Coisas de fim

Estão todos atrás da tela

Muito longe eles se põem

A conversar

Desabafar

Escutar

Gritar

Xingar

Silenciarem

Por trás das telas estão blindados de mim

Daquilo que lhes faço de tanto mal

Aquilo ora chamado

jorro

Jorro de amor

Uma cronicidade suicida

Assassina

É daqui pra frente

Com telas e sem telas

Aonde está a coragem

Por entretelas

O amor se apaga

O encontro surge

Novo encontro

Há de surgir

O sol está aí pra isso

O mar e o pó da terra

Que da sua morte 

No meu corpo moribundo

Da tristeza de tanto jorro derramado

AGONIA DA VIDA

A MORTE É AFUNDAMENTO.

Vou explicar a saudade: 

A saudade é o fim 

A saudade é querer demais 

Expresso em lágrimas sem esforços 

A saudade doi

No meio do peito 

A saudade é impossibilidade 

Amiga da morte 

Corte pungente 

Ferida aberta 

A saudade é eterna pedinte 

Confusão imaginária 

Calabouço das memórias 

Apenas sinto e escolho o nome saudade. Dizem que passa enquanto há vida. E saudade deixa de ser, existir. 

 Basta o mar calmo e quente pra eu me banhar

Vejo reluzir diamantes sobre as águas

Sento com o cão na areia

Buraco na areia

Abraço amigo apertado

Um novo encontro com trocas gentis

Pra caminhar

Basta o dia quente e a noite fria

Apenas sinto o meu corpo galopar

Descompassado 

Basta cantar muito alto 

A música é sempre afinada

 A não existência 

Filha da morte 

É quase insuportável

O não existir mais 

O jogo acabado 

Parece necessário criar 

Outro que vem com lembranças

Afetos 

Novas formas coloridas 

Diferentes

Criar quem já morreu 

Pra viver 

A não existência 

Atormenta muito mais 

Se há obra 

Acalenta 

 Depois do som surdo no meu quarto

Agora meu corpo em busca de sensações proibidas com a morte elas causam a surdez pela falta do corpo ao qual se dirige. O som surdo é o vácuo de um espaço confinado. A pele que não sente o ar passando. O ouvido tapado para os ecos.

Coisas na garganta

 Você agora está-me obrigando a esquecer do nosso mundo

Laço frouxo e turbulento

Desenlaçou

Eu só posso pensar que a morte é boa

Confesso a minha mágoa

Desmantelo em lágrimas

Ainda ontem pensei em te contar...

Não tem você

Quero brigar com você

E tudo se rompe em gritos surdos e gargalhadas

 Nosso jeito de fazer nunca nos distanciou

Você sempre voltava 

Eu disse o primeiro não do nunca mais

Não venha

Não vá!

 Mortos no Uruguai

Tantos mortos no Uruguai

Essa semana

Muitos mortos no Uruguai

Paredões emparedados

Dedo no gatilho

Amanhã é proibido dançar no Uruguai

Embora nada se tenha oferecido

Asseguro de nada no Uruguai

Todos soltos dançando emparedados no Uruguai

Diversos corpos no chão no Uruguai

O filho que fugiu de casa morreu no paredão de emparedados no Uruguai

 é de um lugar nauseante mas que se desloca por cheiro de coisas frescas

movimentos na terra tapeiam

planta aqui

planta ali

 

nesse lugar o ar está parado

o corpo está cansado

saliva espessa no gosto das depressões 

um lugar de demora

diante do que já não vigora

a pedra com nome dele dentro do rio

rir era o que ele sabia fazer

dançar sempre

um puladinho

os pés rentes ao chão 

amigo

amor

peguei rápido uma peça de suas roupas

pra te ver de vez em quando

talvez se estivesse aqui

eu passearia 

eu aprenderia

eu sorriria

eu quase nunca choraria

eu queria aquela pedra com seu nome todo

mas tomaram antes e pior

pra outra pessoa

que pouco sabia dele

pouco cantou pra ele

pouco esquentou seu café 

pouco transcreveu suas palavras ditas com muita dificuldade

nos despedimos a tempo?

cedo demais?

eu sinto muito a sua falta

ando nas ruas do centro

neural

é preciso bloquear toda a afetação 

dentro de algumas horas 

 ele pensa que a psicanálise salva e finge sobre o meu posicionamento de querer distância 

esquecimento virá 

se ele me respeitar

aqui nesse lugar de gente que diz amar somente pra não perder o amor que dirige a outra pessoa

me desrespeitam tirando de mim o último recurso 

porque de frente a carro andando na rua pode não dar certo

tampouco me jogar do viaduto e antes um imbecil me segurar pra não cair

veneno deixa sequelas se eles conseguirem lavar tudo de dentro de mim

o carro ligado vão quebrar os vidros

querer uma pessoa viva nesse mundo é pensar só 

em si

 é quando tenho que virar a monstra 

limpa

xinga 

vomita

chora

 É difícil deparar-se com o trauma, a cena traumática, o objeto traumático novamente. O que chamam de psicológico em humanos é uma precipitação do corpo em sons, palavras. Nem tudo se pode dizer, quase tudo se pode pensar, praticamente nada se pode fazer. 

