sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

Por fora, por dentro

Ti Ti Ti na televisão - novela da família. Eis que um ser de 7 anos de nascida fala, assistindo à interpretação caricatural de Claudia Raia:

- Mãe, ela tá por fora...
- O quê...?
- Jaqueline está com raiva de Jack por fora, mas por dentro ela gosta dele.
- Aham...


A condição de ser humano tem tendência a mascarar os sentimentos, favorecendo à moral, pudor, ao que já impuseram como bons costumes. O que sentimos "por fora" é, na maioria das vezes, a barreira para o que sentimos "por dentro".
A criança até uma certa idade não faz essa diferença. Fala o que pensa. Se ela disser "você é feio", é porque ela te acha feio mesmo! Rsrsrrsr Um dia minha filha disse que queria conhecer Xuxa no Rio de Janeiro. Disse a ela que isso seria difícil acontecer, mas não impossível. Então ela acordou no outro dia e antes de sair da cama me conta: "mãe, sonhei que estava na casa de Xuxa no Rio de Janeiro!" A realização do seu desejo, formação do seu inconsciente.


Observar minha filha crescendo ao mesmo tempo em que estudo a psicanálise sempre trouxe a mim e consequentemente à ela, grandes lucros. O meu trabalho de análise também foi de extrema importância. Em várias ocasiões pude fazer uma intervenção maternal-analítica (estou inventando esta expressão, não tenho outro nome a dar) e os resultados foram surpreendentes. Enquanto as pessoas subestimavam a capacidade de uma criança entender o que um adulto falava, ela vinha trazendo provas do completamente contrário.


A sua introdução na escola aconteceu aos 15 meses. Levei quinze dias presenciando as aulas, ora de perto, ora de longe, depois escondida, observando. Troquei a fralda dela junto com a auxiliar, sentei junto com os seus colegas na sala de aula, fui ao parquinho de areia e logo pude sentir a segurança no trabalho dos profissionais envolvidos, na minha filha e em mim mesma para deixá-la um turno sem a minha presença e das pessoas familiares. Consegui o transporte escolar no dia em que tive que retornar ao trabalho, e não tive tempo de fazer esta adaptação. Recebi um telefonema desesperado de minha mãe dizendo que não a levaria mais ao carro pois ela estava chorando demais para ir. Fui à análise, e saí de lá com o entendimento do quanto é importante explicar à criança tudo o que se passaria com ela. Então, expliquei que a levaria ao transporte, depois o transportador a deixaria na escola e, quando o céu estivesse ficando mais escuro, ele a pegaria na escola e a traria de volta para mim, todos os dias. Assim o fiz. Ela não chorou nesse dia, nem nos próximos.


Quando um pouco mais velha, já entrando na fase a qual a psicanálise denomina de anal, ela apresentou prisão de ventre. Sua dificuldade para defecar foi preocupante, pois sofria quando sentia vontade de fazer o cocô. Pedia para ficar conversando, para ler histórias, e eu confusa, pois a sua alimentação sempre foi saudável e aquilo não era normal. E menos normal ainda era ter que pedir auxílio nessa hora, pois todo ser humano saudável deve fazer suas necessidades fisiológicas sem ajuda de outrem. Sob os cuidados de minha mãe, o seu desejo de companhia nessa hora era saciado, bem como na presença do pai. Eu pedia encarecidamente que não o fizessem, introduzi as palavras, explicando para os três que esse era um momento particular, individual. Cheguei ao ponto de gritar tentanto explicar aos adultos que a companhia num momento como esse de intimidade com o próprio corpo tende a erotizar a criança, e ela precisa passar pelo processo de autoconhecimento, automanipulação, processo de sentir o corpo como seu, como imagem de si mesma. A ignorância paterna a levou desnecessariamente à emergência hospitalar e a aquisição de solução parental para pacientes em estado vegetativo e comprimidos de Yakult. Tudo diretamente para o lixo. Não dei uma dose sequer. Sabia o que tinha que ser feito. Expulsei minha mãe do banheiro e transmiti a mensagem a minha pequena, e ela mais uma vez respondeu positivamente, Educando o próprio pai e deixando de sofrer.

Desde que comecei a fazer análise eu leio Françoise Dolto, mulher que deixou clara a questão da importância do diálogo com a criança desde o ventre materno em diante, e provou isso com a sua Maison Verte (Casa Verde), na França, onde as mães tinham que retornar ao trabalho e deixar seus bebês. Não eram crianças de mais de três anos, mas recém-nascidos mesmo. Pude perceber o quanto um adulto pode interferir na vida de uma criança, sujeito em formação, sem inconsciente ainda, sem coisas "por dentro". O que vem de fora é o que trará o conteúdo de dentro. Eu declaro sempre que a minha obrigação é ser saudável para tornar minha filha saudável também. Não sabemos o que irá impressionar um sujeito em construção, por isso é preciso ter bastante cuidado com o ambiente onde esse sujeito irá desenvolver-se. Por não ser casada, abri mão do conforto de morar com meus pais antes de minha filha completar os 24 meses. A solidão trouxe alguns pontos negativos como a minha primeira crise depressiva, mas não abri mão de oferecer a ela um lugar só meu e dela, agora meu, dela e do meu companheiro, representação da figura paterna autorizada por mim e acatada por pela mesma.


Um comentário:

  1. Fico emocionada vendo essa piveta crescer e ficar cada dia mais esperta! Ela é a prova concreta de que a criança entende sim o que falamos pra ela. Ela fica ligada em tudo e aplica as expressões que ouve nas melhores horas, deixando todo mundo com a pergunta na cabeça: "quem ensinou isso a esse criança??" kkkkkk Uma figurinha! Continue procurando equilíbrio pra vocês minha irmã, só temos a ganhar podendo acompanhar o desenvolvimento de um ser tão interessante como é Clari!

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