quinta-feira, 2 de setembro de 2010

Um pouco sobre Toxicomania e Psicanálise

Estou lendo um livro chamado "ALCOOLISMO, DELINQUÊNCIA, TOXICOMANIA - Outra Forma de Gozar, com texto de autoria de Charlos Melman, psicanalista com formação acadêmica em medicina psiquiátrica. 
Resolvi postar uma pequena parte e dividir com quem possa interessar a minha leitura, visto que foi de grande proveito e não conseguiria descrever de forma tão didática e precisa sobre ela. Penso que selecionei trechos claros, fáceis de entender. É uma outra forma de enxergar a toxicomania, é um outro olhar, o olhar de outro lugar, da psicanálise...

 
“Assim, se o psicanalista se misturasse com a higiene mental e fosse interrogado sobre a questão de como responder à droga, já disse qual seria a minha resposta. Quanto mais se avança no terreno da proibição, quaisquer que sejam as penas, as forças policiais e outras que estão engajadas neste negócio, asseguro que tudo é absolutamente vão, já que essa proibição simplesmente participa do fenômeno. A droga não está contra a economia, está dentro desta economia. É por isso que ainda há pouco evoquei algumas formas de tratar o toxicômano e sustento completamente que esta seria a mais simples e a menos escandalosa e, seguramente, a mais engraçada; tratar-se-ia de dizer-lhe: “se realmente você deseja sair dessa, existem boas leituras, vire-se com isto; quando tiver lido, você decidirá; depois, faz o que quiser, se você deseja brincar de morrer, e mesmo morrer...”; pois, afinal, será que somos capazes de impedir alguém que quer? Conhecemos toda esta hipocrisia do nosso aparelho social que se apresenta como amante, como cheio de amor pelos membros da comunidade; sabemos qual é o lugar, qual é o valor desta hipocrisia. Em contrapartida, respeitar este descaminho já consiste em não tratar o toxicômano como um menor ou como um doente.

(…) Creio que os toxicômanos não vêm ao psicanalista porque encontram o remédio universal, a panaceia, e que então a questão para eles não é mais a de sua existência – que é a questão comum – mas simplesmente a de dispor deste remédio. Consideram que existe no jogo social um defeito e nisto eles têm toda razão. E é mesmo este defeito na organização que eles denunciam como doença, bem mais do que sua própria toxicomania. Ao contrário, eles estimam ter encontrado um meio mais preciso ,mais eficaz para... mas para o que exatamente? Que grande efeito podemos atribuir à droga? Seria tentado a dizer – se devêssemos supor aí um efeito geral – que é o efeito de aliviar a dor da existência. A droga é, sem dúvida, a melhor maneira de se desembaraçar, de apaziguar o que concerne à dor de existir.

(…) Agora, por que o toxicômano não se considera doente? (…) Trata-se, graças a este remédio, de aliviar-se da existência; teríamos mesmo vontade de dizer que o objeto do gozo do toxicômano é a morte, que ele consiste – mesmo que seja por eclipses – em desaparecer, em ausentar-se... e sabemos que quando retorna ao dia, quando reermege, isto não se faz sem um certo drama, pois neste momento o mundo lhe parece particularmente cinza e duro e, ele mesmo, bastante insuportável. Assim, se chegássemos a dizer que o toxicômano goza da morte - o que é aliás uma experiência muito antiga e que tem suas tradições (evoco aí a tradição cultural chinesa – seja confuciana ou budista – onde o ideal é justamente a suspensão da existência, com uma opiomania socialmente instalada), compreende-se perfeitamente que a noção mesma de doença e do que põe a vida em perigo possa estar ausente de sua lógica. É uma noção que pertence , para ele, à ideologia médica, mas está ausente de sua organização. É a razão pela qual o grande risco é que ele acabe indo até o fim.”

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