terça-feira, 20 de julho de 2010

BONECA NÃO!


Eu transmito o recado, cochichando aos ouvidos dela:
- Paulo mandou um beijo para a "boneca" dele.
Prontamente ela devolve:
-Que boneca?
Já advertida e devidamente interpretada, respondo:
- Não sei.
Agora ela, objetivamente, apreendendo desde tão pequena do seu lugar   de sujeito, afirma:
-Ele não tem boneca
- Então ele tem o quê?
- Ele tem filha.
Pois é, ele tem uma filha, ela uma família. Relação triangular estabelecida - pai, mãe e filha. E a filha entende muito bem. Não ser objeto do outro, ter o lugar na relação triangular. É preciso formar indivíduos saudáveis e desejantes.

A relação familiar suporta a construção de um sujeito saudável quando reúne elementos que favoreçam a sua passagem pelos três tempos edipianos sugeridos pela releitura da teoria freudiana através de Jacques Lacan.

O bebê nasce, tem uma mãe, ou alguém que a alimenta e cuida, alguém que lhe ampara. Então, ele pensa que esta fonte é extensão do seu corpo. Mais tarde percebe que não, tomando consciência de si, e inicia um movimento de ser o que falta a ser para a mãe ou quem lhe transmite segurança e condições de sobrevivência. Ser objeto do desejo da mãe ou de quem a representa. Papel impossível, pois ninguém carrega a capacidade de preencher e satisfazer o desejo do outro.

Aí então surge a figura paterna, ou outro que demonstre afeto pela mãe e frustra a criança da mesma. Agora a criança não pode ser o objeto de desejo da mãe. Começa a construir no seu funcionameto imaginário a relação de rivalidade com o amado da mãe, quando surge o esboço da lei do pai, simbolização que vai impor limites à criança, a castração. Assim, dentro deste processo de ser ou não ser da mãe, ter ou não ter a mãe, o sujeitinho em formação, passa a entender que não pode ser o objeto da mãe. O pai entra em cena fazendo sua função paterna de impedir a criança de ser o que falta a ser e de ter o que falta à mãe. Assim, o identificar-se com o pai – no caso do menino – e ter o pai é identificar-se com a mãe – no caso da menina - caracteriza esta etapa muito importante na construção desse sujeito.

Encontramos muitos casos onde indivíduos entram nesse tempo do complexo edipiano e jamais consegue ultrapassá-lo. Há exemplos de pessoas adultas que não conseguem construir uma relação amorosa que não seja essa com a mãe, pois não teve contato com a castração. Dessa forma, tudo para este sujeito pode ser possível, inclusive atuar como par da sua própria mãe. Estes costumam não priorizar o seu desejo, são pessoas que não finalizam processos de trabalho, aprendizagem, enfim, qualquer processo produtivo do seu próprio ser, e sofrem por isso.

Ao estudar a teoria psicanalítica (passados já 5 anos frequentados na Confraria dos Saberes) e trabalhar em análise, eu, de certa forma, identifiquei o meu tempo edipiano, e o tempo para trabalhar estas questões em mim e na criação da minha filha, na relação triangular da nossa família. A poucos dias ela me surpreende mais uma vez com suas colocações:

-É você quem inventa essas músicas?
- Sim, sou eu.
- Então você vai ser cantora quando crescer.
- E eu não sou grande já?
- A pessoa fica adulta com trinta anos....
- Ah, eh? Hummm.....
- Você vai crescer muito mais.
- Fazendo música?
 - É.
Suas repostas diretas, lógicas, suas palavras bem ditas, com significados e significantes demonstram a cada dia o resultado deste investimento.

A psicanálise traz a prática da construção do ser, que é a minha busca incessante de viver bem e saudavelmente, além de transmitir o meu bem estar para todo o meu círculo.



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