Abate

- Por que você meteu a mão em mim se eu não estava acordada? Desde ontem estou com uma sensação muito ruim sobre isso, por saber que eu não gosto de ser acordada e fui acordada com o incômodo grande da sua mão bulinando minha vagina.

- Achei que você estava gostando , pois estava se empinando toda.

- Isso é a sua imaginação. 

- E além disso, quando você reclamou, eu parei imediatamente. Outra coisa, nós temos essas intimidades.

-  Isso não é uma intimidade.   Quando eu reclamei já estava sentindo dor. 

- Estava te alisando e não penetrando.

- Quanto tempo você gastou pra enfiar a mão pela minha calcinha sem eu te dizer nada? Estava me machucando.

- Tá bom, desculpe. Vou aí agora pra te pegar pra gente dar uma trepada gostosa, pode ser?

- Isso é estupidez. 

- Deixe de bobeira, relaxe, tô brincando com você. Temos que nos divertir, a vida está difícil pra todo mundo, você não precisa fazer um cavalo de batalha com tudo.

- Se fosse eu te acordando com meus dedos no seu cu eu queria ver.

O homem branco cisgenero e heterossexual reage com silêncio de dias para sempre e oferece mais nada. 

 pior é viver tonta no mundo 

esse mundo de pura ilusão e muitos sons 

você conseguiria me encontrar escutando a minha voz?

me reconheceram 

pelas minhas unhas

pelas marcas na chaparia do meu carro

veja! essa máquina não sou eu

pode ser pelo cheiro do meu perfume assim que saí do elevador

puro engano!

eu desci pelas escadas 

pior é viver sem sentir na pele

os sons da vida

nunca morrem

 posso morrer porque já deixei

deixei de me apaixonar

deixei de chorar 

deixei de penar

tem samba feito 

canto feito

tem recados pra dar

menino criado

futuro guardado

já posso morrer 

se desesperança 

respirando o mesmo ar

as mesmas lutas e tantas 

posso morrer 

mas não me enterre viva

goze comigo do meu legado 

despedace-se 

com o rumo das minhas palavras

 tem alguma coisa que diz nao diga

não diga nada

minha avó repetia 

mas fui eu quem disse 

nao diga nada

Mara marí ririca 

não diga nada 

tem alguma coisa que diz nesse silêncio 

não diga nada 

e tudo vai ocorrer 

de ocorridos não digam nada

a pausa é música

e tem os significantes pairantes errantes pulsantes latejantes

não diga nada 

desejo

não diga nada

acontecimento

suspeito que aconteçam mesmo surtos psicóticos. sempre acho que quem me espelha me narra as minhas ações durante as quais eu só recordo parcialmente. sempre acho que exageram, pra não dizer, dizendo: mentem. então posso quebrar um carro inteiro e apenas recordar que deu uma mordida no braço do meu oponente. eu posso jogar uma vasilha com água sanitária na cara de alguém quando eu sei que mirei no vazio mesmo que na direção do oponente pra não machucar ele. aquele filme indicado por seu amigo psiquiatra fala em traumas . Freud fala em traumas. o que esses traumas da civilização acarretam e formatam as ações o cérebro o corpo do ser humano é do Um de cada um. o Um um Outro talvez quando me arrisco a  lacanear. assim, há como manejar a ocorrência desses surtos. um ambiente de paz. coisa que não perdura. as manifestações (histeria. psicose etc.) se tornam cíclicas. a repetição e elaboração se faz na analise.

P2

 As pessoas aos poucos vão sendo imunizadas do vírus alastrador. Fiz uma lista de nomes que já pelejaram com a doença muitas vezes fatal. Nos sonhos passam a surgir as máscaras. Esquece-se a máscara ao sair de casa. Recebe visita? Não deveria. Porque não acabou. 

 eles so viram mágoas profundas mas não tão difícil de esquecer

por outra

carne qualquer que remova mas não ao ponto de apagar

por ela

o amor nunca foi do tamanho de ficar

P1

 Apático você confessa estar. Está cada vez menos difícil se contaminar pelo vírus. Nesse mundo de tantos vírus tem esse. Tem esse   devastando seres humanos. Hoje eu te liguei porque ontem você telefonou pedindo ajuda e eu não pude dar. Podia até. Mas não podia às quatro horas como seria da sua vontade. Ontem mesmo o governador aumentou o rigor do toque de recolher. Acua as formigas em suas casas mais cedo. Que esse vírus diminua mesmo havendo muitas outras coisas que têm aumentado nos formigueiros do Brasil. Violência contra a mulher, violências contra a criança e adolescente, desemprego, pobreza, alcoolismo. Entendo quando se diz apático. Eu estou apática vivendo no caos no meio de sinais da morte todos os dias. Ainda mais. Eu disse pra você ficar em casa pela realidade. Filas de ambulância em hospitais públicos e privados. Todo mundo deve sair da rua às oito horas e trinta minutos.