sexta-feira, 20 de março de 2020

o senhor Aleluia

como julgar o seu olhar? Apenas seu corpo amuletado pelas suas mãos virando e olhando para minha direção. Eu dirigindo julgo seu olhar. Está-me julgando, senhor? Pelo canto de uma flauta que um dia lhe levou uma notícia ruim sobre mim? No meu rádio, aquele que eu escolho as músicas, o senhor prefere pescar do que retirar a sua própria vida, senhor? E quando o senhor aqueceu a voz na garagem e me ensinou a solfejar gargarejando, eu estava escondida aprendendo tudo, o senhor não viu. Esta minha cabeça feita de ar, às vezes batem ondas e o seu olhar pareceu julgar os meus peixes, meu peixe mulher. Senhor, eu fiquei para mais águas, pra ver mas cachoeiras, para sentir mais o seu cantar. Olhou-me assim, por quê? A paixão não deu certo, o trabalho formal acabou, a batalha pelo pão de cada dia continha, senhor Aleluia. Abençoa com seu canto que ecoa pelas paredes de concreto onde o seu canto funciona. O canto funciona. O canto ecoa do canto. Naquele corpo perto das pilastras atrás de sua mulher, o senhor me olhou eu eu lhe julguei por parecer me reprovar porque eu pensei em desistir. Eu canto, senhor Aleluia, sabe? Vou continuar. Talvez tenha que fazer uso de muletas tais quais as suas. Qual problema há nisso? Pensei em escrever para isso. Continuo crescendo, senhor Aleluia. A sua velhice me reprovou na minha rádio deturpada. Mas segui levando minha mãe, cumprindo até o lugar onde estacionar. Eu às vezes páro, senhor, talvez não saiba. Distraio-me entre o bem e o mal de mim, essas coisas que ninguém pode julgar. Também me distraio. O senhor queria saber qual era o nome de quem pensou em desistir. Estou aqui, resistindo, olhando e pensando, escrevendo sob seu olhar. Continua a moça. Continua a vida. Eu escuto flutuante mirando aquela pedra que não se cobre nem em maré revolta, onde passarinhos fazem ninho algumas vezes e depois voam. Se eu colocar um ponto (ou mais), fui ferida. Vi tudo mudar. Modificar, senhor. Tenho voz cantante, o senhor ainda não sabe. Pesquisei-lhe, sonhei, dormi com uma proteção da maré numa casa sobre as águas salgadas tentando enxergar um novo dia. Senhor Aleluia, o tempo dá, tira, comove-me. Entre o lógico e o cronológico nessa penumbra, com muletas, continuo. Vamos nos reencontrar e quero olhar nos seus olhos e ver outra direção. É impossível julgar o seu olhar e o seu corpo virando-se para mim. Merecemos novos encontros. O lápis vai e eu voo, senhor Aleluia. Cantarei, Aleluia. Há uma diração.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Segundos Saberes (para o seu comentário)