquele texto de Chaplin "Cada pessoa que passa em nossa vida, passa sozinha, é porque cada pessoa é única e nenhuma substitui a outra! Cada pessoa que passa em nossa vida passa sozinha e não nos deixa só porque deixa um pouco de si e leva um pouquinho de nós. Essa é a mais bela responsabilidade da vida e a prova de que as pessoas não se encontram por acaso."? É bem por aí, um dos textos que estão num caderninho de coleções de frases que tenho desde que comecei a imitar os bons hábitos de minha irmã mais velha. Eu copiava as frases dela, depois passei a capturar as frases alheias sozinha, depois passei a eu mesma escrever as minhas frases. Tenho esse caderninho até hoje. Na capa há uma montagem escrito "Frases" e dentro eu percebo a evolução (para pior, é óbvio!) da minha caligrafia com o passar do meu tempo de vida. Lembrei agora que ela também tinha uma coleção linda de papéis de carta, mas essa eu não consegui copiar porque, pensando bem agora, o que há de interessante em colecionar papéis enfeitados e sem nada escrito? Ela estimava a coleção, uma pasta espessa, papéis lindos e sem sinais de amassos. Nem sem o que aconteceu com eles...

Neste exato momento a escrita vem como remédio, calmante para a minha alma. Tantas confusões mentais, tanta poesia sem registro vem na minha mente... Na beira do rio da loucura. Nem lago, nem dique, nem praia. O rio é da loucura mesmo, que leva as ideias para a imensidão que é o mar do pensamento. Freud escreveu um livro chamado "Projeto para uma Psicologia Científica" tentando normatizar, fisiologizar o aparelho psíquico. Penso que foi em 1895. Li, ou fingi que li (sabe como é fingir que leu? rsrsrs), exaustivamente este texto e pensei não haver retido nada, pois o sujeito que resolveu dizer que conhecia o texto, na época estudado na Confraria dos Saberes, por pouco não me fez desistir de Freud (será que era esse o objetivo dele??? Se quiserem saber o nome depois eu divulgo! Não o indico a qualquer pessoa como parceria para o exercício da psicanálise!). Então, o livro trata disso, e vai ser maravilhosamente elaborado no clássico freudiano "A Interpretação dos Sonhos", de 1900.

Quero escrever mais sobre isso depois... escreveria hoje até dormir....

sexta-feira, 16 de setembro de 2011

Oxigênio

Faz tempo não decido parar para escrever. Meu blog quase abandonado, porém ainda respirando – de vez em quando entro e o oxigeno com a minha visita. Oxigenar, esse é o nome. Retornei à análise semanalmente, e isso provoca em mim a tal da felicidade. Por estar trabalhando muito na empresa que paga pelo meu trabalho e na análise, lugar onde eu pago para trabalhar, tenho encontrado certos sentidos para viver a meu favor e a favor da minha família edificada, principalmente. A saudade da minha analista tem sido saciada a cada segunda-feira com o trabalho, o encanto pela minha nova colega de trabalho e meus gerentes tem sido alimentado também pelo trabalho. Na minha casa, sinto as coisas tomando seu devido lugar em consequência da motivação do meu marido com o seu novo trabalho e minha filha retornando aos cuidados de uma mãe que não deixa de fazer contato com a psicanálise, que me mostra todo dia que a vida é trabalho.


Estou nesse momento fazendo o exercício psicanalítico do qual não lembro o nome agora, mas que faz referência à nossa retenção inconsciente do que ouvimos com a palavra trabalho. Já escrevi um texto sobre isso no meu blog. TRABALHO, a única palavra que extraio da composição desta é alho, e eu associo ao efeito antibiótico do alho, muito usado na cozinha da minha casa. (A escrita está bem flutuante! Rsrsrs). Cresci com a informação de minha mãe de que sou alérgica à penicilina e quase não precisei de antibióticos na minha vida. Meus dentes nunca tiveram uma cárie sequer até chegar os 30 anos... nem os cabelos brancos, nem os pés inchados de ficar tanto tempo sentada durante a jornada...ah! O danado dos trinta anos! Pelos 30 anos vividos tenho sentido a velhice, e tenho dito que estou velha. Sim, estou velha, porque desde criança eu sou velha! Também já escrevi uma poesia sobre isso. Minhas irmãs e primos conseguem se surpreender com a minha memória de coisas da nossa infância. Eu mesma às vezes não sabia que lembrava de tanta coisa que eles não lembravam, achava que certas recordações eram coletivas, mas não. Então, essa coisa de observar muito a minha volta era involuntário e sem quaisquer intenções, e talvez por isso, eu não soubesse como usar ao meu favor. Aí completam-se três décadas de impressões, registros, experiências e, se o meu eu não pode cindir com tantas falas e cenas registras, esquizofrenizar mesmo, eu decido procurar saber e encontrar o que fazer com tudo isso.

O melhor é descobrir o possível e constatar o impossível. As lagartixas não têm mexido com a minha fobia, nem os ratos. Nem as baratinhas do ônibus! Rsrsrsrs Constatei que elas, as baratinhas do ônibus, só aparecem à noite, com clima propício, que as lagartixas comem aranhas e pequenos insetos e minha casa deve estar limpa sempre. Muito mais dificil é a apariçao de um rato. Na Confraria dos Saberes tem um galo agora, e eu pude ficar observando (eu também apresento uma fobia de aves, pelos bicos, garras e expressões muito inexpressivas!) de longe e tive vontade de chegar bem perto e testar uma aproximação, mas a porta estava trancada. Parece até besteira isso que estou elaborando, mas vivo em psicanálise e sei que não o é. Uma relação com esses bichos é possível, o impossível é saber como a morte irá chegar, mas disso eu não preciso saber.

quarta-feira, 24 de agosto de 2011

LOUCO POR VOCÊ

composição: Caetano Veloso

TUDO O QUE RESSALTA QUER ME VER CHORAR
LOUCO POR VOCÊ
NADA ESQUECE DE ARMAR UMA LÁGRIMA
QUE ÀS VEZES VEM BATER
NA CARA
ONDA DO MAR
ATÉ GRITAR DE
FELICIDADE
TARDE CINZA, LÁGRIMA PRISMÁTICA
LOUCO POR VOCÊ
COR MULTIPLICADA, SOM, PALAVRA MÁ
PORQUE NÃO SEI DIZER
SAIBA
DIGA VOCÊ
AGORA É TARDE
FELICIDADE
VEM

quarta-feira, 6 de julho de 2011

Poeminha


Eu sou do dia...
Sol e mar
Sombra e brasa

Sou de Maria
Céu e ar
Não calejo em mágoas

Ana é alegria
Ana é luar
Ana é Maria

Quem lhe ensinou a querer
Quem lhe ensinou a saber
Vou procurar
Mistura de erva e laranjeiras
Para cheirar
Sou sua vida a passar
Clareana,
Mariana a caetanear

Está chegando o meu bonde
Até mais verdadeiro
Vou viver
Viajar
Sei lá

terça-feira, 21 de junho de 2011

Saudade dela....

Acabei de tentar sublimar os pensamentos afogados, como todo mês. Já fiz a cena típica da inveja do sexo oposto: destratei com meu mau humor a pessoa que eu amo e que me acompanha na rotina cruel e também no desvelamento da felicidade em momentos únicos. Enfim, fiz essa poesia ridícula porém válida sobre este momento no qual mistura-se a posição diante da vida, mistura de passado e presente, e a retenção de líquido (sem contar com a influência da lua, meu corpo aquático influenciável gravitacionalmente!).

Dói, de vez em quando, mas dói
Confesso o quanto chorei
Antes do sinal avisar

Vem sugando toda minha água
Nem lembro de sublimar
Retendo toda a minha alma
Sintoma, choro e penar
Santa de pau muito oco
Esqueço de me alimentar
Aturo burrice dos outros
Aquele que sabe tão pouco
Pode até se danar

Queria ter a vida simples dos bobos
andar como um roto
ser assim todo o mês
Quem dera minha cabeça pensasse
Não só por uns dias mas a eternidade
Em ser homem talvez

Vai e volta
Dói, de vez em quando...

Estou enfrentando uma tristeza particular. Minha filha está incomunicável desde a sexta-feira, portanto há quatro dias, devido à visita periódica à casa daquele cujo sangue corre em suas veias.
Aí, faço eu uma visita a minha biblioteca biográfica eletrônica e, dentre tantos títulos, encontro: “para mariana”. Aquele frio na barriga de susto. Se para mim fosse fácil acreditar em sobrenaturalidades, poderia ser até uma mensagem do além, mas remeti meus pensamentos instantaneamente às perguntas: “Eu escrevi esse texto?! Para mim mesma?” Dedos ágeis pelo teclado, abri o arquivo em BrOffice.org e não pude conter minhas lágrimas de saudade, emoção, tristeza, estresse e tudo mais que é possível uma mulher sentir nesse período tão delicado, descrito no início deste texto, que poucos homens têm a sensibilidade de compreender (o meu respectivo, por mais sensível que eu o julgue, não possui!). Eis o texto lido, originalmente em fonte Times New Roman, tamanho 100! Sem erros de ortografia!

“Eu te amo, te adoro muito.


Você é a mulher mais rica do país e do mundo inteiro e a mais generosa.


beijos e tchaus.”

