terça-feira, 29 de outubro de 2019

Se você pensa que tá dentro do carro
E vai bem
Que tá dentro de casa
E ninguém passará pela portaria
E tudo bem
O seu cão vive junto com você
E tudo bem
A janela da sala pode ficar aberta o dia todo
Melhor ainda
Sem grades
Só há cerca
Elétrica
Bem aqui

segunda-feira, 28 de outubro de 2019

A Convidada

Eu vou lhe mostrar o sorriso
E você deve acreditar que todos os dentes à mostra
Irradiam felicidade
Acreditará tanto que o seu sorriso surgirá diante de mim
Ou distante de mim
O importante é o seu sorriso surgir
A máscara que expõe meus dentes alinhados diante de você
Protege a minha tristeza
Afinal, a coisa é o seu oposto
Meus lábios elásticos para gerar o sorriso podem te convencer
Camuflam a minha hediondez
Te convidam pra dançar a coreografia do elastecimento e dos dentes expostos
Você quer ser a nossa convidada?

domingo, 27 de outubro de 2019

Ficar e esperar
Movimentar ou definhar
Lambuzar de óleo
Ver a morte do mar
Continuar sentado e trabalhar
Pra derramar mais óleo
Muito mais óleo
Cada vez mais óleo
Uma inundação de óleo

A liberdade é uma prisão.

Camgirl - ato frustrado

A relação
entretelas
Buraco no meio
Quente e duvidoso
Frio e duvidoso

Vazio pixelado
De novo

Camgirl - rumo ao ato

Meu deus, ave Maria!
Quando a gente se pegar...
Meu deus, ave Maria!
Todas as marianas!
Tire os panos
Todos os panos
Ave Maria!
Se dia, feche as cortinas
Mas deixe a janela aberta
Se noite, me mostrarei a sua luz
Bem de perto
Pele com pele
Meus deus...
Ave Maria!
Salvem nossos corpos em luxúria
Todos os santos
Pela cabeça
Façam proveito dos nossos ais

sexta-feira, 25 de outubro de 2019

Camgirl

Me coma
Me coma
Me coma
Me coma

Ela grita do outro lado

Deserto

Em coma
Em coma
Em coma
Em coma

Ela canta desse lado

Ecoa

Puta poeta de poeira poesia

terça-feira, 22 de outubro de 2019

 Discurse o que desejar, mas mantenha a distância do meu corpo caminhante pela cidade atravessadora de suas dores em mim. Na minha ancestralidade presente. Em mim. Na cara daquele preto e daquelas pretas, tão familiares na roda que chamei pra sambar. É bom sambar com consciência da roda girando. Sambar com espelho inquebrável, porque a roda movimenta   a ignorância e traz alguma boa sorte. Que bonito esse movimento de complementaridade que está acontecendo. Movimento de pretos, trans e jovens. Movimento de música e amor com vontade de muito trabalho.

Voltei pra escutar a voz da preta. Tornei-me submissa, de modo a permanecer viva. Ela sempre me salva. Ela. A música. Sem som nada de mundo. Sem som do silêncio nada de relacionamento. Vamos juntar três vozes de mulheres pretas do recôncavo baiano. Submeto-me às três vozes. A minha espelhada nas vozes delas. Uma promessa de vida é o que há. Como duvidar dos orixás? Para quê duvidar da ancestralidade transgeracionada no corpo inconsciente? Tamanha consciência! Que assim seja.

Contei pro preto sobre as três vozes. Submeto-me a esse preto. Sedenta de sua pele eu fico. Sofro. Sinto saudades do que foi e teria sido. Suspeito do racismo. A branca que tocava nele procurou saber quem é a preta. Pouca coisa me interessa nessa cidade.

Na portaa preta mandou me chamar. Cadê ela? Preta Luiza com um turbante na cabeça. Olhos nos olhos com vestes coloridas, estendo-lhe a minha mão. Pouca força preta velha imprime na minha mão direita. Um toque macio e delicado. Deve ser pra saber se eu lavo panos e limpo o chão.
[
Os dias e noites na beira do mar na companhia das ondas morrendo na areia é uma invasão sonora em meu corpo implodível.

