Salvador, 06 de junho de 1997.
D.Marlene,
Quero encontrar a Sra. em pleno gozo de saúde, junto à D. Lurdes e Vagner e os demais parentes e amigos.
Vou contar-lhe como aconteceu o motivo da minha doença:
Era um dia de terça-feira em que os aposentados faziam uma manifestação na Praça da Piedade. Eu amanheci o dia falando.Mais tarde, eu procurei a fala e não encontrei. Fiquei sem falar. Aí D. Dulce começou a chorar e eu também. Mesmo assim fui à Praça da Piedade. Chegando lá, não suportando a reação da moléstia, me dirigi à casa de minha filha Edna. Ela fez um suco de maracujá e me deu um comprimido Adalat. Ela me levou em casa e depois Rosinha me internou no Hospital Salvador, onde ela trabalha.
Passei cinco dias lá. Como já estava melhor, tive alta e fui para casa. Como receita, o médico passou para eu tomar um comprimido, Oxigen. Tudo bem. Fui melhorando aos poucos.
Pensando que já estava bom, fui à Aracaju ver minha irmã, a minha cunhada e os demais parentes. Depois de 15 dias, tive a segunda crise – piorei. D. Dulce foi me buscar urgente junto com Rita e o esposo. Daí começou tudo de novo. Entrei em tratamento e hoje estou falando melhor do que antes.
Ainda continua o sistema nervoso alterado, não posso atender telefone porque falo muito pouco e fico nervoso, como a Sra. notou. Hoje eu sou um homem que não fala direito, não escuto e não vejo. Praticamente eu sou um homem acabado.
Espero que Deus resolva a minha situação.
Dulcinéa e meus filhos, genros, netos e bisnetos vão bem de saúde, graças a Deus. Rosinha está trabalhando no hospital no qual fui internado. Ela tirou o curso de instrumentadora, trabalha com os melhores médicos ortopedistas: Dr. Hélio e Dr. Roberto Aleluia.
Mariana, a neta que faz minha cartas, está estudando na Escola Técnica fazendo Edificações junto com o primo Roquinho, filho de Edinha. O marido dela [Edinha] é professor da escola acima citada.
Espero que Vagner esteja bem nos estudos. Esse é o meu desejo para que mais tarde a Sra. possa dar um passeio aqui em Salvador depois que ele vencer o curso. Estarei aqui as suas ordens, conte com o amigo de sempre. Diga a Vagner que continuo torcendo pelo Palmeiras.
Sempre contanto com a boa vontade da neta Mariana para fazer as minhas cartas.
Sem mais, lembranças de todos os componentes da família.
[João Teles Magalhães]
Arrumando minhas papelarias, reecontrei o rascunho desta carta que guardei por ato falho, talvez devido ao grande afeto presente naquele momento. Sempre rasguei sob suas vistas todos os rascunhos das cartas que para ele redigi, depois de passá-las a limpo e envelopá-las, e não sei por qual motivo inconsciente essa não foi rasgada. Ele morreu em 2001, na madrugada do dia 19 de fevereiro. Minha mãe permaneceu no hospital (o mesmo citado na carta) sozinha, porque era o seu dia no rodízio. Meu desejo foi ficar, mas no outro dia eu teria que me apresentar no meu primeiro emprego. E assim o fiz, mesmo depois de atender ao telefonema às 3 ou 4 horas da manhã com a notícia derradeira. Meu avô foi um homem trabalhador, cheio de energia para servir aos outros, e eu não seria diferente disso. Tive a sorte de ser neta de João Pindoba.
Não gosto muito de alegar isso, até porque ele nunca me falou, mas as recordações não deixam outra conclusão – eu era a sua neta preferida, como diziam as minhas irmãs. Inusitadamente, ele chegada à casa de minha mãe e batia à porta no seu ritmo-código, pois, segundo o mesmo, era para não termos dúvidas de que era ele e não abrir a porta para estranhos caso minha mãe não estivesse em casa. As meninas ficavam no "jogo de empurra" para ver quem iria servir o seu café com biscoitos. Eu bem que dava a oportunidade a elas, mas elas nunca aceitavam, então eu fazia, com muito prazer. Elas diziam: "Peça a sua neta, ela não é a sua neta preferida??" Ele ria, como resposta, só isso, mais nada.