Antes, estava procurando uma saída para essa dor da saudade, mas longe do amor não há... De qualquer forma qualquer parte de mim a acompanhará, e muito dela estará sempre em mim.

terça-feira, 24 de maio de 2011

Dia viva sem vida

Palavras já ditas, saturadas, descansadas, gritadas, enraizadas. Atitudes com raiva, ódio, sintoma. Desestrutura mental, visual, casual. Tremor no corpo inteiro. Desmotivação, depressão, exagero, tristeza, melancolia. Burrice, labirintite. Todas as inflamações possíveis. Sem remédio, no tédio, na paralisia, na agonia. Angústia de viver, dificuldade de viver, imcompreendida, gasta, arrastada, derrubada. Caída, deitada. Arrasada. Descansada. Preguiçosa, mal alimentada. Dia sem alma, sem vida, sem nada. Vazio de ar podre, usado, respirado. Estômago na boca, útero nos poros, olhos no escuro, pernas, braços, cabeça, pescoço, cobertos. Barulho infernal desse silêncio não dito, maldito. Quanto custa a palavra? Quem disse que eu queria aprender a falar, escrever? Foi só pra sobreviver... E agora, por que não posso falar? Pensar já é falar? O que eu faço com as ondas da minha cabeça? Afogo você? Ou aprendo a nadar?

quarta-feira, 18 de maio de 2011

Pensando poesia

Eu faço poesia esperando o meu mundo mudar
Os que sofrem escrevem, choram, gritam
e amam
Escrevo sem rebuscar, sem inflamar
Quse sem luz, sob a luz de outrem

Escrevo para não piorar essa dor,
tanta dor,
dentro do mim a agoniar
Resolvo em palavras,
essas palavras cujos riscos estou sem enxergar
a minha alma tantas vezes insana, inquieta
solidária porém malévola, má
Alma pública para eternizar
e depois verificar quantos caminhos eu atravessei
quantos os que eu pestanejei
e quantos ainda hei de alcançar

Mesmo em vocabulário ordinário, escasso, vulgar
Assim sem metaforizar
Em palavras publico a minha alma
Para indagação dos fortes
Para reflexão dos exaustos
Para o espanto dos covardes

Em versos expresso o que não sei calar
Em versos impresso o que eu não sei falar.

Um pouco de indignação (pensamentos)

Por que não se fala da dor? Só poetas, escritores, prosadores, cantores, atores... A felicidade deve ser compartilhada e a dor não? Por quê? Quero entrar para essa escola onde a maioria aprendeu a fingir não sentir dor... aliás, quero não. A dor existe, mas nessas exatas pessoas está no pé, na cabeça, no rabo, no dedo indicador. E a compaixão, onde estará perdida, tentando me encontrar? O que eu soube de mim através dos outros foi pouca coisa, e agora eu sinto dor, a dor do não saber - o que é pior. O mundo está aí, todo dolorido, e as pessoas entram nas redes sociais sorrindo! Então é melhor viver só... Eu não entendo a dor alheia, ou sinto demais e dói a minha impotência...
Sorrir da desgraça alheia pode ser uma maneira de ser feliz, soltar uma gargalhada. O mundo gira e mente, amanhece, entardece, anoitece mentindo. Nada aqui é meu, e o que eu quero não posso querer, porque não gira com o mundo, gira a favor do mundo. É a minha verdade, eu sei, mas por qual motivo irmã dulce vai virar santa?? Ela fez o que todos os seres humanos deveriam fazer, em seus atos partindo dos seus pensamentos. Nada contra aos católicos, apostólicos, parangoleiros. Mas se todas essas pessoas reunidas em massa para rezar o pai nosso e o rebolation ou o thubirabiron, assim o fizesse em prol do social, respeitando o limite do outro, como tuod isso seria indiferente. Ficar indignado hoje é papo careta, retórico, mas não posso deixar de me indignar! Vou convidar Leo Santana para declamar Fernando Pessoa em escolas públicas, vou convidar Ivete Sangalo para incentivar a leitura, a inclusão social. Vou pedir à Preta Gil que além de levantar a bandeira do arco-íris, que levante também a bandeira da educação musical obrigatória nas escolas.

Tradução de While My Guitar Gently Weeps, composição : George Harrison

Enquanto Minha Guitarra Suavemente Chora

Eu olho para todos, vendo que o amor está dormindoEnquanto minha guitarra suavemente choraEu olho para o chão e vejo que precisa ser limpoEnquanto minha guitarra suavemente chora
Eu não sei porque ninguém te disseComo desdobrar seu amorEu não sei como alguém te controlouEles compraram e venderam você
Eu olho o mundo e eu noto que ele está girandoEnquanto minha guitarra suavemente choraCom cada erro nós certamente estamos a aprenderAinda minha guitarra suavemente chora
Eu não sei como você foi distraídaVocê também foi corrompidaEu não seu como você foi invertidaNinguém te alertou
Eu te olho inteira, vejo o amor que aí dormeEnquanto minha guitarra suavemente choraEu olho para todosMinha guitarra suavemente ainda chora
Eu olho de fora que você está se entediandoEnquanto minha guitarra suavemente choraAssim como estou sentado apenas envelhecendoAinda minha guitarra suavemente chora

segunda-feira, 16 de maio de 2011

Mais Fernando Pessoa

Que há (de alguém) confessar que valha ou que sirva? O que nos sucedeu, ou sucedeu a toda a gente ou só a nós; num caso não é novidade, e no outro não é de compreender. Se escrevo o que sinto é porque assim diminuo a febre de sentir. O que confesso não tem importância, pois nada tem importância. Faço paisagens com o que sinto. Faço férias das sensações. Compreendo bem as bordadoras por mágoa e as que fazem meia porque há vida. Minha tia velha fazia paciências durante o infinito do serão. Estas confissões de sentir são paciências minhas. Não as interpreto, como quem usasse cartas para saber o destino. Não as ausculto, porque nas paciências as cartas não têm propriamente valia. Desenrolo- me como uma meada multicolor, ou faço comigo figuras de cordel, como as que se tecem nas mãos espetadas e se passam de umas crianças para as outras. Cuido só de que o polegar não falhe o laço que lhe compete. Depois viro a mão e a imagem fica diferente. E recomeço.

Trecho do Livro do Desassossego, Fernando Pessoa.

sexta-feira, 13 de maio de 2011

Tristeza

Não, não chegue tão perto
Tenho escamas, espinhos
Há pouca água e quase não me alimento

Não, não, sem lentes de aumento
Prefira as corretivas pra me ver melhor
Antes de sentir o gosto amargo, o odor fétido
de uma carne decompositando

As raízes são espessas e profundas
Invertidas e contorcidas
Sem céu como limite
Sem rosa nos ventos

É do fundo que eu me aproveito
Não, não, para sua segurança mantenha-se à distância

Quando dói em você, nascem mais espinhos
E eu me esforço em tranformá-los em flor

Sem sucesso

Eu sinto muito
Mas ninguém vê
Nem você

sexta-feira, 6 de maio de 2011

Todos que são eu.


Uma revelação em meio a um evento. Um show de Ivete Sangalo, no qual a mesma iria apresentar o seu filho ao público, como as mães geralmente fazem quando o filho completa um ano de idade – a festa não é para ele, é para ela. Para ele posto que é para ela. Quando na idade de um ano, ambos, mãe e filho, ainda são extensões.

Recordo emocionar-me com uma música, daí o encontro posterior com uma mulher jovem, pertencente à equipe de Ivete, encontrar comigo e fazer a seguinte colocação: não chore, não precisa chorar. Ela sorria, compreensiva. Depois de poucos minutos, recebo o recado que vem de boca a boca – ivete mandou me chamar, quer falar comigo. No momento converso com alguém do qual me despeço apressada, afinal, ivete mandou me chamar, ela quer falar comigo.

Assim nos encontramos. Sua voz grave, bonita, fala que eu não preciso chorar, que sou uma pessoa muito especial. Eu sinto uma energia muito boa vindo dela, me envolvendo em seus braços, eu enlaçada na sua cintura, olhando para cima, para sua face, pois ela é mais alta que eu, me causando conforto. Eu agradeço e devolvo o elogio: você é quem é maravilhosa. Mas ela está apressada, acabou de chegar e vai entrar para o trabalho, espaço lotado. Pede para eu assistir ao show pois vai apresentar o seu filho, detalhe que pouca gente sabia. Eu fora privilegiada com a informação!

De volta ao espaço, como numa feira, muitos stands a entreter as pessoas, chão de terra batida, às vezes uma grama falhada, às vezes passagens em concreto, com cobertua, sem cobertura, toldos, cercas. Encontro minha mãe e ao seu lado, caminho muito, descalça, cansada, andando para lá e para cá. Ela expressivamente séria, eu tentando acompanhar os seus passos, ofegante já. Ela para, exercendo uma atividade da qual não me dou conta de saber, e me faz a revelação: seu pai não é seu pai, seu pai é João. Eu não peço para repetir, peço para me explicar como, quando, pois a sua fala me trazia tantas respostas... Ela sempre a executar algo, não olhava para mim, séria, continuava falando. Teria engravidado quando numa viagem de meu pai conheceu João e se apaixonou, e engravidou. Como, se eu fora planejada? Então eu era filha de João. Não chorei, sai como uma louca a pensar, repensar, recordar, encontrando toda a lógica dos acontecimentos da minha vida. Por isso ela não me queria morando na sua casa, por isso ela tinha por mim um tratamento diferenciado das outras, por isso a sua dificuldade em me amar. Por isso queria me ver longe, mas sabendo notícias sobre mim.

Quando eu acordasse iria perguntar, com certeza, se eu era realmente filha de meu pai.