 Ouvi dizer que a preta Luiza sai todo dia de Itaparica e atravessa o mar sem saber nadar. Ela vende coisas. Todos os dias também as moças lavam panelas enormes nesse lugar aonde vai Luiza. Uma outra moça teima em catar siri quando fazer isso esta proibido nesse mesmo lugar de beira de mar aonde Luiza chega todo os dias de Itaparica. Ela cata siri desde criança. As moças lavam panelas desde o debute. Todas sabem a hora que o vento revira tudo no mar desse lugar.

A terceira voz chegou ontem das mãos da atriz. E não é só voz que chega. O corpo vem dançado e batucado. Eu no meio das pretas. Bem preta eu sou assistindo e me acolhendo nelas. Lindas. Maravilhosas. Quando a palavra vem pra dizer deve ser bem-dita.

Podemos adaptar a história. Preta Luiza saía de Salvador e atravessava o rio Paraguaçu - um dia ela ia, outro dia ela voltava. Soube que pra onde ela ia, festejavam a morte. A boa morte. Essa morte que é vida.

Estou na orla beira de rio. Passei a noite em claro porque os morcegos no sótão conversaram a noite inteira. Uma escrita Atensional com algum propósito é movimento? Quando me espelhei nas pretas senti um aconchego. Elas parecem comigo. Parecem meus primos também. Vamos montar uma banda e serestar na esquina. Atabaque chora, chora também o amor em mim.

Na beira do mar do rio vermelho as duas pretas se cruzaram em sentidos opostos. Uma carregava sacolas plásticas cheias nas duas mãos. A outra segurava a guia do cão - este caminhava ao seu lado sobre a balaustrada.
- Bom dia.
A preta, sorridente, disse a outra. Ao mesmo tempo a outra dizia:
- Linda.
Elas olharam-se nos olhos. Os passos continuaram firmes em seus sentidos e nunca olharam pra trás. Um preta ficou em dúvida sobre ter escutado "linda", a preta tinha a fala de Luanda, então... Há que se receber um elogio e ter um bom dia.

Estava chovendo muito no dia do enterro da preta velha. Passagem. Uma tristeza demais com saudade demais. A preta velha morreu cega. Nunca saía do terreiro. Como tem que ser. Duas pretas foram antes visitar e cantaram pra ela já cega. Foram tantos abraços em silêncio por estarem ali. Pela última vez.


quarta-feira, 9 de outubro de 2019

Me deixe passar a minha crise
O inconsciente traz à tona
Amigo morto a facadas pelas costas
Mais que amigos
Mestres em si mesmos
Um destino que se cumpre devidamente
Um luto
Provavelmente
Na contratransferência
Compara a moça com a mãe
Me deixe passar a minha crise
Ameaça retirar a moça de vez da sua vida
Há uma amizade
Há um abuso
Ninguém sabe a hora do silêncio
Todo mundo age unilateralmente
Surgiu um palavrão
Me deixe passar a minha crise
Caiu a ligação

terça-feira, 8 de outubro de 2019

Depósito

As vezes eu penso
Psicopata
Escritora de textos de pensamentos
Pensamentos em texto
E música
Alguma música
Entre linhas
Penso
No que é normal de pensamento
Em interrogações
Pra quê eu faço isso

A mulher que cheirava cabeças

No bairro de Pau da Lima morava a mulher. Todo dia, logo cedo, ia trabalhar. No local onde trabalhava havia muitos caminhões de coleta de lixo da cidade, portanto, o mal cheiro típico atravessava as narinas durante suas horas de trabalho. Ela chegava cedo no trabalho.Todo dia dava um rolê nos setores da empresa. A empresa atuava no ramo da construção civil e de locação de caminhões de lixo ao serviço público. Naquele setor, onde tudo estava no lugar e nunca saía do lugar, a mulher passeava pela manhã. Duas mulherzinhas e um homenzinho trabalhavam juntos na sala onde tudo permanecia no mesmo lugar. As torres gêmeas foram atingidas! A sala muitas vezes era invadida por gritos e uma performance agressiva de um homenzarrão branco e careca. Tudo no mesmo lugar ficava.O seu passeio causava um feitiço sinestésico. Coisa muito simples. Cachorros e gatos adoram. Um cheiro no cume da cabeça. As narinas dela inspiravam fundo no cume das cabeças enquanto os corpos dessas cabeças permaneciam sentados na sala onde tudo nunca saía do lugar.