quarta-feira, 21 de junho de 2017

o Menina baiana - claquete 137

CENA: Bandeira

O MENINA BAIANA: É a transferência. É nela e por ela que se dá. Há quem fale sobre contratransferencia. Eu digo que é transferência. Às vezes só um resquício, às vezes não. Perdura, insiste, quer ficar toda nua, se entregar. Mas de nada adianta supor que o outro saiba. Só porque sabe falar mais do que a sua língua pátria? Eu sei. Só porque anda pelo mundo? Eu ando. Só porque só? Eu só. Eis o fim da logica. Tento me trancar no quarto, passo a chave mesmo e corro para a esquadria em painéis de vidro antes que a mulher violenta chegue. Eu com medo dela, tento encaixar os painéis um no outro e há uma burrice que me impede. Ela está vindo, eu escuto avisarem. Lá fora está escuro mas tem muita gente. Parecem que sabem lidar com a presença dela, mas eu não me sinto apta. Sinto medo. As ferragens são pretas e eu tento combiná-las pra fechar a esquadria inteira mas sempre que algum macho casa com uma fêmea, há um buraco que fica aberto. Eu desisto. Destranco a porta e saio pelo corredor de paredes brancas. Ela está logo ali! Sentada no chão! Eu passo por ela e nossos olhares se cruzam. Nos cumprimentamos e eu sigo em frente. Ao telefone ele está sentado falando comigo, despojado em um dos sofás de uma sala grande, muito iluminada e arejada. Pelas esquadrias de vidro eu vejo o verde de um campo aberto e pergunto onde ele está. Onde você está? Na casa de sua mãe fazendo mil coisas e agora senta pra falar comigo sobre o ativismo, sobre alguém que lhe parece interessante mas que não muito importante também, porque não se faz importante. O menino que passa junto comigo, sob a minha tutela, por um rapaz muito simpático que tira a minha dúvida sobre o caminho parece tenso, sem jeito, sem graça. Continua assim até subimos na bicicleta. Nessa parte eu estou sem querer mexer porque horas depois eu vou saber que o menino foi abusado sexualmente pelo homem simpático. Uma mulher altiva, de voz firme, andar seguro e leve surge pela sala e sabe muito bem cada palavra que lhe sai da boca. Eu fico admirando o passar dela e tento conjugar o seu movimento. Algo sobre o corpo e a gravidade do meu companheiro atual quando diz que "ela constituía e sancionava uma espécie de acordo secreto que a ligava à terra e ordenava o mundo em torno de seus movimentos... ela unia seus gestos ao mundo". Seu partido político agrega crianças e adolescentes.  O ativismo é o amor. Beijar, amar, seja lá quem for. Seja lá quem for.

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