sábado, 20 de maio de 2017

A tela está vazia. Ela não entende. A insanidade é algo que não pode ser compreendido. Os pólos dela em seu corpo todo. Nunca mais será lida por ele. Então fará dessa tela vazia seu bloco de anotações. Pra sentir-se um pouco com ele. Um pouquinho. Uma migalha invisível dele. As pessoas quando morrem deixam migalhas. Um roupa com cheiro que logo se esvai, um som chamando o seu nome que de repente sai de dentro dos ouvidos e, mesmo que ele pouco tenha chamado o seu nome, tem sons de sua pronúncia particular, sons que nunca mais, nunca mais... Recorreu às pílulas essa noite, eu vi, não aguentou as leituras, chocou demais, chorou demais. Tac. Tac. Tac. Três, eu contei. Disse que era pra não sonhar. Não sonhou. Acordou resignada. Diante da morte não há o que fazer. Dizem os mais velhos que o tempo abranda o coração. Um coração frustrado deve ser um tempão pra isso acontecer. Coloca o headphone. Retira o headphone. Encontrou um música e a fez tocar repetidas vezes por horas. De nada adiantou. Não salvou. Porque música não salva da ignorância diante do incompreensível sentimento de frustração. Música alivia a dor de existir, movimenta o corpo inerte dentro de um quarto escuro e sujo.

A BAIANA: Eu quero tirar de mim essa inveja que vem junto com a vontade de estar com ele e poder abraçá-lo mais, beijá-lo mais, estar despida junto a ele. Conhecer um museu, sentir o sol na pele e caminhar ao lado, mesmo que ele nunca me dê a mão. Mas é um desejo forçado à morte, assim como eu. Ontem antes das pílulas eu tive a certeza que cantar também é uma ilusão. Não tem nada a ver com ele. Se ele estivesse vivo a sensação seria de um grande alívio. Mas agora. Desilusão. Submersa em lavas de vulcão. Se eu já sabia pouco dele, agora o meu saber virá das migalhas deixadas pela morte. Não posso sair por aí chorando. Avise que amanhã eu não vou comer a comida baiana, por favor. Eles querem que eu cante, não tenho canto pra dar nessas condições lutuosas .

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