Continuei a andar, cansada, aglomeração de pessoas porque ivete estava anunciando a surpresa já sabida por mim. Eu queria ver o pequeno, fui tentando chegar perto, com toda a dificuldade de um ambiente extremamente lotado. Mas como tudo é possível, eu assisti a entrada dele, seu filho pequeno, em meio de tantas outras crianças no palco, entrou triunfalmente, com uma vestimenta de  palhaço, misturada com outros retalhos, muito seguro no palco – filho de artista, artista é. Desenvolto, respondendo com simpatia à euforia do público.

Eu angustiada, o vi só para constatar o episódio, e sai, pés descalços, iam machucando no caminhar, pedriscos, alívio no piso batido de cimento, porém muito áspero. Desejei calçar os pés. Passos acelerados, encontrei João. Ele já sabia. Também havia tomado conhecimento a poucas horas. Ele me conhecia, claro! João, meu colega de trabalho! Idade de ser meu pai, talvez. Sem qualquer sentimento um pelo outro, eu me aproximo e chamo: João... E alivio meu pranto aconchegada no seu peito, ele me abraça. Pois é, só soubemos agora...

Alguém passa e pergunta que emoção era aquela. Porém eu sentia que ele era a única pessoa no momento a entender o que se passava em mim. Depois eu saía, vivendo uma mistura de ambientes, prédio da administração da fábrica, banheiros da fábrica, saguão. Carregava comigo a novidade, meu pai era João, mais ninguém sabia. João, o amor mal resolvido de minha mãe.

Se eu era filha de João, João meu avô, então eu era irmã de minha mãe. Irmã, rival, concorrente do amor do pai.

Depois uma família estranha, eu sentava junto ao pai, pele clara, lábios bonitos, fala sedutora, cheiro de perfume agradável ao meu olfato. Uma atração de criança, somente com a sexualidade, sem genitalidade. Eu declaro saber que não é o meu pai biológico, ele confirma, e continuo, dizendo que assim mesmo, continuará representando a paternidade para mim. Ele não, começa a sentir atração por mim, me persegue, eu fujo. O bairro é Piatã, Patamares, algo com a letra P. Por um momento a casa é muito grande, em outros, uma casa de campping. Muito verde. Mata densa, mar, existem duas irmãs, mas não interferem diretamente na história. Corro, não para o mar, corro pela terra, forrada de grama de praia. Ele está bêbado, é essa a impressão. Deparo com baleias jubartes, muitas, vêm rolando para a areia, eu esquivando. Se passar por um tal caminho, há macacos, ferozes, corro para outro lado. Um areal, encontro a mãe, de longe, ela pensa em me salvar, mas de repente muda de ideia e resolve me encurralar. Aí, sou filha de um artista, famoso, tipo Mick Jagger, não sei. Artista internacional. Ele desiste, resolve tomar outro rumo. A casa agora é grande, vazia. Moro numa extensão da casa e, acompanhada por uma senhora, babá de meu filho e carregando o mesmo, me acompanha numa visita pela casa antiga, por onde passo, visitando cada cômodo, um por um, identificando a cozinha, a sala etc. Cômodos vazios, eu não sei o que fazer. Ali, eu penso, foi onde vivi meu pesadelo que acabou.

quinta-feira, 5 de maio de 2011

Discutir a relação

Assumo minhas discussões (muitas confusões também! rsrsr) diárias....
[Trecho da entrevista à revista Muito com o psicólogo Alexandre Coimbra Amaral, que atende diariamente famílias e casais.]

O que é uma família funcionar bem?
Uma família funcionar bem é ela construir um sentido de pertinência que dê a pessoa a ideia de que ela é amada, que a identidade dela tá presente naquele grupo, mas que também liberta a pessoa para viver experiências fora, para além da famíllia. É uma família que funciona como raíz e como asa. Que ao mesmo tempo dá a pessoa uma identidade sólida, mas que liberta essa pessoa para voar em direção ao seu próprio caminho.

O psicanalista Contardo Calligaris já classificou o clássico “discutir a relação” dos relacionamentos amorosos como a “antecâmara da funerária”. Ele diz que falta uma “ética discursiva” aos casais, que acabam dizendo o que não deviam e depois se arrependem. Você que faz terapia familiar e de casal acredita na DR?

Discordar do Contardo Calligaris é muito difícil (risos). Acho que a gente perdeu a capacidade de conversar. As pessoas não se escutam mais. Então o espaço da terapia familiar tem sido o espaço deste ritual que a família tem perdido de encontro. Muitas vezes a família só se encontra na sessão de terapia familiar. É chocante. Você dá um espaço de 15 dias entre uma sessão e outra e aí você pergunta: o que vocês conversaram nesses dias? ‘Não, a gente não conversou nada’. E aí você precisa dar uma chamada na família para dizer que a terapia também acontece entre as sessões. O espaço da terapia familiar tem sido mal interpretado como sendo o único espaço de encontro, de diálogo. Conversar significa me atualizar sobre quem sou eu naquela família, a partir das minhas mudanças, e em quem cada pessoa da minha família está se transformando. Porque é conversando que eu consigo construir um sentido de identidade em transformação. Se eu não converso na minha família ou com o cônjuge, eu fico com uma imagem datada da pessoa. A coisa mais comum entre filhos e pais é o filho chegar pro pai e dizer: ‘Meu pai, você fica me tratando como seu fosse aquela lá de trás, mase eu não sou mais, eu sou outra pessoa. Será que você não compreende?’. Eu sempre pergunto se essa filha tem dado espaço para que o pai tenha acesso a descobrir quem ela já é. É uma responsabilidade compartilhada. Todo mundo entra nessa dança. Essa conversa é necessária para que essas imagens sejam transformadas e fiquem cada vez mais próximas de quem nós somos. 



quarta-feira, 4 de maio de 2011

Eu não sei se a poesia está completa, mas completa está a poesia para mim...

PASSAGEM DAS HORAS
Composição: Álvaro de Campos (Fernando Pessoa)

Trago dentro do meu coração,
Como num cofre que se não pode fechar de cheio,
Todos os lugares onde estive,
Todos os portos a que cheguei,
Todas as paisagens que vi através de janelas ou vigias,
Ou de tombadilhos, sonhando,
E tudo isso, que é tanto, é pouco para o que eu quero.
A entrada de Singapura, manhã subindo, cor verde,
O coral das Maldivas em passagem cálida,
Macau à uma hora da noite... Acordo de repente...
Yat-lô--ô-ôôô-ô-ô-ô-ô-ô-ô...Ghi-...
E aquilo soa-me do fundo de uma outra realidade...
A estatura norte-africana quase de Zanzibar ao sol...
Dar-es-Salaam (a saída é difícil)...
Majunga, Nossi-Bé, verduras de Madagascar...
Tempestades em torno ao Guardafui...
E o Cabo da Boa Esperança nítido ao sol da madrugada...
E a Cidade do Cabo com a Montanha da Mesa ao fundo...
 
Viajei por mais terras do que aquelas em que toquei...
Vi mais paisagens do que aquelas em que pus os olhos...
Experimentei mais sensações do que todas as sensações que senti,
Porque, por mais que sentisse, sempre me faltou que sentir
E a vida sempre me doeu, sempre foi pouco, e eu infeliz.
A certos momentos do dia recordo tudo isto e apavoro-me,
Penso em que é que me ficará desta vida aos bocados, deste auge,
Desta entrada às curvas, deste automóvel à beira da estrada, deste aviso,
Desta turbulência tranqüila de sensações desencontradas,
Desta transfusão, desta insubsistência, desta convergência iriada,
Deste desassossego no fundo de todos os cálices,
Desta angústia no fundo de todos os prazeres,
Desta sociedade antecipada na asa de todas as chávenas,
Deste jogo de cartas fastiento entre o Cabo da Boa Esperança e as Canárias.
Não sei se a vida é pouco ou demais para mim.
Não sei se sinto de mais ou de menos, não sei
Se me falta escrúpulo espiritual, ponto-de-apoio na inteligência,
Consangüinidade com o mistério das coisas, choque
Aos contatos, sangue sob golpes, estremeção aos ruídos,
Ou se há outra significação para isto mais cômoda e feliz.

Seja o que for, era melhor não ter nascido,
Porque, de tão interessante que é a todos os momentos,
A vida chega a doer, a enjoar, a cortar, a roçar, a ranger,
A dar vontade de dar gritos, de dar pulos, de ficar no chão, de sair
Para fora de todas as casas, de todas as lógicas e de todas as sacadas,
E ir ser selvagem para a morte entre árvores e esquecimentos,
Entre tombos, e perigos e ausência de amanhãs,
E tudo isto devia ser qualquer outra coisa mais parecida com o que eu penso,
Com o que eu penso ou sinto, que eu nem sei qual é, ó vida.

Cruzo os braços sobre a mesa, ponho a cabeça sobre os braços,
É preciso querer chorar, mas não sei ir buscar as lágrimas...
Por mais que me esforce por ter uma grande pena de mim, não choro,
Tenho a alma rachada sob o indicador curvo que lhe toca...
Que há de ser de mim? Que há de ser de mim?
Correram o bobo a chicote do palácio, sem razão,
Fizeram o mendigo levantar-se do degrau onde caíra.
Bateram na criança abandonada e tiraram-lhe o pão das mãos.
Oh mágoa imensa do mundo, o que falta é agir...
Tão decadente, tão decadente, tão decadente...
Só estou bem quando ouço música, e nem então.
Jardins do século dezoito antes de 89,
Onde estais vós, que eu quero chorar de qualquer maneira?

Como um bálsamo que não consola senão pela idéia de que é um bálsamo,
A tarde de hoje e de todos os dias pouco a pouco, monótona, cai.

