segunda-feira, 10 de janeiro de 2011


"Freud pertence à categoria dos que não podem crer e veem com surpresa ou curiosidade os que creem.
(...)
Cada crença ou descrença individual na existência de um Deus baseia-se em complexos processos desenvolvimentais e dinâmicos. Psiquicamente, a maior parte das crianças no Ocidente formam a representação de Deus em suas interações com os objetos primários. A formação psíquica  das representações de Deus não leva por si mesma à crença.  A crença e a descrença são sempre o rsultado de processos dinâmicos nos quais o senso do eu e a representação de Deus prevalecente ligam-se em uma dialética de compatibilidade ou incompatibilidade na satisfação de necessidads relacionais. A crença não é uma questão de maturidade. Algumas pessoas não podem acreditar porque estão aterrorizadas com seu Deus. Algumas pessoas não ousam crer porque têm medo de seus próprios desejos regressivos. Outras não precisam acreditar porque criaram outros tipos de deuses que as sustentam igualmente bem. A maturidade e a crença não são questões correlatas. Somente um estudo detalhado de cada indivíduo pode revelar a razão de sua crença em Deus ou de sua descrença.
(...)
Durante  a fase edipiana e o período de latência, o genitor do sexo oposto deve apoiar na criança a sensação de que ela é um objeto merecedor de amor. O fracasso na confirmação do valor da criança pode causar uma profunda dor narcisista. O genitor do sexo oposto tem de ser rejeitado como objeto da libido enquanto o genitor de mesmo sexo se torna um objeto de identificação. Problemas na identificaçãoc om este genitor podem acarretar muitas dificuldades e uma mágoa narcisista."


Transcrevi os trechos acima por uma questão de transferência. Identifiquei-me com a descrição da autora sobre Freud, a impossibilidade de crer e curiosidade nos que creem.   Entendo que o período entre o nascimento e a fase da latência é determinante na vida de um sujeito, portanto passo a compreender a minha questão individual de descrença em Deus.

Às vezes coloco no canal número nove da televisão aberta, pertencente à igreja Renascer em Cristo. Poderia ser qualquer outro canal com o mesmo teor. É a minha curiosidade nos que creem... Fico perguntando a mim mesma o quanto seria amenizador viver acreditando na existência daquele que "tudo pode". Poder tudo é muito perigoso... Pode o mal e pode o bem, como a palma e as costas da minha mão. Então, ao assistir àquelas pessoas com caras de boas (a maioria mulheres) eu enxergo um teatro. Uma criança fazendo pregação, claro que é um teatro! As pessoas preferem viver a fingir que a dor não existe, que a angústia logo será curada por uma oração. Confesso que já acreditei, mas, faz algum tempo ,tornou-se muito custoso para mim.

Vivo numa sociedade na qual crer em Deus é algo essencial. Não crer em Deus é imoral. Qualquer declaração minha a respeito do ateísmo exponho-me ao risco de ser colocada à margem das comunidades em que transito. A minha família de origem sabe, minha família edificada também sabe. Fiquei muito contente com a campanha iniciada a respeito do preconceito aos ateus. Na China há ateus, na europa há ateus, na ciência há ateus. No Brasil há ateus!

Viver numa sociedade onde duvidar da existência de um ser que não se prova por si só é um problema  e um tanto complicado. As pessoas acreditam que são, portanto não se permitem duvidar. Encontrei na psicanálise um par para muitas questões minhas. Freud também tornou-se ateu, ainda na adolescência. Ele denominava a si mesmo como um judeu sem deus, e assim foi, caminhando, deslizando, duvidando. Deus portando, não é só o que dizem, pode ser outra coisa.

Liberdade do sentimento de culpa, a liberdade de arrepender-se, liberdade de pensamento independente, contato com a angústia, tudo surge quando falta a religião. Definitivamente, é para poucos essa posição. Sinto-me desamparada pela falta de crença, pois fui induzida a só viver apoiada nessa muleta. Sem ela ora penso que vou enlouquecer com tanta elucidação e desconforto diante das dificuldades de viver, ora fico lúcida e certa e concluo que viver é mesmo aprender a lidar da melhor maneira com isso, encarando a vida como ela tem se apresentado para mim.

Bibliografia:
RIZZUTO, A-M. (1979) The birth of the living God: A psychoanalytic study.
RIZZUTO, A-M. (1998) Why did Freud reject God? A psychodinamic Interpretation

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Segundos Saberes (para o seu comentário)