sexta-feira, 25 de agosto de 2017

o Menina baiana - claquete 213

CENA: O vento uiva

O MENINA BAIANA: Ressecamento e desidratação. Salvador e avião. Rio Vermelho e uma vila dentro de um castelo. Nudes e tropicálias. Partidas e chegadas. Gente fonte, gente fria, tempo quente. Eu só falo com você. Eu só falo com você todo dia. Ler biografia é saber-se infeliz tão quanto os biografados, que nada mais fizeram da sua infelicidade do que transformá-la em registros, o que chamam de arte. Você tem razão quanto à Salvador. Também as suas palavras quanto à cidade mexeram comigo, sobre dizer que aqui nāo tem nada. Estou fazendo uma gig. Serei eu mesma na rede. Não há vida em plásticos. Proteja-se se aqui estiver. Isso tem eu. Música é algo muito particular. Quem ama lambe e as lagartixas são muito amorosas, viu? Um dia eu serei sabida, ou saberão por mim. Pra existir um Caeiro, existiu Pessoa. E mais cem e tantos. Volte pra minha rede. Em nome dos cem e tantos Pessoa. Volte.  Uma coisa é cair uma árvore milenar na cabeça de mais de vinte pessoas, outra coisa é atravessar uma criança numa lancha sem usar um salva-vidas. Acho que terei que ser umas duzentas.  O meu samba de roda tá bem próximo de acontecer. Vou me planejar pra não ser tão doloroso ficar longe dessa cidade que amo tanto.

AQUELE QUE É RECONHECIDO: Acho que a melhor coisa é não nascer.

O MENINA: Eu não tenho dúvidas quanto a isso mais.

AQUELE QUE É RECONHECIDO: Já que tamos na merda, só resta a putaria.

O MENINA BAIANA: O meu todo amassado me protege e o sino da minha aldeia me conta as horas. A velha ave maria. Nunca mais vou me sentir culpada por minhas paixōes. Sem elas sou mais morta do que já sou. Ninguém tá ligando pra ninguém. Agora, nesse momento, uma pessoa à beira de uma roda de samba. Ela tem nada a perder. Será que o tempo deseja que eu cante? Será que dará tempo?

AQUELE QUE É RECONHECIDO: Cante

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