Acenderam as luzes, cai a noite, a vida substitui-se.
Seja de que maneira for, é preciso continuar a viver.
Arde-me a alma como se fosse uma mão, fisicamente.
Estou no caminho de todos e esbarram comigo.
Minha quinta na província,
Haver menos que um comboio, uma diligência e a decisão de partir entre mim e ti.
Assim fico, fico... Eu sou o que sempre quer partir,
E fica sempre, fica sempre, fica sempre,
Até à morte fica, mesmo que parta, fica, fica, fica...

Torna-me humano, ó noite, torna-me fraterno e solícito.
Só humanitariamente é que se pode viver.
Só amando os homens, as ações, a banalidade dos trabalhos,
Só assim - ai de mim! -, só assim se pode viver.
Só assim, o noite, e eu nunca poderei ser assim!

Vi todas as coisas, e maravilhei-me de tudo,
Mas tudo ou sobrou ou foi pouco - não sei qual - e eu sofri.
Vivi todas as emoções, todos os pensamentos, todos os gestos,
E fiquei tão triste como se tivesse querido vivê-los e não conseguisse.
Amei e odiei como toda gente,
Mas para toda a gente isso foi normal e instintivo,
E para mim foi sempre a exceção, o choque, a válvula, o espasmo.

Vem, ó noite, e apaga-me, vem e afoga-me em ti.
Ó carinhosa do Além, senhora do luto infinito,
Mágoa externa na Terra, choro silencioso do Mundo.
Mãe suave e antiga das emoções sem gesto,
Irmã mais velha, virgem e triste, das idéias sem nexo,
Noiva esperando sempre os nossos propósitos incompletos,
A direção constantemente abandonada do nosso destino,
A nossa incerteza pagã sem alegria,
A nossa fraqueza cristã sem fé,
O nosso budismo inerte, sem amor pelas coisas nem êxtases,
A nossa febre, a nossa palidez, a nossa impaciência de fracos,
A nossa vida, o mãe, a nossa perdida vida...

Não sei sentir, não sei ser humano, conviver
De dentro da alma triste com os homens meus irmãos na terra.
Não sei ser útil mesmo sentindo, ser prático, ser quotidiano, nítido,
Ter um lugar na vida, ter um destino entre os homens,
Ter uma obra, uma força, uma vontade, uma horta,
Unia razão para descansar, uma necessidade de me distrair,
Uma cousa vinda diretamente da natureza para mim.

Por isso sê para mim materna, ó noite tranqüila...
Tu, que tiras o mundo ao mundo, tu que és a paz,
Tu que não existes, que és só a ausência da luz,
Tu que não és uma coisa, rim lugar, uma essência, uma vida,
Penélope da teia, amanhã desfeita, da tua escuridão,
Circe irreal dos febris, dos angustiados sem causa,
Vem para mim, ó noite, estende para mim as mãos,
E sê frescor e alívio, o noite, sobre a minha fronte...
'Tu, cuja vinda é tão suave que parece um afastamento,
Cujo fluxo e refluxo de treva, quando a lua bafeja,
Tem ondas de carinho morto, frio de mares de sonho,
Brisas de paisagens supostas para a nossa angústia excessiva...
Tu, palidamente, tu, flébil, tu, liquidamente,
Aroma de morte entre flores, hálito de febre sobre margens,
Tu, rainha, tu, castelã, tu, dona pálida, vem...

Sentir tudo de todas as maneiras,
Viver tudo de todos os lados,
Ser a mesma coisa de todos os modos possíveis ao mesmo tempo,
Realizar em si toda a humanidade de todos os momentos
Num só momento difuso, profuso, completo e longínquo.

Eu quero ser sempre aquilo com quem simpatizo,
Eu torno-me sempre, mais tarde ou mais cedo,
Aquilo com quem simpatizo, seja uma pedra ou uma ânsia,
Seja uma flor ou uma idéia abstrata,
Seja uma multidão ou um modo de compreender Deus.
E eu simpatizo com tudo, vivo de tudo em tudo.
São-me simpáticos os homens superiores porque são superiores,
E são-me simpáticos os homens inferiores porque são superiores também,
Porque ser inferior é diferente de ser superior,
E por isso é uma superioridade a certos momentos de visão.
Simpatizo com alguns homens pelas suas qualidades de caráter,
E simpatizo com outros pela sua falta dessas qualidades,
E com outros ainda simpatizo por simpatizar com eles,
E há momentos absolutamente orgânicos em que esses são todos os homens.
Sim, como sou rei absoluto na minha simpatia,
Basta que ela exista para que tenha razão de ser.
Estreito ao meu peito arfante, num abraço comovido,
(No mesmo abraço comovido)
O homem que dá a camisa ao pobre que desconhece,
O soldado que morre pela pátria sem saber o que é pátria,
E o matricida, o fratricida, o incestuoso, o violador de crianças,
O ladrão de estradas, o salteador dos mares,
O gatuno de carteiras, a sombra que espera nas vielas
Todos são a minha amante predileta pelo menos um momento na vida.

Beijo na boca todas as prostitutas,
Beijo sobre os olhos todos os souteneurs,
A minha passividade jaz aos pés de todos os assassinos
E a minha capa à espanhola esconde a retirada a todos os ladrões.
Tudo é a razão de ser da minha vida.

Cometi todos os crimes,
Vivi dentro de todos os crimes
(Eu próprio fui, não um nem o outro no vicio,
Mas o próprio vício-pessoa praticado entre eles,
E dessas são as horas mais arco-de-triunfo da minha vida).

Multipliquei-me, para me sentir,
Para me sentir, precisei sentir tudo,
Transbordei, não fiz senão extravasar-me,
Despi-me, entreguei-rne,
E há em cada canto da minha alma um altar a um deus diferente.

Os braços de todos os atletas apertaram-me subitamente feminino,
E eu só de pensar nisso desmaiei entre músculos supostos.

Foram dados na minha boca os beijos de todos os encontros,
Acenaram no meu coração os lenços de todas as despedidas,
Todos os chamamentos obscenos de gesto e olhares
Batem-me em cheio em todo o corpo com sede nos centros sexuais.
Fui todos os ascetas, todos os postos-de-parte, todos os como que esquecidos,
E todos os pederastas - absolutamente todos (não faltou nenhum).
Rendez-vous a vermelho e negro no fundo-inferno da minha alma!

(Freddie, eu chamava-te Baby, porque tu eras louro, branco e eu amava-te,
Quantas imperatrizes por reinar e princesas destronadas tu foste para mim!)
Mary, com quem eu lia Burns em dias tristes como sentir-se viver,
Mary, mal tu sabes quantos casais honestos, quantas famílias felizes,
Viveram em ti os meus olhos e o meu braço cingido e a minha consciência incerta,
A sua vida pacata, as suas casas suburbanas com jardim,
Os seus half-holidays inesperados...
Mary, eu sou infeliz...
Freddie, eu sou infeliz...
Oh, vós todos, todos vós, casuais, demorados,
Quantas vezes tereis pensado em pensar em mim, sem que o fósseis,
Ah, quão pouco eu fui no que sois, quão pouco, quão pouco —
Sim, e o que tenho eu sido, o meu subjetivo universo,
Ó meu sol, meu luar, minhas estrelas, meu momento,
Ó parte externa de mim perdida em labirintos de Deus!

Passa tudo, todas as coisas num desfile por mim dentro,
E todas as cidades do mundo, rumorejam-se dentro de mim ...
Meu coração tribunal, meu coração mercado,
Meu coração sala da Bolsa, meu coração balcão de Banco,
Meu coração rendez-vous de toda a humanidade,
Meu coração banco de jardim público, hospedaria,
Estalagem, calabouço número qualquer cousa
(Aqui estuvo el Manolo en vísperas de ir al patíbulo)
Meu coração clube, sala, platéia, capacho, guichet, portaló,
Ponte, cancela, excursão, marcha, viagem, leilão, feira, arraial,
Meu coração postigo,
Meu coração encomenda,
Meu coração carta, bagagem, satisfação, entrega,
Meu coração a margem, o lirrite, a súmula, o índice,
Eh-lá, eh-lá, eh-lá, bazar o meu coração.

Todos os amantes beijaram-se na minh'alma,
Todos os vadios dormiram um momento em cima de mim,
Todos os desprezados encostaram-se um momento ao meu ombro,
Atravessaram a rua, ao meu braço, todos os velhos e os doentes,
E houve um segredo que me disseram todos os assassinos.

(Aquela cujo sorriso sugere a paz que eu não tenho,
Em cujo baixar-de-olhos há uma paisagem da Holanda,
Com as cabeças femininas coiffées de lin
E todo o esforço quotidiano de um povo pacífico e limpo...
Aquela que é o anel deixado em cima da cômoda,
E a fita entalada com o fechar da gaveta,
Fita cor-de-rosa, não gosto da cor mas da fita entalada,
Assim como não gosto da vida, mas gosto de senti-la ...

Dormir como um cão corrido no caminho, ao sol,
Definitivamente para todo o resto do Universo,
E que os carros me passem por cima.)

Fui para a cama com todos os sentimentos,
Fui souteneur de todas ás emoções,
Pagaram-me bebidas todos os acasos das sensações,
Troquei olhares com todos os motivos de agir,
Estive mão em mão com todos os impulsos para partir,
Febre imensa das horas!
Angústia da forja das emoções!
Raiva, espuma, a imensidão que não cabe no meu lenço,
A cadela a uivar de noite,
O tanque da quinta a passear à roda da minha insônia,
O bosque como foi à tarde, quando lá passeamos, a rosa,
A madeixa indiferente, o musgo, os pinheiros,
Toda a raiva de não conter isto tudo, de não deter isto tudo,
Ó fome abstrata das coisas, cio impotente dos momentos,
Orgia intelectual de sentir a vida!