Eu choro, eu choro com essa saudade que ele me deixou. Meu avô me ensinou a andar de bicicleta, a caminhar pela feira de São Joaquim sem aquela lama sujar meus pés... Tive somente a intenção de dividir com os leitores deste blog as palavras de um homem que se julgou acabado, por perder sua comunicação com o mundo. Não tinha a intenção de transcorrer na minha escrita. Mas falar dele sera conteúdo em mim para sempre.
Aos meus onze anos viajamos juntos para Sergipe, onde nasceu. A hospedagem foi na casa da sua irmã, minha querida tia Detinha, viva até hoje, pessoa que sempre que nos encontramos tenho necessidade de ouvir aquele sotaque característico contando as histórias dela e que também foram parte dele. Ele dançava e cantava o tempo inteiro. Sorria muito, mas também tinha os seus "calunduns"! Aqui não tem espaço para as minhas recordações...!
Nessa viagem à Sergipe passeamos por Laranjeiras, por Carmópolis com um amigo seu cujo nome não me recordo (sei que acabava com um som "ael", natanael, otoniel, não sei). Lembro que ele era negro, daqueles negros preto, e muito cheio de classe, calmo e educado. Pisei no chão da casa onde ele nasceu nessa nossa viagem. Um lugar já baldio, mas um conhecido ele encontrou lá, dono de um boteco, onde tomei Fanta, de laranja, pois naquela época não existia de uva!rsrsrs Em Laranjeiras, terra natal de minha avó, passeamos a cidade inteira, entrando em tantas casas que eu nem sei. Numa delas ele me ofereceu licor! Imagine...
Eu não enxergava preconceitos em suas atitudes, era um homem bastante popular e querido, comunicativo. Numa determinada época era ele quem levava a mim e minhas irmãs à escola, no seu Panorama amarelo, com cheiro de gasolina e barulho de amortecedores gastos.
Não consigo continuar, finalizarei por aqui porque o choro da saudade teima em não se conter.
E com lembranças boas me vem a imagem de Pindoba - já sem fala - sorrindo e fazendo sinal de positivo como quem perguntava: "tá tudo bem?"...
ResponderExcluirE quando aparecia aqui em casa do nada, deixando minha vó preocupada em casa, minha mãe dizia: "mas meu pai o senhor saiu sozinho? ora que teimosia..." e logo em ligação completava: "ele ta aqui viu mainha?" e assim repetia ä Lulu, Rosinha e Rita!
Me lembro de pouca coisa ao seu lado mas me orgulho em dizer: sou neta de João Pindoba!
Sentada em frente ao computador do meu trabalho tô me segurando pra conter as lágrimas... Amanheci um pouco mais sensível e ler esse texto logo agora pela manhã me emocionou mas do que imaginava.
ResponderExcluirSempre lembro de meu avô, penso como ele estaria curtindo os netos e bisnetos, curtindo as nossas festas em família. Lembro das expressões que ele usava ("decalá cinco!", e colocava a mão pra gente cumprimentar ele), das músicas que cantava ("ladeira do jacaré..")...
Boas lembranças.. tristes pela falta que ele faz, alegres pela pessoa que foi e continua sendo tão presente em nossas vidas.
O coração ficou apertado...
A Coroa Do Rei (Marchinhas De Carnaval)
ResponderExcluirA coroa do Rei,
Não é de ouro nem de prata,
Eu também já usei,
E sei que ela é de lata.
Não é ouro nem nunca foi,
A coroa que o Rei usou,
É de lata barata,
E olhe lá... borocochô
Na cabeça do Rei andou,
E na minha andou também,
É por isso que eu digo,
Que não vale um vintém.
Eu lembro dessa tb!! Ouvi até a voz dele cantando... Lembrei aqui que sempre sonho com ele, sorrindo...
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