terça-feira, 21 de setembro de 2010

Pisando no chão

A música me salva das ruas sujas dessa cidade
Dos ruídos estridentes do trânsito, dos vendedores ambulantes
Retira de mim essa angústia de andar calada


Com a música trago palavras alheias cantadas
Transcrevo  em alguma melodia o que eu não diria
O que eu não faria 

Retira os maus cheiros, retira os meus medos
Converte meu fôlego 
Em algo que eu não pego, nem vejo, mas desejo


Faz tempo não caminho pelas ruas de Salvador, faz tempo não caminhos pelas ruas. Ontem senti vontade de chorar por deparar com o lixo espalhado por todos os lugares onde eupassava, pela poluição sonora, pela insegurança de não saber onde se localizam agora os pontos de ônibus. Sem bom humor ontem. Sembom humor hoje. Salvaodr está feia. Os shoppings estão limpos, os restaurantes, os teatros. Mas as ruas... O que faz o povo dessa cidade? Joga lixo por onde passa, faz de cada esquina o sanitário da sua casa, lança entulhos por terrenos abandonados. Papel, plástico, comida, ruídos, poeira. Salvador para mim está muito feia.

Pensei no meu enclausuramento no pólo petroquímico, tudo limpinho, faixas de segurança devidamente respeitadas. Pensei em dois anos sem precisar pegar um ónibus coletivo, meu marido com sua dedicação um tanto exagerada de me transportar para todos os lugares, dizendo "por mim você não pisaria no chão"! Não, não! Tenho que pisar no chão sim!!! Não se vive no planeta chamado terra sem pisar no chão!

Eu chorei ontem caminhando pelas ruas, dentro dos ônibus coletivos, como uma menina perdida, abandonada, que não sabia voltar para casa. Como um passarinho que foi obrigado a sair da gaiola. Da avenida Garibaldi, só soube ir até o Campo Grande. De lá, tive que fazer um esforço enorme para relembrar os caminhos da cidade. Enxuguei minhas lágrimas, engoli meu choro. Meus pés tocavam o chão com as pontas dos dedos, que nem uma bailarina, porque não suportei sentir os impactos dos buracos, não queria fazer mais zoada do que já estava ouvindo. Entrei num outro ônibus e retirei um livro da bolsa. Depois acendi o meu sinal amarelo: não posso esquecer de onde estou. Guardei o livro, peguei o batom, passei nos meus lábios sem olhar no espelho. Para quê o batom? Sei lá! Não queria desaparecer entre tantos talvez... Logo a avenida Contorno e sua vista esplêndida. Queria aquele pedaço de mar sem aqueles barcos todos atracados, sem aquela marina contruída, poluindo aquele pedaço de mar da baía. Eu quis ficar sem chão, flutuar até o meu destino, não correr perigos reais. Passei pelo Comércio, depois pela Calçada, onde eu procurei os velhos trilhos de trem e os encontrei. Eu quis aquela rua limpa, sem vendedores ambulantes, sem gritos irritantes.

Dentro do ônibus fazendo o meu caminho, aquele caminh necessário, fiquei cantando para mim mesma... "Que nobreza você tem, que seus lábios são reais, que seus olhos vão além, que uma noite faz o bem e nunca mais.." Agora estou aqui escrevendo da minha estação de trabalho, nessa gaiola asseada mas inflamável, com um colega ao lado que parece não ter ouvido o meu alerta quando cheguei - estou irritada e para pouca conversa.

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