Obter tudo por suficiência divina —
As vésperas, os consentimentos, os avisos,
As cousas belas da vida —
O talento, a virtude, a impunidade,
A tendência para acompanhar os outros a casa,
A situação de passageiro,
A conveniência em embarcar já para ter lugar,
E falta sempre uma coisa, um copo, uma brisa, urna frase,
E a vida dói quanto mais se goza e quanto mais se inventa.

Poder rir, rir, rir despejadamente,
Rir como um copo entornado,
Absolutamente doido só por sentir,
Absolutamente roto por me roçar contra as coisas,
Ferido na boca por morder coisas,
Com as unhas em sangue por me agarrar a coisas,
E depois dêem-me a cela que quiserem que eu me lembrarei da vida.

Sentir tudo de todas as maneiras,
Ter todas as opiniões,
Ser sincero contradizendo-se a cada minuto,
Desagradar a si próprio pela plena liberalidade de espírito,
E amar as coisas como Deus.

Eu, que sou mais irmão de uma árvore que de um operário,
Eu, que sinto mais a dor suposta do mar ao bater na praia
Que a dor real das crianças em quem batem
(Ah, como isto deve ser falso, pobres crianças em quem batem —
E por que é que as minhas sensações se revezam tão depressa?)
Eu, enfim, que sou um diálogo continuo,
Um falar-alto incompreensível, alta-noite na torre,
Quando os sinos oscilam vagamente sem que mão lhes toque
E faz pena saber que há vida que viver amanhã.
Eu, enfim, literalmente eu,
E eu metaforicamente também,
Eu, o poeta sensacionista, enviado do Acaso
As leis irrepreensíveis da Vida,
Eu, o fumador de cigarros por profissão adequada,
O indivíduo que fuma ópio, que toma absinto, mas que, enfim,
Prefere pensar em fumar ópio a fumá-lo
E acha mais seu olhar para o absinto a beber que bebê-lo...
Eu, este degenerado superior sem arquivos na alma,
Sem personalidade com valor declarado,
Eu, o investigador solene das coisas fúteis,
Que era capaz de ir viver na Sibéria só por embirrar com isso,
E que acho que não faz mal não ligar importâricia à pátria
Porqtie não tenho raiz, como uma árvore, e portanto não tenho raiz
Eu, que tantas vezes me sinto tão real como uma metáfora,

Como uma frase escrita por um doente no livro da rapariga que encontrou no terraço,
Ou uma partida de xadrez no convés dum transatlântico,
Eu, a ama que empurra os perambulators em todos os jardins públicos,
Eu, o policia que a olha, parado para trás na álea,
Eu, a criança no carro, que acena à sua inconsciência lúcida com um coral com guizos.
Eu, a paisagem por detrás disto tudo, a paz citadina
Coada através das árvores do jardim público,
Eu, o que os espera a todos em casa,
Eu, o que eles encontram na rua,
Eu, o que eles não sabem de si próprios,
Eu, aquela coisa em que estás pensando e te marca esse sorriso,
Eu, o contraditório, o fictício, o aranzel, a espuma,
O cartaz posto agora, as ancas da francesa, o olhar do padre,
O largo onde se encontram as suas ruas e os chauffeurs dormem contra os carros,
A cicatriz do sargento mal encarado,
O sebo na gola do explicador doente que volta para casa,
A chávena que era por onde o pequenito que morreu bebia sempre,
E tem uma falha na asa (e tudo isto cabe num coração de mãe e enche-o)...
Eu, o ditado de francês da pequenita que mexe nas ligas,
Eu, os pés que se tocam por baixo do bridge sob o lustre,
Eu, a carta escondida, o calor do lenço, a sacada com a janela entreaberta,
O portão de serviço onde a criada fala com os desejos do primo,
O sacana do José que prometeu vir e não veio
E a gente tinha uma partida para lhe fazer...
Eu, tudo isto, e além disto o resto do mundo...
Tanta coisa, as portas que se abrem, e a razão por que elas se abrem,
E as coisas que já fizeram as mãos que abrem as portas...
Eu, a infelicidade-nata de todas as expressões,
A impossibilidade de exprimir todos os sentimentos,
Sem que haja uma lápida no cemitério para o irmão de tudo isto,
E o que parece não querer dizer nada sempre quer dizer qualquer cousa...
Sim, eu, o engenheiro naval que sou supersticioso como uma camponesa madrinha,
E uso monóculo para não parecer igual à idéia real que faço de mim,
Que levo às vezes três horas a vestir-me e nem por isso acho isso natural,
Mas acho-o metafísico e se me batem à porta zango-me,
Não tanto por me interromperem a gravata como por ficar sabendo que há a vida...
Sim, enfim, eu o destinatário das cartas lacradas,
O baú das iniciais gastas,
A entonação das vozes que nunca ouviremos mais -
Deus guarda isso tudo no Mistério, e às vezes sentimo-lo
E a vida pesa de repente e faz muito frio mais perto que o corpo.
A Brígida prima da minha tia,
O general em que elas falavam - general quando elas eram pequenas,
E a vida era guerra civil a todas as esquinas...
Vive le mélodrame oú Margot a pleuré!
Caem as folhas secas no chão irregularmente,
Mas o fato é que sempre é outono no outono,
E o inverno vem depois fatalmente,
há só um caminho para a vida, que é a vida...
Esse velho insignificante, mas que ainda conheceu os românticos,
Esse opúsculo político do tempo das revoluções constitucionais,
E a dor que tudo isso deixa, sem que se saiba a razão
Nem haja para chorar tudo mais razão que senti-lo.

Viro todos os dias todas as esquinas de todas as ruas,
E sempre que estou pensando numa coisa, estou pensando noutra.
Não me subordino senão por atavisnio,
E há sempre razões para emigrar para quem não está de cama.

Das serrasses de todos os cafés de todas as cidades
Acessíveis à imaginação
Reparo para a vida que passa, sigo-a sem me mexer,
Pertenço-lhe sem tirar um gesto da algibeira,
Nem tomar nota do que vi para depois fingir que o vi.

No automóvel amarelo a mulher definitiva de alguém passa,
Vou ao lado dela sem ela saber.
No trottoir imediato eles encontram-se por um acaso combinado,
Mas antes de o encontro deles lá estar já eu estava com eles lá.
Não há maneira de se esquivarem a encontrar-me,
Não há modo de eu não estar em toda a parte.
O meu privilégio é tudo
(Brevetée, Sans Garantie de Dieu, a minh'Alma).

Assisto a tudo e definitivamente.
Não há jóia para mulher que não seja comprada por mim e para mim,
Não há intenção de estar esperando que não seja minha de qualquer maneira,
Não há resultado de conversa que não seja meu por acaso,
Não há toque de sino em Lisboa há trinta anos, noite de S. Carlos há cinqüenta
Que não seja para mim por uma galantaria deposta.

Fui educado pela Imaginação,
Viajei pela mão dela sempre,
Amei, odiei, falei, pensei sempre por isso,
E todos os dias têm essa janela por diante,
E todas as horas parecem minhas dessa maneira.

Cavalgada explosiva, explodida, como uma bomba que rebenta,
Cavalgada rebentando para todos os lados ao mesmo tempo,
Cavalgada por cima do espaço, salto por cima do tempo,
Galga, cavalo eléctron-íon, sistema solar resumido
Por dentro da ação dos êmbolos, por fora do giro dos volantes.
Dentro dos êmbolos, tornado velocidade abstrata e louca,
Ajo a ferro e velocidade, vaivém, loucura, raiva contida,
Atado ao rasto de todos os volantes giro assombrosas horas,
E todo o universo range, estraleja e estropia-se em mim.

Ho-ho-ho-ho-ho!...
Cada vez mais depressa, cada vez mais com o espírito adiante do corpo
Adiante da própria idéia veloz do corpo projetado,
Com o espírito atrás adiante do corpo, sombra, chispa,
He-la-ho-ho ... Helahoho ...

Toda a energia é a mesma e toda a natureza é o mesmo...
A seiva da seiva das árvores é a mesma energia que mexe
As rodas da locomotiva, as rodas do elétrico, os volantes dos Diesel,
E um carro puxado a mulas ou a gasolina é puxado pela mesma coisa.

Raiva panteísta de sentir em mim formidandamente,
Com todos os meus sentidos em ebulição, com todos os meus poros em fumo,
Que tudo é uma só velocidade, uma só energia, uma só divina linha
De si para si, parada a ciciar violências de velocidade louca...
Ho ----

Ave, salve, viva a unidade veloz de tudo!
Ave, salve, viva a igualdade de tudo em seta!
Ave, salve, viva a grande máquina universo!
Ave, que sois o mesmo, árvores, máquinas, leis!
Ave, que sois o mesmo, vermes, êmbolos, idéias abstratas,
A mesma seiva vos enche, a mesma seiva vos torna,
A mesma coisa sois, e o resto é por fora e falso,
O resto, o estático resto que fica nos olhos que param,
Mas não nos meus nervos motor de explosão a óleos pesados ou leves,
Não nos meus nervos todas as máquinas, todos os sistemas de engrenagem,
Nos meus nervos locomotiva, carro elétrico, automóvel, debulhadora a vapor

Nos meus nervos máquina marítima, Diesel, semi-Diesel,
Campbell, Nos meus nervos instalação absoluta a vapor, a gás, a óleo e a eletricidade,
Máquina universal movida por correias de todos os momentos!

Todas as madrugadas são a madrugada e a vida.
Todas as auroras raiam no mesmo lugar:
Infinito...
Todas as alegrias de ave vêm da mesma garganta,
Todos os estremecimentos de folhas são da mesma árvore,
E todos os que se levantam cedo para ir trabalhar
Vão da mesma casa para a mesma fábrica por o mesmo caminho...

Rola, bola grande, formigueiro de consciências, terra,
Rola, auroreada, entardecida, a prumo sob sóis, noturna,
Rola no espaço abstrato, na noite mal iluminada realmente
Rola ...

Sinto na minha cabeça a velocidade de giro da terra,
E todos os países e todas as pessoas giram dentro de mim,
Centrífuga ânsia, raiva de ir por os ares até aos astros
Bate pancadas de encontro ao interior do meu crânio,
Põe-me alfinetes vendados por toda a consciência do meu corpo,
Faz-me levantar-me mil vezes e dirigir-me para Abstrato,
Para inencontrável, Ali sem restrições nenhumas,
A Meta invisível  todos os pontos onde eu não estou  e ao mesmo tempo ...

Ah, não estar parado nem a andar,
Não estar deitado nem de pé,
Nem acordado nem a dormir,
Nem aqui nem noutro ponto qualquer,
Resol,,,er a equação desta inquietação prolixa,
Saber onde estar para poder estar em toda a parte,
Saber onde deitar-me para estar passeando por todas as ruas ...

Ho-ho-ho-ho-ho-ho-ho

Cavalgada alada de mim por cima de todas as coisas,
Cavalgada estalada de mim por baixo de todas as coisas,
Cavalgada alada e estalada de mim por causa de todas as coisas ...

Hup-la por cima das árvores, hup-la por baixo dos tanques,
Hup-la contra as paredes, hup-la raspando nos troncos,
Hup-la no ar, hup-la no vento, hup-la, hup-la nas praias,
Numa velocidade crescente, insistente, violenta,
Hup-la hup-la hup-la hup-la ...

Cavalgada panteísta de mim por dentro de todas as coisas,
Cavalgada energética por dentro de todas as energias,
Cavalgada de mim por dentro do carvão que se queima, da lâmpada que arde,
Clarim claro da manhã ao fundo
Do semicírculo frio do horizonte,
Tênue clarim longínquo como bandeiras incertas
Desfraldadas para além de onde as cores são visíveis ...

Clarim trêmulo, poeira parada, onde a noite cessa,
Poeira de ouro parada no fundo da visibilidade ...

Carro que chia limpidamente, vapor que apita,
Guindaste que começa a girar no meu ouvido,
Tosse seca, nova do que sai de casa,
Leve arrepio matutino na alegria de viver,
Gargalhada súbita velada pela bruma exterior não sei como,
Costureira fadada para pior que a manhã que sente,
Operário tísico desfeito para feliz nesta hora
Inevitavelmente vital,
Em que o relevo das coisas é suave, certo e simpático,
Em que os muros são frescos ao contacto da mão, e as casas
Abrem aqu; e ali os olhos cortinados a branco...

Toda a madrugada é uma colina que oscila,
...................................................................
... e caminha tudo

Para a hora cheia de luz em que as lojas baixam as pálpebras
E rumor tráfego carroça comboio eu sinto sol estruge

Vertigem do meio-dia emoldurada a vertigens
Sol dos vértices e nos... da minha visão estriada,
Do rodopio parado da minha retentiva seca,
Do abrumado clarão fixo da minha consciência de viver.

Rumor tráfego carroça comboio carros eu sinto sol rua,
Aros caixotes trolley loja rua i,itrines saia olhos
Rapidamente calhas carroças caixotes rua atravessar rua
Passeio lojistas "perdão" rua
Rua a passear por mim a passear pela rua por mim
Tudo espelhos as lojas de cá dentro das lojas de lá
A velocidade dos carros ao contrário nos espelhos oblíquos das montras,
O chão no ar o sol por baixo dos pés rua regas flores no cesto rua
O meu passado rua estremece camion rua não me recordo rua

Eu de cabeça pra baixo no centro da minha consciência de mim
Rua sem poder encontrar uma sensação só de cada vez rua
Rua pra trás e pra diante debaixo dos meus pés
Rua em X em Y em Z por dentro dos meus braços
Rua pelo meu monóculo em círculos de cinematógrafo pequeno,
Caleidoscópio em curvas iriadas nítidas rua.
Bebedeira da rua e de sentir ver ouvir tudo ao mesmo tempo.
Bater das fontes de estar vindo para cá ao mesmo tempo que vou para lá.
Comboio parte-te de encontro ao resguardo da linha de desvio!
Vapor navega direito ao cais e racha-te contra ele!
Automóvel guiado pela loucura de todo o universo precipita-te
Por todos os precipícios abaixo
E choca-te, trz!, esfrangalha-te no fundo do meu coração!

À moi, todos os objetos projéteis!
À moi, todos os objetos direções!
À moi, todos os objetos invisíveis de velozes!
Batam-me, trespassem-me, ultrapassem-me!
Sou eu que me bato, que me trespasso, que me ultrapasso!
A raiva de todos os ímpetos fecha em círculo-mim!

Hela-hoho comboio, automóvel, aeroplano minhas ânsias,
Velocidade entra por todas as idéias dentro,
Choca de encontro a todos os sonhos e parte-os,
Chamusca todos os ideais humanitários e úteis,
Atropela todos os sentimentos normais, decentes, concordantes,
Colhe no giro do teu volante vertiginoso e pesado
Os corpos de todas as filosofias, os tropos de todos os poemas,
Esfrangalha-os e fica só tu, volante abstrato nos ares,
Senhor supremo da hora européia, metálico a cio.
Vamos, que a cavalgada não tenha fim nem em Deus!
...............................................................
...............................................................
...............................................................
...............................................................

Dói-me a imaginação não sei como, mas é ela que dói,
Declina dentro de mim o sol no alto do céu.
Começa a tender a entardecer no azul e nos meus nervos.
Vamos ó cavalgada, quem mais me consegues tornar?
Eu que, veloz, voraz, comilão da energia abstrata,
Queria comer, beber, esfolar e arranhar o mundo,
Eu, que só me contentaria com calcar o universo aos pés,
Calcar, calcar, calcar até não sentir.
Eu, sinto que ficou fora do que imaginei tudo o que quis,
Que embora eu quisesse tudo, tudo me faltou.

Cavalgada desmantelada por cima de todos os cimos,
Cavalgada desarticulada por baixo de todos os poços,
Cavalgada vôo, cavalgada seta, cavalgada pensamento-relâmpago,
Cavalgada eu, cavalgada eu, cavalgada o universo eu.
Helahoho-o-o-o-o-o-o-o ...

Meu ser elástico, mola, agulha, trepidação ...


terça-feira, 3 de maio de 2011

Concrete Jungle


Composição: Bob Marley

No sun will shine in my day today (No sun will shine.)
The high yellow moon won't come out to play (Won't come out to play.)
Darkness has covered my light (and has changed,)
And has changed my day into night
Now where is this love to be found, won't someone tell me?
'Cause life, sweet life, must be somewhere to be found, yeah
Instead of a concrete jungle where the livin' is hardest
Concrete jungle, oh man, you've got to do your best, yeah.

No chains around my feet, but I'm not free
I know I am bound here in captivity
And I've never known happiness, and I've never known sweetcaresses
Still, I be always laughing like a clown
Won't someone help me?
Cause, sweet life, I've, I've got to pick myself from off theground, yeah
In this here concrete jungle,I say, what do you got for me now?
Concrete jungle, oh, why won't you let me be now?

I said life, sweet life, must be somewhere to be found, yeah
Instead of a concrete jungle, illusion, confusion
Concreate jungle, yeah
Concrete jungle, you name it, we got it, concrete jungle now

Concrete jungle, what do you got for me now



[Tradução]
Selva de Concreto

Nenhum sol vai brilhar no meu dia hoje(Nenhum sol vai brilhar)A alta lua amarelada não sairá pra brincar(não sairá pra brincar)A escuridão tem coberto minha luz (e transformou)E transformou meu dia em noiteAgora aonde o amor está e pode ser encontrado? Alguém vai me contar?Pois a vida, doce vida, deve estar em algum lugar para ser encontradaAo invés de selva de concreto onde viver é tão mais difícil!Selva de concreto, cara, você tem de dar tudo de si, sim.

Mesmo sem correntes nos pés, mas não estou livre...Sei que estou aqui, amarrado e cativoJamais conheci a felicidade, e nunca soube o que é uma doce caríciaVou sempre gargalhar como um palhaçoNinguém vai me socorrer porqueDevo me erguer sozinho deste chãoNesta selva de concretoEu digo, o que você tem agora para mim?Selva de concreto, Ah não vai agora me deixar na mão...

Eu disse que a vida deve ser um lugar para ser encontrada, simEm vez de uma selva de concreto, ilusão, confusãoSelva de concreto, simSelva de concreto, você nomeou isso, você teve isso, agora selva de concreto

Selva de concreto, o que você tem pra mim agora?





sábado, 30 de abril de 2011

Coisas que escrevi para ela

Quem foi que disse que não se pode sonhar acordado


e não se pode tocar as estrlas, saltar até saturno, comer a lua cheia

E quem disse que o mar termina ali,

que não se deve contar os grãos de areia e dormir na praia sobre as folhas de bananeiras

Que no seu quarto não se risca as paredes

Que o jogo se transforma em tapete

O chão vira água, a toalha vira onda

Dona aranha dança, a lagartixa sobe branquela

A casa fica repleta de música só com a voz dela

Quem foi que disse que mãe é mãe, filha é filha

E que tudo não passa de uma brincadeira de bonecas

Ah! Meu amor, amorzinho, amorzão...

Eu deixei o seu pintor entrar e olha o que ele fez!

Agora eu sou marrom e seu cabelo é loiro

E perto de você o resto parece muito pouco

Me ensina a parodiar, me ensina a simplificar

Me faz gozar de outro lugar


O dia parece não ter fim, o mundo é capaz de dar zilhões de voltas

Olhe! A casa anda, os carros falam, os monstros riem, e plantinha chora

A velha já era! Agora, a casa é nova

E lá vem seu pintor...

- Faça o favor, pode entrar – eu digo

Pode pintar: laranja, azul, amarelo, verde, grená

Quem foi que disse que o mundo é todo arco-íris?

Ah! Já sei! Foi Clarice!








Amarelinha...

Quem é você, pequenina?

Meus olhos teimam enxergar

Pegue meu seio, chupe meu leite

Me deixe vazia

Preciso de um limpador pra desembaçar



Gordinha, bem feitinha...

Você é minha, pequenina?

Custo acreditar

Orelhas, nuca, mãos, fronte

Deite no meu colo, ouça a minha música

Lhe prometo, vai passar



Estou me enchendo do que nem sei explicar



Espertinha... Tá ficando moreninha!

Sou sua, pequenina?

Sinto clarear

A voz me chama, o choro convoca

Busco a velha fotografia

Vôo daqui levando pra lá



É você? Minha filhinha?

Demorei acostumar com essa ideia de mainha

Agora pode acreditar

Já que sou sua, pequenina

E estou cheia do amor que por toda a minha vida vou lhe dar.

segunda-feira, 25 de abril de 2011

Carta guardada

Salvador, 06 de junho de 1997.




D.Marlene,



Quero encontrar a Sra. em pleno gozo de saúde, junto à D. Lurdes e Vagner e os demais parentes e amigos.


Vou contar-lhe como aconteceu o motivo da minha doença:


Era um dia de terça-feira em que os aposentados faziam uma manifestação na Praça da Piedade. Eu amanheci o dia falando.Mais tarde, eu procurei a fala e não encontrei. Fiquei sem falar. Aí D. Dulce começou a chorar e eu também. Mesmo assim fui à Praça da Piedade. Chegando lá, não suportando a reação da moléstia, me dirigi à casa de minha filha Edna. Ela fez um suco de maracujá e me deu um comprimido Adalat. Ela me levou em casa e depois Rosinha me internou no Hospital Salvador, onde ela trabalha.


Passei cinco dias lá. Como já estava melhor, tive alta e fui para casa. Como receita, o médico passou para eu tomar um comprimido, Oxigen. Tudo bem. Fui melhorando aos poucos.


Pensando que já estava bom, fui à Aracaju ver minha irmã, a minha cunhada e os demais parentes. Depois de 15 dias, tive a segunda crise – piorei. D. Dulce foi me buscar urgente junto com Rita e o esposo. Daí começou tudo de novo. Entrei em tratamento e hoje estou falando melhor do que antes.


Ainda continua o sistema nervoso alterado, não posso atender telefone porque falo muito pouco e fico nervoso, como a Sra. notou. Hoje eu sou um homem que não fala direito, não escuto e não vejo. Praticamente eu sou um homem acabado.


Espero que Deus resolva a minha situação.


Dulcinéa e meus filhos, genros, netos e bisnetos vão bem de saúde, graças a Deus. Rosinha está trabalhando no hospital no qual fui internado. Ela tirou o curso de instrumentadora, trabalha com os melhores médicos ortopedistas: Dr. Hélio e Dr. Roberto Aleluia.


Mariana, a neta que faz minha cartas, está estudando na Escola Técnica fazendo Edificações junto com o primo Roquinho, filho de Edinha. O marido dela [Edinha] é professor da escola acima citada.


Espero que Vagner esteja bem nos estudos. Esse é o meu desejo para que mais tarde a Sra. possa dar um passeio aqui em Salvador depois que ele vencer o curso. Estarei aqui as suas ordens, conte com o amigo de sempre. Diga a Vagner que continuo torcendo pelo Palmeiras.


Sempre contanto com a boa vontade da neta Mariana para fazer as minhas cartas.


Sem mais, lembranças de todos os componentes da família.

[João Teles Magalhães]



Arrumando minhas papelarias, reecontrei o rascunho desta carta que guardei por ato falho, talvez devido ao grande afeto presente naquele momento. Sempre rasguei sob suas vistas todos os rascunhos das cartas que para ele redigi, depois de passá-las a limpo e envelopá-las, e não sei por qual motivo inconsciente essa não foi rasgada. Ele morreu em 2001, na madrugada do dia 19 de fevereiro. Minha mãe permaneceu no hospital (o mesmo citado na carta) sozinha, porque era o seu dia no rodízio. Meu desejo foi ficar, mas no outro dia eu teria que me apresentar no meu primeiro emprego. E assim o fiz, mesmo depois de atender ao telefonema às 3 ou 4 horas da manhã com a notícia derradeira. Meu avô foi um homem trabalhador, cheio de energia para servir aos outros, e eu não seria diferente disso. Tive a sorte de ser neta de João Pindoba.

Não gosto muito de alegar isso, até porque ele nunca me falou, mas as recordações não deixam outra conclusão – eu era a sua neta preferida, como diziam as minhas irmãs. Inusitadamente, ele chegada à casa de minha mãe e batia à porta no seu ritmo-código, pois, segundo o mesmo, era para não termos dúvidas de que era ele e não abrir a porta para estranhos caso minha mãe não estivesse em casa. As meninas ficavam no "jogo de empurra" para ver quem iria servir o seu café com biscoitos. Eu bem que dava a oportunidade a elas, mas elas nunca aceitavam, então eu fazia, com muito prazer. Elas diziam: "Peça a sua neta, ela não é a sua neta preferida??" Ele ria, como resposta, só isso, mais nada.

Eu choro, eu choro com essa saudade que ele me deixou. Meu avô me ensinou a andar de bicicleta, a caminhar pela feira de São Joaquim sem aquela lama sujar meus pés... Tive somente a intenção de dividir com os leitores deste blog as palavras de um homem que se julgou acabado, por perder sua comunicação com o mundo. Não tinha a intenção de transcorrer na minha escrita. Mas falar dele sera conteúdo em mim para sempre.

Aos meus onze anos viajamos juntos para Sergipe, onde nasceu. A hospedagem foi na casa da sua irmã, minha querida tia Detinha, viva até hoje, pessoa que sempre que nos encontramos tenho necessidade de ouvir aquele sotaque característico contando as histórias dela e que também foram parte dele. Ele dançava e cantava o tempo inteiro. Sorria muito, mas também tinha os seus "calunduns"! Aqui não tem espaço para as minhas recordações...!

Nessa viagem à Sergipe passeamos por Laranjeiras, por Carmópolis com um amigo seu cujo nome não me recordo (sei que acabava com um som "ael", natanael, otoniel, não sei). Lembro que ele era negro, daqueles negros preto, e muito cheio de classe, calmo e educado. Pisei no chão da casa onde ele nasceu nessa nossa viagem. Um lugar já baldio, mas um conhecido ele encontrou lá, dono de um boteco, onde tomei Fanta, de laranja, pois naquela época não existia de uva!rsrsrs Em Laranjeiras, terra natal de minha avó, passeamos a cidade inteira, entrando em tantas casas que eu nem sei. Numa delas ele me ofereceu licor! Imagine...

Eu não enxergava preconceitos em suas atitudes, era um homem bastante popular e querido, comunicativo. Numa determinada época era ele quem levava a mim e minhas irmãs à escola, no seu Panorama amarelo, com cheiro de gasolina e barulho de amortecedores gastos.

Não consigo continuar, finalizarei por aqui porque o choro da saudade teima em não se conter.

domingo, 24 de abril de 2011

La mala leche para los "puretas"

[Um dia desses, elaborando...]

Estou lendo sobre quem e o que mais tem me interessado durante os últimos anos da minha vida – a psicanálise e o seu criador, Sigmund Freud. Troco a televisão por uma leitura, uma escrita, uma música, pela vida alheia. A televisão traz muitas observações prontas e isso não me atrai. Então, em pleno final de casamento, em plena crise financeira, penso que não me resta muito coisa a doer neste mundo a não ser as dores que a velhice trará ao meu corpo que, chegando aos trinta anos já tem apresentado sinais de uma máquina gradativamente falhando, engordando, desmetabolizando.


Assim como esta aqui na qual escrevo, cujo carregamento da bateria tem me causado uma certa irritação por não está sendo processado perfeitamente impossibilitando minhas produções.

Aprendi a escrever lendo Freud e Françoise Dolto. Escrevo o tempo todo em psicanálise. Aprendi a utilizar o computador para escrever porque é o que realmente consegue acompanhar a fluidez dos meus pensamentos. Por essas facilidades digo sim à ciência, quando utilizado à favor da humanidade e do mundo, e digo sim à psicanálise porque me traz essa fluidez sem culpas.
Deixei de acreditar em deus muito cedo e não sabia. Fui educada na coreografia do “em nome do pai, do filho e do espírito santo, amém” todo dia antes de sair de casa, mirando a imagem do coração de Jesus num lugar central da casa. Então deixei de fazer a coreografia. Acho que tinha cerca de 13 anos, penso que quando comecei a ler independentemente sobre o espiritismo. Tentei encaixar a minha vida em alguma religião, sem sucesso. Não sei muita coisa sobre a história do mundo e nunca estudei a bíblia. Hoje ainda fico receosa de assumir o meu ateísmo para certas comunidades em que vivo, mas estou a passos muito largos de dissolver essa preocupação. Em 1918, Freud escreveu: “achei pouca coisa 'boa' nos seres humanos como um todo. Segundo minha experiência, a maioria deles é escória, não importando se publicamente aderem a esta ou àquela doutrina ética ou qualquer que seja (…). Se vamos falar de ética, sou adepto de um grande ideal do qual a maioria das pessoas com quem tive contato lamentavelmente se afastam” (Freud e Pfister, 1963, pp. 61-62). Algo soa como egocentrismo, como aliás as pessoas costumam enxergar outras pessoas que encaram os fatos da vida como eles são, a vida como ela é, o destino, sem divindades.

Resolvi encarar a minha vida com minhas angústias, minhas falhas, falhas ao dizer ou fazer coisas e sentir o arrependimento logo depois. A teoria psicanalítica me instiga, e há um certo prazer nisso. Freud muitas vezes me traz um sofrimento por explicar (e eu entender) e permanecer estática sem saber o que fazer com o meu saber. Suspendi o meu trabalho de análise e minha vida não está boa. Mas me falta dinheiro e coragem e investir energia nesse trabalho. Penso demais, e se pensar é existir, eu existo demais! Sofro por não acreditar em deus, porque não há o que me conforte em certas horas. Aí tenho que parar em mim mesma e tentar ficar sã. Falta coragem também para me matar, mas não deixo de desejar essa morte que não chega pra me livrar dessa vida onde eu não posso ser sincera, onde eu não posso dizer o que penso em nome de uma falsa moral que se estabeleceu desde os primórdios dessa podre civilização. Ninguém é o que realmente aparece. Como diz Caetano Veloso: “ de perto ninguém é normal”. Então, por que não assumir essa anormalidade?

terça-feira, 19 de abril de 2011

Amor

 
Foto: Mariana Magalhães
 Composição : João Ricardo - João Apolinário


Leve, como leve pluma

Muito leve, leve pousa

Muito leve, leve pousa
Na simples e suave coisa

Suave coisa nenhuma

Suave coisa nenhuma

Sombra, silêncio ou espuma

Nuvem azul

Que arrefece

Simples e suave coisa

Suave coisa nenhuma

Que em mim amadurece

sexta-feira, 15 de abril de 2011

Link com D. Net


Faz uns dias meu pensamento está trabalhando lentamente para o processo de escrita flutuante. São tantas impressões neste mundo no qual ao [eu] vivo, no meu país, na minha cidade, no local onde eu moro... Eu tenho preferido prorrogar a escrita para não embolar as ideias.

Tenho sentido tristeza ao colocar-me a par do noticiário. Minha atualização hoje vem principalmente da internet, onde leio ao menos dois sites de jornal local e dois sites de jornal nacional logo que começo o meu dia de trabalho, diariamente. Aos finais de semana resguardo-me a não ter acesso a essas tantas informações.

Todos os dias também, marco presença nas comunidades virtuais. Sim, vivemos em dois mundos – o virtual e o “real”. Desde o rádio e a invenção da televisão isso vem acontecendo, mais devagar e menos desastrosamente, porém sensivelmente. O mundo chega às nossas casas simples assim, não precisamos nem levantar da cama, só pegar o controle remoto e plim! (Aqui no Brasil é plim!plim! rsrsrs). Agora é quem eu chamo de D. Net, nossa maravilhosa internet. Poderosa também. Mais do que qualquer outro meio de comunicação hoje em dia. A televisão anda perdendo para ela. É um mundo, com imagem e linguagem própria, além de conter tudo o que chamamos real tem, de bom e de ruim, só não tão perfeitos ainda quanto os nossos sonhos inconscientes.

Comecei a escrever porque estava lendo um artigo sobre a teoria de Vygotsky (psicólogo russo), numa das minhas pesquisas sobre comportamento devido a questões que tenho buscado atravessar com a minha filha de sete anos na escola. De Vygotsky à Lacan (psicanalista francês), de Lacan à Saussure (linguista e filósofo suíço). Nunca imaginei entrar nesse universo de informações, de me importar com o nome de autores ao invés do título dos livros! Kkkkkkkk Mas educar é um desafio mental, intelectual e comportamental, por isso não hesito em recorrer às palavras. Enfim, percebi algo que fazia um link (olhe a palavra virtual no real!) com D. Net e o mundo de carne, osso, pedra, madeira, aço..., o mundo que chamamos de real.

Lacan retirou de Saussure o entendimento de significante e significado, elementos que compõem o signo linguístico. O significante é uma imagem acústica, o significado é o conceito.  Posso exemplificar bem simploriamente: Lendo a frase “Deus é” em voz alta, tem-se também “Deu Zé”. A primeira, como significado, a segunda como significante, imagem acústica.  Essa imagem acústica é o que fica registrado pelo nosso inconsciente, segundo a teoria psicanalítica. Não sei se fui muito clara, não muito boa ao tentar transmitir o meu saber adquirido, mas estou aberta a questionamentos e a aquisição do saber alheio! Rsrsr

Bem, o link com D. Net, com o noticiário atual e com a psicanálise tomou seus caminhos, podendo ser só coisa da minha cabeça, mas que para mim, blogueira, não me custa publicar. O que eu ouço, pode ser o que o outro também ouve, mas não há qualquer meio que possa garantir que o que eu retenho como significante, inconscientemente, seja o mesmo que o outro. É como o bolo de uma tia minha muito querida: ninguém faz igual. Uns gramas a mais de manteiga já alteram todo o sabor do bolo, e vice-versa. Alguém pode nunca contestar que “Deus é”, mas outro prossegue com a certeza de que “Deu Zé”, na cabeça!

Assim vão-se misturando informações, reais, virtuais, e dentro da cabeça de liquidificador de cada sujeito vai resultando sucos [sulcos] vitaminados em prol ou contra a humanidade.

segunda-feira, 11 de abril de 2011

Pensar em nada..

Pensar em nada é impossível, porque nada não existe. Na semana passada acontecimentos no meu local de trabalho e no Rio de Janeiro mexeram com a minha pouca normalidade emocional. O tema foi a morte, mas não ela própria e simplesmente dita, mas o caminho até ela.

Vou colocar aqui um vídeo cujo som eu ouvia em LP, e era um dos que minha mãe dizia que o disco iria furar de tando eu ouvir. Quem conhece a banda Titãs, na sua musicalidade original, pode perceber o que Marisa Monte conseguiu fazer com a canção. Não me importava a péssima dicção de Marisa tão criticada pela minha irmã mais velha, nem a péssima qualidade sonora de um LP (afinal, não sabíamos de algo melhor!), o que mais me chamava a atenção era o que de novo ela retirava do velho, o que de atual ela retirava do passado. Hoje não sustento mais a mesma opinião sobre Marisa Monte, continuo ouvindo, querendo saber o que ela está apresentando, mas, por exemplo, nunca paguei para ir a um show, sempre inacessíveis à massa. O seu perfil musical mudou ao longo dos anos, e nunca mais me provocou arrepios, embora eu buscasse.

Enfim, aí está.

domingo, 3 de abril de 2011

Passarim, Tom Jobim

Uma das canções mais lindas de Antônio Carlos Brasileiro de Almeida Jobim...




Passarim

Composição : Antonio Carlos Jobim / Paulo Jobim

Passarim quis pousar, não deu, voou
Porque o tiro partiu mas não pegou
Passarinho, me conta, então me diz:
Por que que eu também não fui feliz?
Me diz o que eu faço da paixão?
Que me devora o coração..
Que me devora o coração..
Que me maltrata o coração..
Que me maltrata o coração..
E o mato que é bom, o fogo queimou
Cadê o fogo? A água apagou
E cadê a água? O boi bebeu
Cadê o amor? O gato comeu
E a cinza se espalhou
E a chuva carregou
Cadê meu amor que o vento levou?
(Passarim quis pousar, não deu, voou)
Passarim quis pousar, não deu, voou
Porque o tiro feriu mas não matou
Passarinho, me conta, então me diz:
Por que que eu também não fui feliz?
Cadê meu amor, minha canção?
Que me alegrava o coração..
Que me alegrava o coração..
Que iluminava o coração..
Que iluminava a escuridão..
Cadê meu caminho? A água levou
Cadê meu rastro? A chuva apagou
E a minha casa? O rio carregou
E o meu amor me abandonou
Voou, voou, voou
Voou, voou, voou
E passou o tempo e o vento levou
Passarim quis pousar, não deu, voou
Porque o tiro feriu mas não matou
Passarinho, me conta então, me diz:
Por que que eu também não fui feliz?
Cadê meu amor, minha canção?
Que me alegrava o coração..
Que me alegrava o coração..
Que iluminava o coração..
Que iluminava a escuridão..
E a luz da manhã? O dia queimou
Cadê o dia? Envelheceu
E a tarde caiu e o sol morreu
E de repente escureceu
E a lua, então, brilhou
Depois sumiu no breu
E ficou tão frio que amanheceu
(Passarim quis pousar, não deu, voou)
Passarim quis pousar não deu
Voou, voou, voou, voou, voou